Como funciona a fixação biológica de nitrogênio? Como fazer?
Entenda tudo sobre a fixação biológica de nitrogênio (FBN).
O nitrogênio é o nutriente exigido em maior quantidade pelas plantas, pois é utilizado em diversos processos, sendo fundamental para proteínas, clorofila, composição do DNA e RNA, crescimento da planta e das raízes etc. É comum ocorrer baixa disponibilidade de nitrogênio no solo, limitando a produtividade agrícola, sendo necessária a aplicação do nutriente através de fertilizantes.
Como o Brasil importa mais de 80% dos fertilizantes usados na agricultura, acaba ficando suscetível a variações do câmbio, guerras, volatilidade dos mercados globais etc. Além de serem importados, também inclui-se o custo de transporte, resultando em um alto custo para a aquisição de fertilizantes.
Há bilhões de anos atrás, antes do surgimento das plantas, houve uma evolução de um microrganismo que começou a sintetizar uma enzima chamada "nitrogenase" que consegue quebrar o nitrogênio atmosférico, transformando-o em amônia, em um processo chamado "fixação biológica do nitrogênio (FBN)". Os genes responsáveis pela nitrogenase foram transferidos para outros organismos procariotos, que hoje são denominados como "diazotróficos".
Após o surgimento das plantas, essas bactérias diazotróficas começaram a se associar a elas na zona das raízes. Há 200 milhões de anos atrás, algumas dessas bactérias, chamadas coletivamente de rizóbios, começaram a se associar a diversas espécies de leguminosas, com um alto grau de interação. Estima-se que a fixação biológica de nitrogênio contribui com aproximadamente 65% de todo o N introduzido no ciclo do planeta, podendo suprir totalmente a necessidade de nitrogênio de plantas economicamente importantes, como a soja. Assim, a fixação biológica de nitrogênio é considerada o segundo processo biológico mais importante depois da fotossíntese.
Na principal cultural a qual ocorre a fixação biológica de nitrogênio, a soja, os primórdios
Como ocorre a simbiose das plantas com as bactérias fixadoras de nitrogênio?
As plantas liberam na rizosfera compostos que atraem as bactérias. As bactérias sintetizam oligossacarídeos reconhecidos pela planta. Quando a planta reconhece essas substâncias, os pelos radiculares param de crescer e mudam de forma, se enrolando no ápice para prender os rizóbios aderidos na superfície. Os rizóbios produzem substâncias que quebram a parede celular do pelo radicular, e penetram dentro do pelo, formando um "canal de infecção", se deslocando até as células internas das raízes. Dentro das células das raízes, as bactérias ficam em um espaço intercelular, onde se convertem em bacteroides, sendo esta a forma que se encontram dentro do nódulo.
Com a formação dos bacteroides, inicia-se a síntese de leghemoglobina, nitrogenase e outros compostos. É na forma de bacteroides que é feita a fixação biológica de nitrogênio.
Um sinal de que a fixação biológica de nitrogênio está ocorrendo é a coloração rosada dentro dos nódulos, que indica que a nitrogenase está em atividade.
Corte de nódulo com coloração rósea, indicando atividade da nitrogenase. Foto: Marco Antonio Nogueira / Embrapa.
Quais fatores influenciam a fixação biológica de nitrogênio?
Diversos fatores bióticos e abióticos podem afetar a fixação biológica de nitrogênio.
Fatores abióticos:
- Acidez do solo;
- Altas temperaturas no solo;
- Presença de metais pesados;
- Baixa precipitação pluviométrica;
- Tipo, textura e composição do solo;
- Salinidade;
- Baixa fertilidade do solo;
- Toxidez por alumínio;
- Deficiência de nutrientes como fósforo e alumínio;
- Disponibilidade de nitrogênio mineral.
Fatores bióticos:
- Tipo de inóculo;
- Via de inoculação;
- Cultivar;
- Controle de pragas e doenças;
- Competitividade;
- Sobrevivência saprofítica;
- Presença de antagonistas.
Fixação biológica de nitrogênio (FBN) na soja
A soja é a principal cultura comercial que se beneficia da fixação biológica de nitrogênio, através da simbiose com a bactéria Bradyrhizobium. Estudos apontam que o nitrogênio oriundo da FBN é mais eficientemente translocado para os grãos do que o nitrogênio proveniente de fertilizantes.
