Bolívia anuncia reforma agrária "rápida e maciça"
Medidas não incluem ação específica contra estrangeiros
O governo boliviano apresentou a sua proposta de reforma agrária, na qual prevê uma distribuição de terras "rápida e maciça", privilegia comunidades indígenas e mulheres e se compromete a respeitar latifúndios, desde que em situação regular e produtivos. O presidente em exercício, Alvaro García Linera, disse que haverá um período de diálogo com a sociedade de até três meses antes da implantação. "A Bolívia é comunitária, mas também industrial. A Bolívia é pequeno-camponesa, como é de comunidades que vivem da caça e da pesca", discursou García Linera, no anúncio do plano, em Cochabamba.
"Temos de levar para o futuro modelos de desenvolvimento que tenham a capacidade de apoiar essas três grandes plataformas produtivas: a comunitária, a pequeno-camponesa e a agroindustrial", completou. A proposta mais destacada foi a do princípio de reversão de propriedade rurais ao Estado "pelo não-cumprimento, total ou parcial da função socioeconômica" sob novas regras, não especificadas. "É necessário assegurar não só os benefícios do titular mas também a satisfação do interesse público, coletivo, sobre essas terras", afirmou o vice-ministro de Terras, Alejandro Almaraz, encarregado, no evento, de enumerar os pontos do plano.
Outra medida considerada importante é a aceleração do processo de regulamentação de todas as propriedades rurais por meio de uma lei modificatória. Pela lei em vigor, o chamado saneamento deveria terminar neste ano, mas, segundo dados oficiais, só foi realizado em cerca de 15% do total. Para agilizar a regularização, o governo do presidente Evo Morales quer assumir o processo, hoje realizado por empresas, e estabelecer um novo prazo.
Em recente entrevista à Folha, o ministro de Desenvolvimento Rural, Agropecuário e Meio Ambiente, Hugo Salvatierra, estimou que o trabalho leve entre dois anos e meio e três anos. Entre as medidas que podem ser implantadas no curto prazo, a de maior impacto se refere à distribuição de terras em mãos do Estado, estimadas entre 2 milhões e 4,5 milhões de hectares. Essas áreas, que devem ser as primeiras a serem distribuídas no programa do governo, atenderão apenas a camponeses indígenas.
O pacote anunciado também prevê que, se as comunidades beneficiadas não usarem as terras de uma forma adequada, serão desapropriadas pelo Estado. O governo boliviano também quer que as mulheres sejam as primeiras a ter as terras regularizadas. O anúncio de que haverá um prazo para diálogo foi elogiado por Carlos Rojas, presidente da Anapo (Associação de Produtores de Oleaginosas e Trigo), principal entidade dos plantadores de soja. "Parece positivo que o governo escutará a nossa opinião antes de tomar qualquer medida. Creio que o governo tenha escutado um pouquinho os setores para que seja possível um consenso."
Rojas afirmou que sua entidade apresentará uma proposta alternativa de política fundiária. Ele não quis adiantar detalhes, mas disse que está preocupado com a intenção do governo de centralizar a reforma agrária.
Brasileiros
O projeto agrário tem preocupado os cerca de cem produtores de soja brasileiros, radicados principalmente no departamento de Santa Cruz e responsáveis por 35% da produção do país, segundo a Associação de Produtores de Oleaginosas e Trigo. A soja é o segundo produto de exportação do país, atrás apenas do gás. O governo assegura que não incluirá na reforma agrária latifúndios produtivos de soja, desde que estejam em situação de propriedade regular e ocupem áreas apropriadas ao produto.
As medidas não incluem nenhuma ação específica contra proprietários de terra estrangeiros e não menciona as áreas de fronteira, onde o governo tem acusado brasileiros de manter áreas ilegalmente -a Constituição boliviana proíbe estrangeiros de ter propriedades numa faixa de 50 km a partir da linha divisória.