Fertilizantes feitos a partir de lodo de esgoto: valem a pena? Quais as vantagens?
Leia sobre o uso do lodo de esgoto compostado como fertilizante na agricultura.
Material elaborado com participação dos especialistas Dr. Thiago Assis Rodrigues Nogueira (FCAV/UNESP), Dr. Fernando Carvalho Oliveira (Tera Ambiental Ltda) e Dr. Cassio Hamilton Abreu-Junior (CENA/USP). Nossos agradecimentos!
Cerca de 61% da população brasileira reside em áreas urbanas (IBGE), gerando constantemente grandes quantidades de dejetos, que em partes é coletado pelo sistema de esgoto. A disposição final do lodo de esgoto é um dos principais problemas ambientais urbanos. Os aterros sanitários são responsáveis por cerca de um terço das emissões de metano, gás que contribui para as mudanças climáticas. Esse esgoto, após tratamento, possui boas propriedades nutricionais, e pode ser reaproveitado no cultivo agrícola ao invés de ser descartado em aterros, sendo uma prática ambiental e economicamente viável.
Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), o uso seguro de lodo de esgoto na produção agrícola beneficia a sociedade por meio do aumento do cultivo de alimentos e da conservação dos recursos naturais.
Existe uma alta presença de bactérias cultivadas no tratamento do esgoto, e assim, a composição do lodo de esgoto possui entre 60 e 75% de matéria orgânica (em base seca). Já na fração mineral ocorrem partículas de areia, argila, silte e elementos químicos, como nutrientes e metais pesados.
O uso desse lodo de esgoto compostado como fertilizante em cultivos agrícolas se torna viável por conta do baixo custo do material e do seu descarte, e possui capacidade de adicionar matéria orgânica e nutrientes ao solo, como nitrogênio, fósforo e alguns micronutrientes, além da capacidade de condicionar o solo. Além disso, elimina-se a necessidade de descartar o material em aterros, e previne a contaminação e degradação de corpos hídricos. Assim, o uso de lodo de esgoto se torna uma prática ambientalmente sustentável e economicamente viável, tendo o seu uso milenar em alguns países da Ásia, como a China.
Os fertilizantes feitos a partir de lodo de esgoto, além de aumentarem a produtividade na lavoura, podem substituir parcialmente a adubação mineral, representando uma boa economia na produção agrícola. Conforme o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (2023), cerca de 87% dos fertilizantes consumidos no Brasil são importados, evidenciando uma dependência externa, e ficando a agricultura a mercê de oscilações do câmbio, que muitas vezes trazem dificuldades, como o desabastecimento e/ou aumento dos custos de produção, o que reflete diretamente no preço dos produtos agrícolas. Neste cenário, o uso do lodo de esgoto tratado é uma importante ferramenta para diminuir o impacto ambiental ao mesmo tempo que aumenta a rentabilidade na produção agrícola.
Apesar dos diversos benefícios que iremos ler abaixo, o uso do lodo de esgoto ainda não é difundido. Diversas empresas que atuam no tratamento desses resíduos não estão inseridas no agronegócio, e soma-se a isso o fato de que o envio do lodo para aterros sanitários possui logística simples e de baixo custo, sendo também pouco questionada. Também ocorre um desconhecimento e/ou preconceito sobre estes produtos devido à sua origem. Além disso, atualmente, um dos problemas é o apelo comercial das empresas de fertilizantes minerais que lideram o mercado agro no Brasil. Conforme iremos ler abaixo, os produtos feitos com lodo de esgoto são seguros para uso, registrados no MAPA e possuem benefícios comprovados.
Diferença entre esgoto, lodo de esgoto, biossólido e lodo de esgoto compostado
Lodo de esgoto não é esgoto, mas sim, composto pelos microrganismos que se alimentaram da matéria orgânica do esgoto, é o resíduo produzido nas estações de tratamento de efluentes. Biossólido é o resíduo que passou por algum tipo de tratamento (ex.: lodo caleado, ou seja, que recebeu tratamento com cal virgem para eliminação de agentes patogênicos), e pode ser usado em cultivos de plantas não destinadas ao consumo humano, como por exemplo eucalipto. Vale ressaltar que o uso do biossólido deve estar de acordo com a legislação, alguns estados brasileiros possuem uma legislação muito mais restritiva para o uso desse produto.
Já o composto de lodo de esgoto é o lodo de esgoto que passou por compostagem e que pode atender às normas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e ser comercializado como um produto fertilizante orgânico sem restrições, como por exemplo o produto da Tera Nutrição Vegetal.
É seguro usar lodo de esgoto como fertilizante?
