CI

Novo texto da OMC não reduz conflito



Documento de Pérez del Castillo, para Cancún, desagrada a países em desenvolvimento. O novo texto que servirá de base para as negociações entre os 146 membros da Organização Mundial de Comércio (OMC), em Cancún, nos dias 10 a 14 de setembro, elaborado pelo embaixador Carlos Pérez del Castillo, presidente do Conselho Geral da entidade, "ignorou o acordo histórico entre os 17 países em desenvolvimento (G-17) liderados por Brasil, Índia e China". A opinião é de Pedro de Camargo Neto, consultor da Sociedade Rural Brasileira (SRB) e membro da Câmara Temática de Negociações Internacionais do Ministério da Agricultura. Em sua avaliação, o texto de Pérez del Castillo, divulgado na noite de domingo, "é muito parecido" ao do acordo entre os Estados Unidos e a União Européia (UE), que foi criticado pelos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil. "Houve um certo desapontamento", disse a este jornal uma fonte do Itamaraty, informando que nos próximos dias a missão diplomática do Brasil em Genebra "discutirá opções" com o Grupo de Cairns e o G-17 para definir o curso de uma ação coletiva" em relação ao novo documento. A avaliação do Itamaraty é que "não houve um aperfeiçoamento, e que o novo texto é parecido com o que foi apresentado pelos EUA e a UE". O documento do uruguaio Pérez del Castillo, apoiado pelo diretor geral da OMC, Supachai Panitchpakdi, não contém números e prazos, da mesma forma que o dos EUA/UE, não se compromete com a eliminação de subsídios à exportação e "fala de modo genérico na redução de apoio interno", diz Camargo Neto. "A única coisa que fez de bom foi tirar ‘o bode da sala’ que era aquela horrorosa classificação de país em desenvolvimento exportador líquido de alimentos", que seria bastante prejudicial ao Brasil, país que tem saldo exportador positivo e se destaca pela competitividade no setor do agronegócio. Na visão do consultor da SRB, "a aliança entre países em desenvolvimento é muito nova. Pegou de surpresa os EUA e a UE. Mas é preciso insistir e dar um tempo para as organizações não-governamentais (ONGs) e a opinião pública norte-americana e européia pressionarem seus governos", afirmou. Segundo o levantamento efetuado pelo Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), a respeito da importância relativa dos 17 países em desenvolvimento que assinaram a proposta apresentada no Comitê de Negociações Comerciais da OMC, o grupo representa 12% do PIB mundial, 18,5% do PIB agrícola, 48,5% da população global, 60,4% da população agrícola mundial, 25,4% das exportações agrícolas e 15,8% das importações totais do mundo.

O novo texto será analisado esta semana, em Genebra, e se esperam tensas negociações até a reunião de Cancún. A minuta de Pérez del Castillo tenta conciliar as posições dos países ricos e pobres em torno da reforma do comércio de produtos agrícolas, considerada pela maioria dos membros da OMC a peça-chave da rodada. Mas as reações dos países em desenvolvimento têm sido negativas. "A iniciativa não deverá agradar nem aos que pressionam em favor da rápida liberalização do comércio de produtos agrícolas nem aos que se preocupam em continuar protegendo seus agricultores por meio de subsídios e maciças barreiras tarifárias", escreveu, ontem, o "Financial Times". De fato, segundo a UE expressou ontem, em Genebra, existem reservas quanto ao conteúdo do projeto de declaração ministerial para Cancún porque se pretende deixar a responsabilidade dos progressos no tema agrícola aos países desenvolvidos, informa a agência EFE.

Pérez del Castillo disse que seu documento pretende respeitar o nível de ambição do mandato de Doha, levando em conta a dimensão do desenvolvimento e buscando um equilíbrio entre as partes. Ao referir-se à agricultura, Pérez del Castillo informou que a opinião das delegações, em geral, foi a de avançar em uma proposta-marco e deixar para a etapa pós-Cancún a negociação das cifras (sobre redução de subsídios à exportação, ajudas internas, tarifas) e dos prazos. Supachai Panitchpakdi declarou que os países membros sabem que, em certos temas, os movimentos finais para uma convergência poderão ocorrer unicamente na reunião ministerial de Cancún. O governo brasileiro deve se reunir com o setor privado, na Câmara Temática, na próxima segunda-feira, para analisar a posição do Brasil, que será levada a Cancún. Em Genebra, o Conselho Geral da OMC tem reunião prevista para a próxima segunda-feira para discutir a minuta da declaração ministerial. Ela precisa ser enviada para os ministros até o fim da semana para permitir que eles se preparem para a reunião no balneário mexicano, em setembro.

De acordo com o Financial Times, "depois de uma série de prazos finais descumpridos, os enviados de comércio exterior esperam que a reunião de Cancún possa eliminar os gargalos da Rodada de Doha, para que ela possa ser encerrada até o prazo final, fixado por consenso, de dezembro de 2004". No entanto, continuam distantes as posições dos 146 membros da OMC no que diz respeito a várias das principais questões.

Subsídios às exportações

Na tentativa de uma conciliação de posições com os países em desenvolvimento, Pérez del Castillo escreve em seu documento que as reduções dos subsídios às exportações terão de ser feitas "com vistas à" sua progressiva eliminação, embora não esteja previsto qualquer comprometimento dos países em empreendê-la. Há também cláusulas especiais detalhadas para os países em desenvolvimento, que terão de adotar uma redução de tarifas e subsídios inferior à das nações mais ricas.

"Quanto a novas questões, como normas de investimento e de concorrência, com relação às quais a UE e o Japão assumiram a dianteira na pressão por negociações, é notório que Pérez del Castillo não tem tido sucesso em intermediar uma solução de compromisso", menciona o Financial Times. Panitchpakdi considerou, ontem, que, apesar das diferenças entre os países membros da OMC sobre temas como subsídios agrícolas e direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio e a saúde pública, as perspectivas do encontro em Cancún não são negativas.

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.