Como manejar o trigo de duplo propósito?
Leia tudo sobre o trigo de duplo propósito.
Diversas áreas de pecuária estão sujeitas à falta de pastagem para o gado no inverno. Já em áreas cultivadas sob sistema de plantio direto, no mesmo período, há disponibilidade de forragem como azevém ou aveia preta. Estas plantas podem ser usadas como alimento para o gado durante o inverno, intensificando a integração lavoura-pecuária. Porém, o uso contínuo de aveia preta nas mesmas áreas aumenta a presença de doenças comuns à cultura, prejudicando o sistema de produção.
A Embrapa Trigo, desde a década de 1970, vem estudando cereais de inverno, principalmente o trigo, para uso como forragem e produção de grãos. A cultura pode ser sobressemeada em pastagem natural ou gramíneas perenes de estação quente durante o outono, pastejada uma ou duas vezes e ainda produzir grãos que, no mínimo, podem servir para compor rações. Forragens anuais de inverno além de melhorar a distribuição de forragem, melhoram também o valor nutritivo da dieta.
Nas regiões produtoras no sul do Brasil, tem sido observado que o trigo de duplo propósito produz um rendimento de grãos similar ou até mais elevado do que o não pastejado, por conta de fatores como elevado afilhamento, renovação da área foliar e redução do porte da planta, o que permite maior contribuição fotossintética para o desenvolvimento da planta.
Cultivares desenvolvidas para o duplo-propósito podem ser semeadas antes do período indicado para cultivares para produção de grãos, cobrindo o solo mais cedo e ofertando boa quantidade de forragem.
Vantagens e desvantagens do trigo de duplo propósito
Vantagens
- Cobertura antecipada do solo, proporcionando proteção contra erosão, degradação da matéria orgânica e plantas daninhas
- Melhor perfilhamento do que as variedades para grãos
- Resistência ao pisoteio e arranquio de plantas pelos animais
- Rebrote vigoroso
- Maior produção de grãos do que aveia preta
- Maior renda por área com a produção animal e colheita de grãos
Desvantagens
- Manejo mais complexo
- Necessidade de mão-de-obra treinada
- Maior quantidade necessária de sementes e adubos nitrogenados
Adubação e calagem para o trigo de duplo propósito
A adubação e calagem para o trigo de duplo propósito é a mesma indicada para o trigo em manejo convencional, com exceção do nitrogênio. No caso do nitrogênio, é aplicado 20 kg de N/ha na semeadura, e parcelar o resto em uma, duas ou mais aplicações (dependendo da dose), no perfilhamento e após cada pastoreio. A dose irá depender do teor de matéria orgânica no solo.
- Teor de matéria orgânica acima de 5%: não aplicar nitrogênio na semeadura;
- Teor de matéria orgânica entre 2,6% e 5%: aplicar 40 a 100 kg de N/há, sendo a dose restante parcelada em quantidades iguais no perfilhamento e após cada pastoreio;
- Teor de matéria orgânica abaixo de 2,5%: aumentar a dose total para 100 a 150 kg de N/há.
Época de semeadura do trigo de duplo propósito
O trigo de duplo propósito pode ser semeado no outono, antes da época preferencial de semeadura de cada região, e antes da época indicada para cultivares de ciclo precoce. É indicado antecipar a semeadura em aproximadamente 20 dias antes para cultivares semitardidas, ou 40 dias para cultivares tardias. Além disso, essas cultivares possuem um longo período de duração entre a semeadura e o espigamento, e curto período de duração entre o espigamento e a maturação, reduzindo o risco de geadas no período crítico do espigamento à antese. Assim, o trigo, em algumas regiões, pode ser pastejado em um período que pode durar mais de 60 dias, entre o final de maio e início de agosto.
Densidade de sementes do trigo de duplo propósito
A densidade de semeadura para os cereais de inverno de duplo propósito, como o centeio, cevada, trigo e aveia branca, é de 300 a 400 sementes viáveis por metro quadrado. Já para o triticale, devido ao menor afilhamento, indica-se 420 a 500 sementes viáveis por metro quadrado. O espaçamento entre linhas não deve ser maior do que 20 centímetros, e a profundidade de semeadura deve ser de 2 a 5 cm, a depender da textura e umidade do solo.
