Entenda a Bioanálise do solo (BioAS) e como ela pode te ajudar
Leia sobre a bioanálise do solo e como ela pode ser muito útil para você.
Um solo pobre pode receber grandes quantidades de insumos para manter uma boa produtividade, porém, não é sustentável a longo prazo. O bom funcionamento do solo depende de aspectos físicos, químicos e biológicos, sendo a parte biológica, composta por microrganismos (cerca de 70%), raízes e fauna, componente fundamental que interfere em todos os aspectos.
Um grama de solo possui, em média, aproximadamente um bilhão de bactérias e 100 mil fungos, apresentando entre 2.000 e 8 milhões de espécies diferentes, o que resulta em uma complexidade de processos diferentes ocorrendo de forma simultânea. Ainda assim, a parte biológica do solo é a menos explorada e menos conhecida do solo.
Na agricultura, a adoção de sistemas de manejo conservacionistas (como o plantio direto ou a integração lavoura-pecuária) mostrou que o aumento de produtividade e a maior resistência a situações ambientais adversas nem sempre são explicados por análises químicas de solo. Solos quimicamente semelhantes podem ter grandes diferenças de produtividade, sendo necessária análises biológicas de solo para obter essas respostas.
Quando bem manejados, os processos biológicos do solo podem reverter processos de degradação por conta do uso do solo. Um solo biologicamente ativo é mais produtivo, pode armazenar água, sequestrar carbono e degradar os contaminantes, possui maior produtividade, é menos exigente em adubação mineral para manter a produtividade, além de manter a produtividade mesmo em situações ambientais adversas, o que já foi evidenciado em estudo conduzido na fundação MT.
Nesse estudo foram avaliados oito sistemas de cultivos, para produção de soja, incluindo o monocultivo, sucessão e rotação de culturas. Durante 6 ciclos, os tratamentos não tiveram diferenças significativas, porém, no sétimo ciclo, um veranico evidenciou o declínio do monocultivo. O tratamento com soja/pousio obteve uma produtividade de 29 sc/ha, enquanto que o tratamento soja/braquiária teve uma produtividade de 59 sc/ha. Esses 2 tratamentos tinham solos com características químicas muito semelhantes, com exceção da Matéria Orgânica do Solo (MOS), cujo teor no tratamento soja/braquiária era 50% maior do que no tratamento soja/pousio, evidenciando que apenas os teores de nutrientes no solo não é suficiente para explicar a saúde do solo e sua produtividade.
Bioanálise de solo
A bioanálise do solo serve para medir os grupos de organismos biológicos benéficos do solo, que não são medidos através de análises de solo convencionais. Estes organismos, junto com outros elementos, influenciam bastante no potencial produtivo e sustentabilidade do solo.
A BioAS (Tecnologia Embrapa de Bioanálise do Solo), lançada em julho de 2020, agrega parâmetros biológicos do solo com as análises químicas tradicionais. As tabelas de interpretação foram elaboradas a partir da avaliação de duas enzimas presentes no solo: a arilsulfatase e a β-glicosidase, associadas aos ciclos do enxofre e do carbono.
Ocorre que a atividade enzimática de um solo é o somatório das atividades das enzimas dos organismos vivos e de gerações passadas dos organismos que estiveram presentes no solo. Enzimas abiônticas estão associadas à fração não-viva, e se acumulam no solo ao longo do tempo, pois o solo estabiliza e protege estas enzimas, que nada mais são do que moléculas orgânicas. Além disso, as enzimas, sendo mais sensíveis que a matéria orgânica do solo, detectam com antecedência alterações no solo que podem melhorar ou piorar sua saúde, em função do seu uso e manejo. Isso proporciona ao produtor a oportunidade de revisar o sistema de manejo a tempo de evitar, a médio e longo prazo, redução da matéria orgânica e perda de produtividade.
As enzimas arilsulfatase e a β-glicosidase possuem estreita relação com a matéria orgânica do solo e com o rendimento de grãos. Além disso, essas enzimas não são influenciadas pela aplicação de adubos e calcário, e se correlacionam com vários outros atributos biológicos. Como essas enzimas não se associam apenas aos componentes vivos, podendo ser adsorvidas em partículas de argila ou na matéria orgânica, servem como uma "impressão digital" do sistema de manejo daquele solo, permitindo observar uma espécie de "memória do solo". Por esses motivos, a Embrapa recomenda o uso dessas enzimas na bioanálise de solo.
A bioanálise de solo (BioAS) permite ao produtor monitorar a saúde do solo, sabendo o que avaliar, como avaliar, quando avaliar e como interpretar a análise (através de valores de referência para cada tipo de solo, determinando se a atividade enzimática é baixa, média ou adequada). A bioanálise pode ser usada para informar ao produtor que o seu sistema de manejo está degradando o solo, para auxiliar a tomada de decisão sobre diferentes sistemas de manejo / práticas, ou para evidenciar os resultados das práticas conservacionistas durante a produção agrícola.
Na prática, a BioAS serve para incentivar os produtores que já estão usando sistemas de manejo conservacionistas ou para alertar os produtores que usam sistemas de produção que degradam o solo. Ignorar a parte biológica do solo, mais cedo ou mais tarde irá resultar em perdas expressivas de produtividade. Já para os produtores que usam sistemas de manejo conservacionistas, a bioanálise pode estimular a prática, visto que muitas vezes os benefícios destas práticas demoram a ser observados.
