Resíduos de laticínio viram adubo na agricultura
Depois de transformado em torta orgânica, produto melhora o solo e amplia produtividade da planta em 30%
GOVERNADOR VALADARES - Resíduos de laticínios podem ser utilizados como adubo na agricultura e reduzir os custos que os agricultores têm para preparar a terra. A descoberta foi feita por um grupo de pesquisadores da Universidade Vale do Rio Doce (Univale) de Governador Valadares, Leste de Minas Gerais, após pesquisas com os resíduos orgânicos da indústria de laticínios Barbosa & Marques S/A, produtora dos queijos Regina.
Os estudos mostram que o resíduo, até então depositado no aterro sanitário pelos laticínios, é rico em nutrientes, melhora as características físicas do solo, aumenta a retenção de água e a produtividade da planta em cerca de 30%.
A pesquisa vem sendo realizada desde 2006 sob a supervisão do engenheiro agrônomo e professor da Univale Alexandre Sylvio. O objetivo é reaproveitar os resíduos orgânicos originários do processamento industrial do leite para a produção de diversos tipos de queijos, creme de leite e outros derivados e transformá-los em adubo.
Já se descobriu, por exemplo, que eles resolvem a carência nutricional das plantas, um problema que, segundo o professor, é sério e agravado, na região, pela qualidade do solo "muito pobre quimicamente".
"São resíduos orgânicos com características agronômicas interessantes em termos de fertilidade e características físicas. Nosso trabalho foi adequar esse material para o uso na agricultura. Foi desenvolver um produto e criar um manejo para que pudesse ser usado, descobrir como a planta pode tirar proveito desse material", explica Alexandre Sylvio. Segundo o pesquisador, foram avaliados, entre outros, a quantidade e o tipo de cultura e feitas análises físico-químicas para descobrir se o material era viável.
O passo seguinte da pesquisa foram as experiências na "Casa de Vegetação", ambiente controlado e com a utilização de mudas em vasos. Finalmente, foi feito o plantio no campo, fase conhecida como teste da produtividade. "Descobrimos que o resíduo é rico em nutrientes, que melhora as características físicas do solo, aumenta a retenção de água e também a produtividade. As plantas desenvolvem muito bem", informa o professor da Univale, lembrando que a experiência foi feita com capim, feijão e milho.
"No geral, alcançamos aumento na produtividade de 20% a 30%, valor considerável. A planta se desenvolve e cresce mais", explica o pesquisador, assegurando que não há mudanças genéticas, mas melhoramento na resposta, no desenvolvimento fisiológico da planta.
Os resíduos da agroindústria, explica o pesquisador, geralmente, são orgânicos, ricos em nutrientes e têm baixo teor de contaminantes como metais pesados ou compostos orgânicos tóxicos, pontos positivos que favoreceram a decisão de estudá-los como adubo orgânico.
Por outro lado, o preço dos nutrientes tradicionais aumenta o custo para a agricultura, em especial daqueles que contêm fósforo. "No caso em estudo, como está na forma orgânica, o fósforo é liberado aos poucos para a planta. É diferente do adubo, onde o nutriente está totalmente disponível e, aos poucos, vai se perdendo. Com o adubo orgânico acontece o caminho inverso, ou seja, fica disponível aos poucos, tornando-se mais viável".
Alexandre Sylvio ressalta também os custos que as fábricas, em geral, têm hoje com o aterro sanitário. "Fazendo a preparação dos resíduos, as fábricas poderão vender ou até mesmo distribuí-los gratuitamente, se livrando do ônus ambiental", sugere.
O resíduo precisa ser secado, moído e peneirado para ser utilizado como adubo orgânico. O material não pode ser lançado "in natura" no meio ambiente, onde levaria cerca de seis meses para se decompor e ainda provocaria mau cheiro.
A pesquisa "Avaliação de Resíduo Orgânico Industrial e Cinzas da Indústria de Laticínios Barbosa e Marques no Solo e no Desenvolvimento de Culturas Agrícolas e Pastagens" está sendo realizada desde 2006, mas ainda não foi totalmente concluída. Segundo o pesquisador, o estudo integra o "Grupo de Pesquisa Avaliação Agrícola de Resíduos Industriais", que, desde 2004, avalia a transformação de resíduos de celulose, rochas ornamentais, silicatos e ácido sulfúrico de baterias em adubos para a agricultura.
Na pesquisa com laticínios está concluída a fase de viabilização do uso, já aprovada pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam).
Agora, os pesquisadores avaliam a estabilização desse material juntamente com o de fibrilose de uma fábrica de papel da região. "Estamos juntando os dois e partindo para a decomposição microbiológica e a decomposição biológica via minhoca", explica Sylvio, contando que, nesta fase, os pesquisadores estudam que tipo de composto vai ser liberado pela minhoca (húmus), que fica em cativeiro e se alimenta apenas do resíduo oferecido.
O objetivo é saber se o húmus pode ser usado como substrato para o desenvolvimento das mudas. Nesta fase, esta sendo feita a adaptação da minhoca (espécie Vermelha da Califórnia) ao novo alimento, que são os resíduos de celulose e de laticínios.
As plantas adubadas com esse material também já estão sendo analisadas. "Antigamente as minhocas demoravam quatro meses para comer uma caixa de celulose e, hoje, elas não levam mais do que 30 dias", resume, revelando que esta é uma nova fase da pesquisa.
A Barbosa & Marques S/A, empresa fundada em 1915, segundo o diretor Luiz Fernando Esteves Martins, iniciou o tratamento de todos os efluentes líquidos gerados pela indústria em 2002. Em 2006, com os resultados positivos da pesquisa feita pela Univale - os estudos foram custeados pela empresa - a indústria passou a tratar também o resíduo sólido.
Como resultado deste tratamento são gerados cerca de 1.500 quilos de lodo (torta orgânica) por dia. Os agricultores cadastrados recebem a torta orgânica, gratuitamente. "Os produtores passaram a utilizar esse resíduo como adubo em suas propriedades, e os resultados são muito satisfatórios. É um adubo orgânico de alta qualidade. A partir desse trabalho nós temos um ciclo completo: adquirimos o leite, que gera resíduos e são transformados em torta orgânica que é usada como adubo", explica Martins.
Segundo o diretor, com a construção da ETE, que exigiu recursos da ordem de R$ 1 milhão, a água que a empresa devolve ao Córrego Figueirinha, como efluente, tem qualidade muito superior à água que recebe dele. "A sustentabilidade de qualquer processo industrial é considerado fator primordial para a atividade econômica. Não se pode pensar em ter atividade econômica que não seja sustentável", justifica Martins.
A Barbosa & Marques começou suas atividades em Carangola (MG) produzindo sabão. Em 1951,entrou no setor de laticínios com a instalação de fábrica de manteiga no Vale do Rio Doce. Em 1966 inaugurou a unidade de Governador Valadares, que hoje é administrada pela quarta geração do fundador da empresa, que continua produzindo sabão em Carangola e laticínios em Águas Formosas, no Vale do Jequitinhonha, e em Valadares, onde emprega 240 funcionários na fabricação de queijos, leite longa vida, requeijão, manteiga e creme de leite.