As plântulas utilizam o nitrogênio das reservas, que pode acabar um pouco antes do processo de fixação biológica de nitrogênio estar ativo, o que pode causar um leve amarelecimento das plantas, normalizando quando a FBN estiver ativa.
Em condições adequadas no campo, é possível observarmos a formação dos primórdios nodulares entre cinco e oito dias após a emergência. Entre dez e doze dias após a emergência, pode-se observar cerca de 10 nódulos com 1 a 2 mm na coroa da raiz.
Os segmentos radiculares são suscetíveis à formação de nódulos por apenas algumas horas, e caso um segmento não seja infectado pelo rizóbio durante essas horas, nunca mais será formado um nódulo neste sítio.
O tamanho dos nódulos é importante. O desejável é que os nódulos tenham pelo menos 2 mm para possuir boa capacidade de fixação de nitrogênio. No florescimento, uma planta de soja bem nodulada deve ter entre 15 e 30 nódulos por planta. Após o florescimento, pode ocorrer uma segunda formação de nódulos nas raízes secundárias, causada pela infecção de rizóbios que já estavam estabelecidos no solo, inoculados em anos anteriores.
Também pode-se formar novos nódulos por conta de uma inoculação suplementar em estádios de crescimento vegetativo até o início do florescimento, melhorando a contribuição da FBN e o rendimento de grãos.
Devo aplicar nitrogênio na soja?
Antigamente era comum aplicar uma dose de arranque de nitrogênio na soja, principalmente por conta daquele período em que as reservas de nitrogênio nos cotilédones terminam antes do processo de fixação biológica de nitrogênio estar ativo.
Porém, a adubação nitrogenada é antagônica à fixação biológica de nitrogênio, e a aplicação inibe a infecção dos rizóbios nas raízes em um momento primordial para a formação de nódulos. Diversos estudos foram feitos avaliando a aplicação de 10, 20, 30 e 40 kg de N por hectare na semeadura, e não foi observado nenhum benefício.
A fixação biológica de nitrogênio contribui com o nutriente para a planta até o final do ciclo. Outros estudos avaliaram a aplicação de fertilizante nitrogenado durante o florescimento pleno (R2) ou com a vagem completamente desenvolvida (R4), o que também prejudicou a atividade dos nódulos que ainda estavam vivos, prejudicando a FBN, com consequências diretas no rendimento de grãos.
Dessa forma, caso tenham sido feitas boas práticas de inoculação, não há qualquer benefício ou necessidade de aplicação de fertilizantes nitrogenados na soja. Os estudos foram feitos em sistema de plantio convencional ou direto, com cultivares precoces e tardias, convencionais ou transgênicas, de crescimento determinado ou indeterminado, com fertilizantes aplicados em todos estádios de crescimento na soja, aplicados a lanço, em sulco ou via foliar.
Caso ocorra alguma resposta à adubação nitrogenada, provavelmente algum fator limitou a fixação biológica de nitrogênio. Vale ressaltar que em outros países, onde a pesquisa não se aprofundou muito na fixação biológica de nitrogênio, existem genótipos de plantas e de microrganismos pouco eficientes em FBN, sendo comum os relatos de respostas à aplicação de nitrogênio.
Inoculação única x inoculação anual (reinoculação)
As pesquisas apontam um incremento médio de 8% no rendimento através da inoculação anual, mesmo que os solos tenham uma alta população de bactérias por conta de inoculações anteriores. As respostas são maiores na região Centro-Oeste (cerca de 8,1% de incremento) do que na região Sul (cerca de 4,3% de incremento), por conta dos estresses climáticos.
Coinoculação da soja
A bactéria Azospirillum brasilense também consegue fixar nitrogênio atmosférico, mas em menor quantidade, pois a associação com as plantas ocorre na rizosfera, sendo menos especializada. Porém, A. brasilense pode produzir fitormônios como o ácido indolacético (AIA) para as plantas, que promove o crescimento das raízes, melhorando a absorção de nutrientes e água, resultando em melhor nutrição e tolerância a estresse hídrico.
Através de alguns estudos, verificou-se que os processos microbianos de Bradyrhizobium spp. e do A. brasilense são diferentes porém complementares, sendo compatíveis para o uso combinado, resultando em aumentos de rendimento na cultura. Como A. brasilense produz grande quantidade de AIA, deve-se evitar aplicações excessivas, que podem até inibir o crescimento das plantas.