O lodo de esgoto sem tratamento pode conter organismos patogênicos e metais pesados, mas existem critérios e procedimentos feitos por empresas para o uso seguro desse material, bem como métodos de tratamento para reduzir estes elementos indesejados a níveis aceitáveis que não causam problemas.
A compostagem é bastante utilizada para reduzir os metais pesados e organismos patogênicos bem como estabilizar a matéria orgânica no lodo de esgoto, formando o composto de lodo de esgoto.
Durante a compostagem, ocorre a redução de massa e volume por meio da atividade microbiana, perda de umidade e higienização do produto. Além disso, os microrganismos patogênicos ao homem também são eliminados. A compostagem industrial é passível de licenciamento ambiental, e todos os resíduos utilizados no processo devem ser obrigatoriamente pré-autorizados.
Assim, o lodo de esgoto compostado é considerado um produto seguro para uso na agricultura pois atende as normas brasileiras que definem limites máximos destes elementos indesejados. Esses produtos são reconhecidos pelo ministério da agricultura e não contaminam os alimentos, desde que usado conforme os critérios técnicos e legislação. Assim, ao comprar de uma empresa legalmente registrada, podemos confiar na segurança do produto.
Substâncias inorgânicas | Concentração máxima permitida no lodo de esgoto ou produto derivado (mg/kg, base seca) |
Arsênio | 41 |
Bário | 1300 |
Cádmio | 39 |
Chumbo | 300 |
Cobre | 1500 |
Crômio | 1000 |
Mercúrio | 17 |
Molibdênio | 50 |
Níquel | 420 |
Selênio | 100 |
Zinco | 2800 |
Existem alguns mitos sobre o lodo de esgoto, como por exemplo que cheiram mal ou são feitos com dejetos humanos. O tratamento do esgoto transforma a carga orgânica do esgoto em biomassa, sendo composto por células de microrganismos, e não por dejetos humanos. Além disso, esses produtos não possuem cheiro ruim nem atraem vetores de doenças quando devidamente processados.
Quanto ao biossólido, trata-se do lodo de esgoto que recebeu algum tratamento para reduzir a atração de vetores ou a densidade de patógenos. Este material não é registrado no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) como produto de uso seguro na agricultura.
Composição do lodo de esgoto compostado
O valor agronômico do lodo de esgoto compostado é definido pelo conteúdo de carbono orgânico, nutrientes, CTC, capacidade de retenção de água, substâncias húmicas e fúlvicas e diversidade microbiológica.
Na tabela abaixo, temos a composição de um lote de fertilizante obtido pela compostagem de lodo de esgoto e outros resíduos orgânicos. Vale lembrar que a composição dos produtos variam entre si conforme a sua origem, época do ano, processo de tratamento e outros fatores. Essa variação química e do teor de umidade dificulta a padronização de doses recomendadas.
pH (CaCl2 mol/L) | 7,3 |
Umidade (%) | 31,5 |
Carbono-total (%) | 14,3 |
N-total (%) | 1,4 |
P2O5 total (%) | 2,6 |
K2O total (%) | 0,9 |
Ca total (%) | 5,8 |
Mg total (%) | 1,4 |
S-total | 1,0 |
C/N | 10 |
B-total (mg/kg) | 21 |
Cu total (mg/kg) | 275 |
Mo total (mg/kg) | 8,2 |
Zn total (mg/kg) | 791 |
CTC (mmolc/kg) | 870 |
Capacidade de retenção de água (%) | 72 |
De forma geral, um lodo de esgoto típico possui cerca de 40% de matéria orgânica, 4% de nitrogênio, 2 de fósforo, além de demais macro e micronutrientes (zinco, ferro, cobre, manganês e molibdênio). Vale destacar que os lodos são pobres em potássio, sendo necessário adicionar esse elemento com outros produtos.
Uso do lodo de esgoto compostado na agricultura
Os fertilizantes feitos a partir de lodo de esgoto podem substituir parcialmente a adubação mineral, gerando uma boa economia no gasto de fertilizantes, pois o lodo de esgoto libera alguns nutrientes (N, P, Mn, Cu, Fe e Zn) de forma lenta e gradual, o que proporciona um aproveitamento mais uniforme por parte da planta. No caso do fósforo, as cargas negativas da matéria orgânica concorrem com o ânion fosfato pelos sítios de adsorção, resultando em mais fósforo disponível no solo para as plantas. Estudos apontam que o lodo de esgoto pode substituir mais da metade do uso de fertilizantes fosfatados.
Alguns estudos apontam também que esse material pode favorecer a nodulação em leguminosas, pois alguns dos seus componentes são essenciais para a atividade das bactérias fixadoras de nitrogênio.