Insetos, pragas e doenças no trigo de duplo propósito
Ao serem pastejados, os cereais de inverno de duplo propósito podem precisar de apenas uma aplicação de fungicida, visto que ocorre uma renovação foliar, que pode não ter incidência de patógenos. Não é recomendada a aplicação preventiva com fungicidas e inseticidas. Nos demais casos, deve-se seguir o mesmo controle que o trigo em semeadura convencional.
Manejo para o pastejo de trigo e demais cereais de inverno de duplo propósito
Três critérios devem ser observados para o uso do trigo de duplo propósito no corte mecânico ou pastejo.
- Altura das plantas - o trigo, bem como outros cereais de inverno cultivados para duplo propósito, deve ser pastejado quando as plantas possuírem entre 25 cm a 35 cm de estatura, durante a fase vegetativa. O segundo corte ou pastejo pode ocorrer após 30 dias, quando as plantas tiverem com o mesmo porte.
- Biomassa disponível - a quantidade de matéria seca deve ser de 1,0 t a 1,5 t por hectare para serem pastejados ou cortados. Para calcular o valor, a matéria verde deve ser colhida em uma área determinada e posteriormente pesada. Após, retira-se uma subamostra, que deve ser seca ao sol ou em estufa a 60ºC para se determinar a matéria seca e estimativa do valor nutritivo. A matéria seca na fase vegetativa deve ser de 12 a 18%. O pastejo é feito quando houver entre 0,7 a 1,0 kg de pasto verde por metro quadrado, quando cortado a aproximadamente 7,0 cm da superfície do solo. A altura de corte / pastejo dos animais deve ser de 5 a 10 cm acima da superfície do solo.
- Cronológico ou temporal - o cereal pode ser utilizado após 35 a 70 dias após a emergência, a depender da cultivar e ambiente.
Se a espiga / panícula principal ou perfilhos são cortados mas o colmo da planta não ficar vazio / oco, a planta irá se recuperar e se desenvolver novamente. Os animais não devem pastejar em dias úmidos.
Quando for realizado apenas um pastejo, este pode ser feito entre 42 e 56 dias após a emergência. Se for feito um segundo pastejo, deve ser feito após cerca de 28 dias após o primeiro. Porém, poderá ocorrer um aumento no rendimento da matéria seca e uma redução de 20% no rendimento de grãos. Alguns estudos apontam que o limite para a retirada do gado da pastagem é na formação do primeiro nó visível, pois, após isso, o rendimento de grãos começa a cair significativamente.
Para que o trigo tenha uma boa capacidade de rebrote, o nitrogênio é o nutriente mais importante. O valor nutritivo do trigo de duplo propósito é de mais de 20% de proteína bruta, com a digestibilidade da matéria seca de quase 70%. Já a silagem, feita com cereais de inverno da planta inteira, colhida em estádio de grão com massa firme, possui aproximadamente 8% a 11% de proteína bruta e 58% a 64% de digestibilidade.
Diferenças entre o trigo cultivado para grãos e trigo para duplo propósito
- Uso de cultivares específicas para este propósito;
- Semeadura feita antes (20 a 40 dias da época indicada, a depender do ciclo da cultura);
- Semeadura de 20% a mais de sementes (350 a 400 sementes aptas / há);
- Animais devem ir para o pasto quando as plantas tiverem 25 cm ou mais de altura, e devem ser retirados com a resteva entre 5 a 10 cm da superfície do solo;
- Uso de sistema de pastoreio rotacionado, visando melhor eficiência de pastejo e controle do resíduo;
- Aplicação de 30 kg de N/ha após cada pastejo, repondo o nitrogênio consumido pelos animais;
- Retirada dos animais no primeiro nó visível na planta.
Anderson Wolf Machado - Engenheiro Agrônomo
Referências:
BORÉM, A.; SCHEEREN, P. L. Trigo: do Plantio à Colheita. [S. l.]: Universidade Federal de Viçosa, 2015.
PIRES, J. L. F.; VARGAS, L.; CUNHA, G. R. da. Trigo no Brasil: bases para produção competitiva e sustentável. [S. l.: s. n.], 2011.