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Escolha de proposta é primeira batalha em Cancún


O eixo do jogo em Cancún será a disputa Estados Unidos-União Européia versus Grupo dos 20, disse ontem à tarde o chanceler brasileiro Celso Amorim. A primeira batalha será sobre papéis: vai ser preciso escolher o texto base para a negociação sobre comércio agrícola, o assunto mais difícil e mais controvertido da 5.ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), que hoje será aberta oficialmente. Essa decisão porá em confronto as economias mais poderosas, que gastam US$ 1 bilhão por dia em subsídios agrícolas, e algumas dezenas de economias com vários graus de desenvolvimento, interessadas em melhores condições de acesso ao mercado internacional.

O problema é que as negociações poderão tomar direções bastante diferentes, de acordo com o documento que for tomado como orientação para os debates. Os americanos preferem negociar a partir de um documento preparado pelo presidente do Conselho Geral da OMC, o diplomata uruguaio Carlos Perez del Castillo. Esse documento, segundo os críticos mais severos, apenas acomoda as posições defendidas em conjunto, numa proposta anterior, pelos americanos e europeus. Os governos do Brasil e de vários outros países em desenvolvimento propõem que dois textos sejam tomados como base: o do embaixador Del Castillo e aquele proposto há pouco menos de um mês por um grupo de 16 países, que logo se ampliou para 20 (daí o nome G-20) e ontem já incluía 21, com a adesão do Egito. Participam desse grupo as maiores economias de vários continentes, como Brasil, México, Argentina, Índia, China, África do Sul e Egito.

Oficial - O principal negociador americano, o embaixador Robert Zoellick, argumentou, numa entrevista coletiva, que o documento de Perez del Castillo é endossado pelo diretor-geral da OMC, o tailandês Supachai Panitchpakdi, e tem, portanto, caráter oficial como proposta da direção da OMC. Não haveria, segundo Zoellick, razão para aceitar também a proposta do G-20 e deixar de lado outros textos preparados por vários participantes das negociações, incluído aquele apresentado pelos Estados Unidos e pela União Européia.

O roteiro proposto pelo diplomata uruguaio reproduz a proposta americana e européia de eliminar completamente apenas os subsídios à exportação de certos produtos importantes para os países em desenvolvimento. Esses países se queixam de que os subsídios europeus e americanos distorcem as condições do mercado e criam condições injustas de concorrência. Numa entrevista anterior, o comissário da União Européia para o Comércio, Pascal Lamy, e o comissário europeu para Agricultura, Franz Fischler, haviam reafirmado esse propósito. Mas não indicaram quais os produtos para os quais seria eliminado o subsídio. Os países interessados, segundo explicaram, deveriam apresentar suas demandas, para negociação. Para os brasileiros, isso envolve o risco de que fiquem fora da liberalização precisamente os produtos agrícolas em que o Brasil é mais competitivo.

Zoellick, assim como haviam feito Lamy e Fischler na entrevista anterior, afirmou que também as maiores economias em desenvolvimento devem abrir seus mercados, para benefício das economias mais pobres. Segundo Fischler, alguns países em desenvolvimento querem criar duas OMCs, uma para os países ricos, que teriam muitas obrigações, e outra para os países em desenvolvimento, que não teriam nenhuma.

Altura - Celso Amorim comentaria, pouco mais tarde, que Fischler deveria se preocupar menos com a concorrência entre o Brasil e outros países em desenvolvimento e mais com a competição desigual que os ricos impõem aos mais pobres. Amorim comentou, também, que a percepção do mundo de Fischler deve ser afetada pela altura em que vive, nos Alpes (Fischler é austríaco). Foi uma alusão a um comentário do comissário europeu para a agricultura, que afirmou, na semana passada, que os países do G-20 estavam circulando numa órbita distante e deveriam regressar à mãe Terra.

Amorim terá de se preocupar, no entanto, não só com a resistência dos ricos à reforma do comércio agrícola. Terá de se esforçar, também, para que as alianças de que o Brasil participa - o Grupo de Cairns e o G-20 ou 21 - não se desfaçam ou não sejam desfalcadas. Ontem, durante entrevista coletiva de ministros do Grupo de Cairns, a maior parte das perguntas foi sobre as possíveis divergências entre essa frente, formada por 17 países, e o G-20. A diferença mais óbvia é que o G-20 ou 21 inclui alguns países interessados não só no acesso aos grandes mercados, mas também na manutenção de politicas defensivas para certos produtos. Índia e China cabem nesse molde.

Os entrevistados tentaram responder realçando os interesses comuns, mas de modo não muito convincente. Mas começam a surgir fissuras evidentes também no Grupo de Cairns. Alguns de seus membros, como a Austrália, estariam dispostos a aceitar o documento de Perez del Castillo como base das negociações. Para o Brasil, a prioridade é defender o texto do G-20, como afirmaram os ministros Roberto Rodrigues, da Agricultura, e Celso Amorim.

Ontem à tarde, o chanceler brasileiro já havia conversado com Lamy e à noite deveria encontrar-se com Zoellick.

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