Um estudo analisou 51 publicações científicas e dados de 39 ensaios a campo, e confirmou que a coinoculação promove, quando comparada com a inoculação exclusivamente de Bradyrhizobium, incremento médio de 11% na massa das raízes, 5,4% no número de nódulos, 10,6% na massa de nódulos, 3,6% no rendimento de grãos e 3,2% no teor de nitrogênio nos grãos.
Cuidados / boas práticas para uma boa inoculação da soja
Uma planta em simbiose exige mais nutrientes do que uma planta que recebe adubação nitrogenada, pois a primeira deve atender, além das suas necessidades, as necessidades da bactéria e da simbiose. Além disso, merecem atenção o molibdênio, que é componente da enzima nitrogenase, e o cobalto, que atua na formação da leghemoglobina. Assim, recomenda-se também o fornecimento de 12 a 25 g/ha de molibdênio e 2 a 3 g/ha de cobalto, via tratamento de sementes ou aplicação foliar entre V3 e V5, sendo a aplicação foliar menos nociva para as bactérias.
Deve-se tomar cuidado com a interação das bactérias com produtos químicos, como fertilizantes e defensivos. Análise feita pela Embrapa Soja aponta que a inoculação antecipada com tratamento químico de sementes dificilmente fica viável por mais de uma semana. A concentração mínima de células viáveis de Bradyrhizobium por semente na semeadura é entre 80.000 e 100.000.
As bactérias também podem ser inoculadas no sulco de semeadura para evitar o problema de incompatibilidade com produtos químicos, aumentando a dose de Bradyrhizobium para pelo menos 2,5 ou 3 doses por hectare, e a de A. brasilense para 2 doses por hectare.
Além disso, siga as boas práticas de aplicação abaixo:
- Sempre use produtos registrados no Mapa;
- Realizar corretamente as recomendações de nutrição e práticas culturais;
- O produto deve ser armazenado em condições adequadas;
- Siga as recomendações técnicas;
- Cuidar com temperaturas elevadas durante a semeadura;
- Para inoculante turfoso, usar solução açucarada a 10% para aderência;
- Para inoculante líquido, usar a dose correta para atingir a concentração mínima de células por semente, e não utilizar menos do que 100 ml para cada 50 kg de sementes;
- Não adicionar mais de 300 ml / 50 kg de sementes, considerando inoculantes, agrotóxicos e outros insumos químicos, ou 550 ml / 50 kg para sementes com alta qualidade fisiológica;
- No tratamento de sementes, sempre aplicar os agrotóxicos e produtos químicos antes, deixando secar antes de aplicar o inoculante;
- Caso a inoculação seja feita em tambor rotatório, betoneira ou máquinas específicas, realizar à sombra, deixando secar por cerca de 30 minutos;
- Altas concentrações de células possuem maior chance de sucesso;
- Realizar a semeadura no mesmo dia da inoculação, principalmente se a semente for tratada com outros produtos químicos;
- Reinocular em caso de dúvida quanto à sobrevivência das bactérias;
- Evitar a semeadura em condições estressantes;
- Para inoculação no sulco, utilizar dose mínima de 2,5 milhões de células por semente;
- Para sementes pré-inoculadas, garantir no mínimo 80 mil a 100 mil células viáveis / semente no momento da semeadura;
- Aplicações alternativas como pulverização foliar ou na superfície do solo devem ser feitas apenas em caso de emergência, de forma complementar, com solo úmido ao fim da tarde. Estas aplicações não devem substituir a aplicação via semente ou sulco de semeadura, sendo feitas caso a inoculação falhe.
Nodulação inicial das raízes de soja: (A) parcial ou “fraca” e (B) bem sucedida. Imagem: Embrapa Documentos.
Quais são as vantagens e desvantagens da fixação biológica de nitrogênio?
Como vantagens, a fixação biológica de nitrogênio diminui os custos de produção, proporciona melhor aproveitamento do nitrogênio pelas plantas, incluindo uma melhor translocação de nitrogênio para os grãos (quando comparada à adubação nitrogenada) e melhorias na fertilidade do solo. Além disso, reduz os impactos ambientais por necessitar de menores quantidades de fertilizantes, diminuir a poluição de corpos hídricos e promover o sequestro de carbono.
Como desvantagens, as plantas dependentes de fixação biológica de nitrogênio podem ter um crescimento inicial mais lento, pois também atendem às necessidades das bactérias e da simbiose, o que resulta também em maiores exigências nutricionais. Além disso, essas plantas são mais sensíveis a alguns estresses abióticos.
Anderson Wolf Machado - Engenheiro Agrônomo
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