Como a BioAS é fundamentada em procedimentos analíticos simples, não sendo necessários altos investimentos em equipamentos, pode ser facilmente implementada nas rotinas dos laboratórios comerciais. Esta ferramenta é fundamental para fornecer dados para atestar o crescimento agrícola de forma sustentável.
A BioAs está disponível no mercado em duas versões:
- BioAS Básica: os dados enzimáticos são combinadas com informações da amostra e textura do solo, formando uma interpretação da saúde biológica do solo;
- BioAS Completa: os dados enzimáticos são combinados com informações da amostra, dados químicos e textura, fornecendo resultados das condições do solo quanto à ciclagem, armazenagem, suprimento de nutrientes, Índices de Qualidade biológica e química e o Índice de Qualidade FertBio, descrito abaixo.
IQS - Índice de qualidade do solo
Foi criado também o índice IQSFERTBIO para analisar a qualidade do solo, baseado nas características químicas e nos teores das enzimas arilsulfatase e β-glicosidase. O índice integra os resultados da BioAS e da fertilidade do solo, gerando uma nota de 0 a 1 que expressa a saúde e qualidade do solo, sendo o valor mais próximo de 1 representando o melhor desempenho das funções do solo.
As funções são divididas em F1, F2 e F3:
Os resultados da amostra são apresentados também em cores, conforme a nota (de 0 a 1).
Muito alto | Índice entre 0,8 e 1: sistemas de produção e/ou práticas adequadas de manejo |
Alto | Índice entre 0,6 e 0,8: sistemas de produção e/ou práticas adequadas de manejo |
Médio | Índice entre 0,4 e 0,6: provavelmente os sistemas de produção e/ou práticas de manejo precisam ser melhoradas. Necessário avaliação criteriosa |
Baixo | Índice entre 0,2 e 0,4: sistemas de produção e/ou práticas de manejo inadequadas |
Muito baixo | Índice entre 0 e 0,2: sistemas de produção e/ou práticas de manejo inadequadas |
O IQSFERTBIO pode ser decomposto nos subíndices índice de qualidade química (IQSquímico) e índice de qualidade biológica (IQSbiológico). Esse índice vem demonstrando como diversos solos possuem IQSquímico alto mesmo não tendo um IQSbiológico satisfatório.
Com base na bioanálise, é possível também observar se o solo está saudável, adoecendo, doente ou em recuperação. Observe a tabela abaixo:
Situação | Enzimas (Ciclagem) | Matéria orgânica (armazenamento) |
1 - Solo saudável | Alta | Alta |
2 - Solo adoecendo | Baixa | Alta |
3 - Solo doente | Baixa | Baixa |
4 - Solo em recuperação | Alta | Baixa |
Como fazer a amostra para a Bioanálise do solo?
A amostragem para a BioAS é semelhante à amostragem usada para análises químicas. A camada diagnosticada para a BioAs é a profundidade de 0 a 10 cm. Para a aplicação da BioAS Completa, deve-se analisar uma segunda amostra de solo, obtida em camada mais profunda, normalmente de 0 cm a 20 cm. Em latossolos, as amostras podem ser coletadas no fim da época de chuvas, após a colheita, junto com a amostragem para a parte química.
Para as áreas de cultivos anuais, pode-se usar uma espécie de régua de madeira, marcada no centro e com outras duas ou três marcas equidistantes para cada lado, com as distâncias entre elas variando conforme a cultura e espaçamento. A marca central deve coincidir com o ponto de coleta no centro da linha, e as outras devem cobrir até metade do espaçamento da entrelinha. Cada conjunto de amostras (linha e entrelinha) é um ponto de amostragem. O número de pontos de amostragem deve representar o tamanho da área amostrada.
As amostras devem ser enviadas o quanto antes para análise. Caso ocorra alguma demora, as amostras devem ser guardadas em local seco e arejado, sem exposição direta ao sol.
Vale destacar que a bioanálise atualmente é calibrada para análises do solo em cultivos anuais de grãos e fibras no bioma Cerrado e no estado do Paraná. A ferramenta está sendo ajustada para cultivos como cana-de-açúcar, pastagens, café e eucalipto, mas ainda não está disponível oficialmente para essas culturas. Apesar disso, produtores que não se enquadram nesses grupos também têm feito bioanálises do solo, pois apesar da ferramenta não estar 100% calibrada para outras culturas, os dados fornecem uma ideia da saúde biológica do solo na propriedade.
Quais laboratórios realizam a Bioanálise do solo (BioAS)?
A Embrapa possui em seu site uma lista de laboratórios habilitados para realizar a Bioanálise do solo. Para verificar quais laboratórios realizam a bioanálise, clique aqui!
Anderson Wolf Machado - Engenheiro Agrônomo
Referências:
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MENDES, I. C.; ONO, F. B.; OLIVEIRA, M. I.; SILVA, R. G.; KAPPES, C.; REIS JUNIOR, F. B.; ZANCANARO, L. Rotação de culturas, bioindicadores e saúde do solo. In: SILVA, P. A. da; OLIVEIRA, L. C. de (Org.). Boletim de Pesquisa 2019/2020. 19.ed. Rondonópolis: Fundação MT, 2020. p. 102-110.
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NICOLODI, M.; GIANELLO, C.; ANGHINONI, I.; MARRÉ, J.; MIELNICZUK, J. Insufi ciência do conceito mineralista para expressar a fertilidade do solo percebida pelas plantas cultivadas no sistema plantio direto. Revista Brasileira Ciência do Solo, v. 32, p. 2735-41, 2008. DOI: https://doi.org/10.1590/S0100- 06832008000700017