Algodão é a quarta cultura que mais consome agrotóxicos
Primeira publicação brasileira analisou impactos socioambientais da produção
Um relatório inédito no Brasil traçou os dados que ligam agronegócio à indústria têxtil e a moda. O estudo Fios da Moda: Perspectiva Sistêmica para Circularidade observou os impactos socioambientais das principais fibras utilizadas na indústria da moda brasileira: algodão, poliéster e viscose.
Foi mapeada a produção durante toda a cadeia e sugeridas práticas circulares e mais justas no setor. A motivação do mapeamento veio do fato de a indústria da moda ser uma das mais poluentes do mundo, responsável por 4% das emissões totais de gases do efeito estufa (GEEs), ou 2,1 bilhões de toneladas.
A rede produtiva do Brasil é a mais completa do ocidente: da extração da matéria-prima, a transformação da fibra, confecção e venda, o país possui todos os setores operando em território nacional. O estudo apurou que o algodão brasileiro insere o país no cenário mundial como o 4º maior produtor e o 2º maior exportador. Considerado um trunfo do agronegócio brasileiro, a commodity rendeu, em 2017, 2 milhões de toneladas e US$ 13 bilhões.
O estudo também destaca que o mesmo algodão é responsável por consumir 10% de todo agrotóxico comprado pelo Brasil, o país que mais consome agrotóxico no mundo. A cultura também utiliza 10 tipos de agrotóxicos, entre eles, glifosato e acefato. A maior parte das emissões da indústria da moda está concentrada nas atividades upstreams - atividades necessárias para a composição de um produto, como processamento de materiais e produção.
O relatório destaca ainda a falta de transparência e de comprometimento de empresas com a descarbonização de sua rede de fornecimento. Segundo o Índice de Transparência Brasil 2020, apenas 28% das 40 marcas analisadas publicam suas políticas sobre uso de energia e emissões de carbono em suas cadeias de abastecimento.
A pesquisa apresenta caminhos para tornar a indústria mais circular, evitando que o resíduo têxtil termine em aterros e lixões. Opções como a logística reversa, algodão orgânico e a substituição da matriz energética por energia limpa podem reduzir as emissões em até 70%. “A vontade de produzir um relatório sobre têxteis está ligada à urgência da transformação que precisamos fazer acontecer na próxima década se quisermos garantir condições de vida minimamente estáveis na Terra frente a um cenário climático em profunda transformação”, ressalta Marina Colerato, coordenadora do projeto.
O relatório foi produzido pela mídia independente Modefica, o Centro de Estudos em Sustentabilidade (FGVces) a consultoria para sustentabilidade Regenerate Fashion, com financiamento da Laudes Foundation. Veja algumas constatações importantes:
• No Brasil, o algodão é a quarta cultura que mais consome agrotóxicos, com destaque para o glifosato, que corresponde a mais da metade do volume de agrotóxicos comercializados no país;
• O equivalente a cerca de 16 caminhões de lixo têxtil é descartado por dia só na região do Brás, em São Paulo;
• O algodão é responsável por aproximadamente 10% do volume total de pesticidas utilizados em território nacional;
• As culturas de eucalipto (origem da viscose) e algodão utilizam de 7 a 10 tipos dos agrotóxicos mais vendidos no Brasil, respectivamente;
• Enquanto uma fazenda de 500 hectares de agricultura familiar oferece cerca de 200 vagas de emprego, a de eucaliptocultura oferta apenas três;
• A etapa de produção de matéria-prima é o principal ponto crítico no impacto à biodiversidade e ocupação do solo pela cotonicultura, sendo responsável por 99% do impacto total;
• Em relação ao cultivo de algodão convencional, o cultivo de algodão orgânico pode reduzir as emissões de GEE em 58%;
• 56,8% das pessoas estariam dispostas a reciclar suas peças de roupas se soubessem que elas, de fato, estão sendo recicladas enquanto 26,3% se sentiram motivadas por terem um ponto de coleta por perto. Ao mesmo tempo, 49.9% das pessoas nunca ouviram falar sobre reciclagem de roupas no Brasil;
• A produção agroecológica de algodão tem impacto positivo sobretudo na qualidade de vida das mulheres camponesas e na soberania alimentar.