Além disso, o lodo possui efeito condicionador do solo, pois melhora a formação de agregados, o que resulta em melhor aeração, infiltração e retenção de água no solo. Na parte química, além do aumento da fertilidade, ocorre aumento do pH, diminuição do teor de alumínio trocável e aumento da CTC. Ocorre também aumento da atividade microbiana do solo, fundamental para a ciclagem de nutrientes.
Diversas pesquisas concluíram que esse produto aumentou a produtividade agrícola ou manteve pelo menos igual ao proporcionado por fertilizantes convencionais. O aumento de produtividade ocorre devido ao acréscimo de matéria orgânica, fornecimento de nutrientes, e também é capaz de aumentar o aproveitamento dos nutrientes (sendo o fósforo um bom exemplo), reduzindo a perda destes no solo. Alguns testes a campo já mostraram o aumento de produtividade com a aplicação desses produtos, mesmo com a redução de 50% da dose de fertilizantes minerais. Esta economia pode mudar um cenário de prejuízo para o lucro em uma produção agrícola.
O uso do biossólido é bastante aceito em áreas florestais devido ao alto teor de matéria orgânica e nutrientes. Uma opção interessante a ser avaliada também é o uso como substrato para produção de mudas de espécies florestais nativas. Ocorre que a produção de mudas é feita em recipientes pequenos, com substratos propensos à lixiviação, exigindo adubações frequentes. Alguns estudos observaram maior crescimento e nutrição de mudas com lodo de esgoto quando comparado ao substrato comercial convencional.
Estudo feito na soja evidenciou o efeito residual do composto de lodo de esgoto no segundo cultivo, e o fertilizante orgânico foi, em média, 18% mais eficiente do que os fertilizantes minerais como fonte de nutrientes. O efeito residual de aplicações sucessivas se observa principalmente nos teores de N, P, Cu, Mn e Zn, além de atributos como CTC, pH e saturação por bases.
Vale ressaltar que não devem ser usadas doses excessivas de composto de lodo de esgoto, devendo sempre seguir a recomendação técnica para a aplicação. O uso de doses excessivas pode resultar no deslocamento de nutrientes não aproveitados pelas plantas e não retidos no solo em direção aos corpos hídricos, causando poluição ambiental.
O composto de lodo de esgoto é rico em nitrogênio orgânico, assim, as doses são limitadas devido à geração de nitrato, que pode ser lixiviado ou outras formas gasosas (amônia) podem ser perdidas para a atmosfera. A quantidade aplicada deve ser tal que a quantidade de amônio ou nitrato não exceda àquela que será consumida pela planta. Em um estudo feito em cana-planta, se observou a possibilidade de reduzir o uso de fertilizantes nitrogenados em 100%, e dos fosfatados em 30%, e ainda aumentar a produtividade de colmos em 22%.
Assim, a fração de mineralização do nitrogênio pode ser usada como critério para definir a dose máxima a ser aplicada conforme o solo, clima e cultura. Claro, outros fatores também podem ser limitantes, como elevados teores de fósforo, ou presença de elementos indesejados.
Aplicações de produtos de lodo de esgoto em culturas
Quanto aos produtos feitos a partir de lodo de esgoto, testes a campo apontam algumas doses médias que proporcionam benefícios mantendo a viabilidade econômica. Geralmente, uma dose média de 5 t/ha (base úmida) proporciona bons resultados. Em viveiro de cana-de-açúcar, a dose de 2,5 t/ha (base úmida) chegou a proporcionar resultados semelhantes à adubação mineral.
No caso de culturas de grãos (soja, arroz, milho, feijão e trigo), as respostas foram crescentes até a dose de 12,5 t/ha (base úmida). Claro, em cada caso deve-se avaliar a viabilidade de transporte (custo do frete) e aplicação de tais produtos.
Referências:
Afáz, D. C. de S. et al. Composto de lodo de esgoto para o cultivo inicial de eucalipto. Revista Ambiente & Água [online]. 2017, v. 12, n. 1 [Acessado 7 Maio 2024], pp. 112-123. Disponível em: <https://doi.org/10.4136/ambi-agua.1965>. Epub Jan-Feb 2017. ISSN 1980-993X. https://doi.org/10.4136/ambi-agua.1965.
ASSENHEIMER, A. Benefícios do uso de biossólidos como substratos na produção de mudas de espécies florestais. Ambiência, Guarapuava, v. 5, n. 2, p. 321-330, maio/ago. 2009.
BOEIRA, R. C. Uso de lodo de esgoto como fertilizante orgânico: disponibilização de nitrogênio em solo tropical. Jaguariúna: Embrapa Meio Ambiente, 2004. 3 p. (Embrapa Meio Ambiente. Comunicado Técnico, 12).
COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARANÁ - SANEPAR. Uso e manejo do lodo de esgoto na agricultura. Curitiba: SANEPAR, 1999. 98 p
Conselho aprova Plano Nacional de Fertilizantes com metas para superar dependência externa. (2023, novembro 29). Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/noticias/2023/novembro/conselho-aprova-plano-nacional-de-fertilizantes-com-metas-para-superar-dependencia-externa
D’avila, J. V., Chaves, M. C. C., Santos, F. S., Peres, A. A. C. (2019). Análise da viabilidade econômico-financeira de sistemas de disposição final de lodo de esgoto. Rev. Agro. Amb. 12, 541–555. doi: 10.17765/2176-9168.2019v12n2p541-555
FLORENTINO, A. L. Fertilidade do solo, nutrição mineral, produtividade e metais pesados em plantações de eucalipto com efeito residual de lodo de esgoto. Orientador: Prof. Dr. Cassio Hamilton Abreu Junior. 2016. Dissertação de mestrado (Mestre em Ciências) - Centro de Energia Nuclear na Agricultura - Universidade de São Paulo, Piracicaba, SP, 2016.
FRANCO, A. Aplicação de lodo de esgoto em cana-planta como fonte de nitrogênio e fósforo e seu impacto ambiental. Orientador: Prof. Dr. Cassio Hamilton Abreu Junior. 2009. Tese de doutorado (Doutor em Ciências) - Centro de Energia Nuclear na Agricultura - Universidade de São Paulo, Piracicaba, SP, 2009.
Hargreaves, J. C., Adl, M. S., Warman, P. R. (2008). A review of the use of composted municipal solid waste in agriculture. Agric. Ecosyst. Environ. 123, 1–14. doi: 10.1016/j.agee.2007.07.004
LEMAINSKI, J.; SILVA, J. E. Avaliação agronômica e econômica da aplicação de biossólido na produção de soja. Pesquisa agropecuária brasileira, Brasília, v.41, n. 10, p.1477-1484, 2006.
Martins, S. F., Esperancini, M. S. T., Quintana, N. R. G., Barbosa, F. S. (2021). Análise econômica da produção de lodo de esgoto compostado para fins agrícolas na estação de tratamento de esgoto de Botucatu-SP. Energ. Agric. 36, 218–229. doi: 10.17224/EnergAgric.2021v36n2p218-229
OLIVEIRA. G. S. De ; JALAL. A. ; PRATES, A. R. ; TEIXEIRA FILHO, M. C. M. ; ALVES, R. S. ; SILVA, L. C. ; NASCIMENTO, R. E. N. Do ; SILVA, P. S. T. ; ARF, O. ; GALINDO, F. S. ; OLIVEIRA, F. C. ; ABREU-JUNIOR, C. H. ; JANI, A. D. ; CAPRA, G. F. ; NOGUEIRA, T. A. R. . Common Bean Productivity and Micronutrients in the Soil-Plant System under Residual Applications of Composted Sewage Sludge. PLANTS, v. 12, p. 2153, 2023.
Prates, A. R., Kawakami, K. C., Coscione, A. R., Teixeira Filho, M. C. M., Arf, O., Abreu-Junior, C. H., et al. (2022). Composted sewage sludge sustains high maize productivity on an infertile Oxisol in the Brazilian Cerrado. Land 11, 1–13. doi: 10.3390/land11081246
Scheer, M. B., Carneiro, C., Santos, K. G. dos. CRESCIMENTO DE MUDAS DE Prunus brasiliensis (Cham. & Schltdl.) D. Dietr. EM SUBSTRATOS À BASE DE LODO DE ESGOTO COMPOSTADO E FERTILIZANTE MINERAL. Ciência Florestal [online]. 2012, v. 22, n. 4 [Acessado 7 Maio 2024], pp. 739-747. Disponível em: <https://doi.org/10.5902/198050987555>. ISSN 1980-5098. https://doi.org/10.5902/198050987555.
SILVA, M. B. Da ; CAMARGOS, L. S. De ; TEIXEIRA FILHO, M. C. M. ; SOUZA, L. A. ; COSCIONE, A. R.; LAVRES, J.; ABREU-JUNIOR, C. H. ; HE, Z.; ZHAO, F.; JANI, A. D.; CAPRA, G. F.; NOGUEIRA, T. A. R. Residual effects of composted sewage sludge on nitrogen cycling and plant metabolism in a no-till common bean-palisade grass-soybean rotation. Frontiers in Plant Science, v. 14, p. 1-21, 2023.