A Câmara Temática de Negociações Agrícolas Internacionais, do Ministério da Agricultura, um órgão que reúne técnicos de vários ministérios e representantes do setor privado, reúne-se nesta terça-feira, em Brasília, para discutir as conclusões de um estudo sobre a reforma da Política Agrícola Européia (PAC), que terá implicações na 5ª reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Cancún, de 10 a 14 de setembro. A análise foi preparada pelo Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), que também apresentará ao governo, nesta semana, um estudo simulando acesso a mercados baseado em 31 linhas tarifárias, que abrangem 90% da pauta exportadora agrícola brasileira.
Essa análise será um instrumento de negociação para o Brasil na Rodada de Doha da OMC porque simula o que acontecerá com as exportações brasileiras em função de cortes tarifários diversos. "O estudo mostra como a proposta Harbinson afeta as tarifas brasileiras", diz Marcos Jank, diretor-presidente do Icone. Stuart Harbinson, presidente do comitê de agricultura da OMC, sugere que os subsídios à exportação sejam eliminados em duas fases: em cinco e nove anos. Ele também prevê metas para cortes de tarifas e áreas em que programas de ajuda a agricultores locais distorcem o mercado. O plano Harbinson propõe grandes reduções nas áreas em que os subsídios são mais altos, uma exigência dos países exportadores, mas sem a reivindicação deles de instituir um teto máximo. O grupo de Cairns, de exportadores agrícolas, que inclui o Brasil, quer um teto de 25% e o fim dos subsídios à exportação em três anos. A proposta Harbinson, rejeitada na reunião minimisterial da OMC, em Tóquio, no início do ano, "voltou com força total" à mesa de negociações porque o presidente do comitê de agricultura "achou o meio, e seu documento aponta vantagens para os países pobres", diz Jank. Harbinson criou muitas salvaguardas para esses países, e a sua proposta de modalidades não só estabelece métodos de negociação, como propõe valores, embora estes estejam entre colchetes, o que indica dificuldade de consenso. "O que está em jogo hoje é acatar ou não o documento de Harbinson", diz Marcos Jank.
Em Cancún, se o documento de Harbinson for aprovado, e se houver um consenso sobre modalidades de negociação (como serão atacados os subsídios à exportação e questões de acesso a mercados), é possível que seja incorporado um parágrafo à declaração final estendendo a cláusula de paz, que expira em dezembro deste ano, avalia um especialista. EUA e UE deverão pressionar pela continuidade da cláusula.
Reforma tímida
O texto sobre a reforma da PAC, que será apresentado amanhã à Câmara Temática, não desce a detalhes sobre recomendações estratégicas para os negociadores, que serão feitas em caráter sigiloso. Observa, porém, que as mudanças na política agrícola européia, que entrarão em vigor apenas em 2005 e estarão sujeitas a um período de transição que pode perdurar até 2007, em determinados países da União Européia, "foram mais tímidas do que se veiculou em meados do ano passado, quando da apresentação da revisão da agenda 2000. Assim, maiores avanços dependerão de intensas pressões no decorrer da Rodada de Doha".
Mas, na avaliação do Icone, "essa reforma acanhada" da PAC "vai permitir que Lamy (comissário de Comércio da UE) melhore a sua oferta de redução das caixas amarela e azul. A caixa amarela engloba as políticas de apoio interno capazes de distorcer o comércio agrícola internacional e que estão sujeitas a limites de uso global de subsídios durante um determinado período de tempo. A caixa azul também compreende formas de apoio interno que distorcem o comércio internacional.
Outro ponto negativo da reforma da PAC é que não toca no tema "subsídios à exportação". O "silêncio estratégico" da UE no assunto "mostra que a eliminação dos subsídios à exportação pelos europeus terá alto preço na Rodada de Doha", menciona o Icone.
A entidade, que subsidia com estudos técnicos o governo e o setor privado, conclui que, "aparentemente, não há qualquer medida na reforma que facilite o acesso ao mercado europeu, que continuará extremamente protegido por picos, escaladas e quotas tarifárias, além do arsenal crescente de barreiras não-tarifárias".