A União Industrial Argentina se prepara para abrir fogo contra a entrada em grande escala de produtos brasileiros no mercado argentino. O presidente da entidade, Alberto Álvarez Gaiani, teme uma avalanche de produtos brasileiros, devido à falta de crescimento da economia do principal sócio do Mercosul , e pede que o governo de Néstor Kirchner coloque em prática mecanismos para solucionar as distorsões comerciais bilaterais.
Depois da reação negativa do ministro de Economia, Roberto Lavagna, e do embaixador do Brasil na Argentina, José Gonçalves Botafogo, contra o pedido de Gaiani de estabelecer medidas de salvaguardas, há quase dois meses, os industriais preferem agora utilizar a palavra "plano" do governo para evitar a "invasão" do mercado.
O plano pedido consistiria num pacote de alíquotas móveis que seriam aplicadas somente para conter as flutuações das cotações do câmbio e as alterações das economias de ambos países. A UIA argumenta que enquanto a Argentina "está crescendo", a economia brasileira está "estancada", uma diferença que provoca "grandes alterações na relação comercial". Este é o principal assunto que está sendo discutido desde ontem, em Puerto Padryn, na Patagônia, durante o encontro de dois dias da UIA.
O empresário Guillermo Gotelli, do setor têxtil, reclama que "o algodão do Brasil entra no país com preço mais baixo porque lá (Brasil) está sobrando, há excedente". Ele diz que a Argentina produzia 150 toneladas de algodão e agora produz somente 60 mil porque cada vez mais se importa algodão brasileiro. O presidente da empresa têxtil Guilford Argentina, Eduardo Bohm, faz coro à Gotellli. "Hoje a situação é alarmante porque estamos muito próximos dos níveis de 2001", afirmou.
Em junho, a balança comercial que sempre foi favorável à Argentina em relação ao Brasil, desde dezembro de 1999, pendeu para o outro lado com um saldo negativo de US$ 27 milhões de dólares. Há cerca de três semanas, o ministro de Economia deu sinais de que o governo argentino deverá propor alguma medida de compensação setorial ao governo brasileiro. Ele afirmou que com as diferenças de ritmo de crescimento das economias de ambos países, o tratamento comercial não pode ser o mesmo.
Em maio, as importações brasileiras de tecido jeans, por exemplo, foi de 2,8 milhões de metros, nada menos que 80% do mercado de jeans da Argentina, segundo dados da Fundação ProTejer (protejer, de tecer-em português, e protejer, que em espanhol significa proteger), uma entidade que vem sendo criada desde o começo deste ano com o objetivo de defender o mercado local. O articulador e presidente do movimento contra as importações brasileiras de têxteis, Aldo Karagozian (têxtil TN Platex) afirma que o país está diante de "uma invasão de produtos brasileiros, de uma magnitude que não se via nem mesmo durante o pior período da conversibilidade", se desespera com medo de perder o terreno do setor que começou a recuperar-se na metade do ano passado, após a desvalorização do peso.
A Fundação ProTejer foi oficializada ontem e conta com 33 empresas têxteis, desde Alpargatas até o desenhador Martín Chuba, um dos mais reconhecidos do país. A entidade anunciou que o setor quer um "comércio administrado", a exemplo do que ocorre com a indústria automotiva, ou seja, um regime comum têxtil. Aldo Karagozian denuncia que os têxteis brasileiros entram na Argentina com um valor de 20% menor do que os locais. "Eles (os brasileiros) nos vendem a preço de custo mas para a indústria de lá que é oito vezes maior do que a nossa, vender 10% de sua produção a preço de custo não significa nada, mas para a gente é a nossa ruína", protesta.
Carne de porco também é motivo de reclamações
As importações argentinas de carne de porco do Brasil também poderão transformar-se em um novo foco de conflito entre os dois sócios do Mercosul. O crescimento da produção local de suínos, no ano passado, não pôde ser sustentado devido à queda do consumo, mas a situação piorou, nos últimos meses, por causa do aumento das importações brasileiras, após a conclusão do processo de antidumping iniciado pelos produtores argentinos, segundo explica Juan Luis Ucelli, presidente da Associação Argentina de Produtores de Porcos.
De acordo com a secretaria de Agricultura, nos últimos 10 anos, a quantidade de porcos da Argentina caiu 39%, passando de 2,95 milhões de cabeças, em 1992, para 1,8 milhões, no final de 2002. Juan Luis Ucelli calcula que esta queda provocou o desemprego de 15 mil trabalhadores do setor que hoje emprega, diretamente, 25 mil pessoas.
O abate, no ano passado, foi de somente dois milhões de cabeças, enquanto que a importações suínas do Brasil foram de quatro mil toneladas por mês. Ucelli afirma que a única forma de solucionar o conflito com o Brasil é através de uma negociação entre o setor privado, com a intermediação do governo. Porém, ele afirma que os produtores brasileiros se negam a sentar-se para negociar.