O algodão já era conhecido na China de 3 mil a.C. e era cultivado na Índia em 1.500 a.C. Foi introduzido na Grécia e em Malta por Alexandre, o Grande (356 a.C. – 323 a.C.). No século 10 de nossa era, os árabes o levaram para a Espanha e a Sicília. Demorou, no entanto, até que se firmasse como a mais usada das fibras têxteis. Hoje, o algodão responde por quase 50% da produção de tecidos, mas, durante muito tempo, foi um produto de luxo. Ainda em 1801, a indústria do vestuário na Europa consumia 78% de lã, 18% de linho e 4% de algodão; passado um século, as proporções eram de 20% de lã, 6% de linho e 74% de algodão. No Brasil, quando da chegada do colonizador português, em 1500, o algodão era utilizado pelos índios para diversas finalidades. Em 1492, Cristóvão Colombo havia encontrado algodoeiros arbóreos nas terras em que aportara e enviou para o rei da Espanha mantas, redes e outros objetos confeccionados com a fibra. Quanto aos indígenas brasileiros, Pero Vaz de Caminha, na sua célebre Carta, relata que usavam o algodão para fazer redes e faixas e também flechas incendiárias, com a ponta envolvida em chumaços, aos quais punham fogo. Outro documento, a Relação do Piloto Anônimo, informa que os nativos do Brasil dormiam em redes de algodão, amarradas aos esteios de grandes casas, nas quais cabiam de 40 a 50 pessoas. No México e no Peru também se encontraram objetos feitos de algodão – inclusive em sarcófagos reais. É certo, portanto, que o algodão arbóreo existia em várias partes das Américas, quando os europeus iniciaram a conquista.
O cultivo do algodão no Brasil, com o uso de espécies nativas e importadas, teve início nos primeiros anos da colonização. Dois famosos religiosos – os padres Manoel da Nóbrega e José de Anchieta – defenderam a instalação de uma indústria têxtil em nosso país. Fiação e tecelagem eram feitas, domesticamente, com instrumentos rudimentares. Açúcar e pau-brasil eram a base da economia da colônia e o algodão destinava-se ao consumo interno, servindo principalmente para a fabricação de panos grossos, destinados a vestir os escravos. Há registros, porém, de que ainda no primeiro século de colonização alguns poucos fardos foram embarcados para Portugal.
As invasões dos holandeses, entre 1624 e 1654, desorganizaram quase por completo a economia brasileira, principalmente no Nordeste, onde os batavos se estabeleceram. Com a saída dos holandeses, começou o trabalho de recuperação da economia, e os engenhos e as lavouras recobraram ímpeto. No Maranhão, rapidamente desenvolveu-se a cultura do algodão, que logo se tornou o principal produto de exportação da capitania. Novelos de fio e tecidos passaram a ser usados como moeda. Por essa época, a Inglaterra, que tomara dos espanhóis quase todas as suas possessões na América do Norte, iniciava o esforço para incrementar a economia das Treze Colônias. Então, estas eram abastecidas por tecidos ingleses relativamente baratos e não havia interesse maior nas lavouras de algodão. A situação mudaria no século 18, no Brasil e nos Estados Unidos.
No Brasil, onde se descobrira o ouro das Minas Gerais na primeira metade do século 18, a manufatura de tecidos de algodão se tornara altamente lucrativa, pois era necessário vestir uma população crescente. Com o início da administração do Marquês de Pombal, em 1750, o governo português decidiu estimular a produção de algodão no Brasil, para reduzir a dependência dos tecidos ingleses. Foram criadas, em 1753 e 1758, duas companhias de comércio, para cooperar no transporte do algodão brasileiro.
Em 1760, o Maranhão exportou para a Europa 130 sacas de algodão e em 1830, o volume aumentara drasticamente, para 69 mil sacas. Rapidamente, a cultura se expandiu por todo o Nordeste. Portugal passou a se alinhar entre os grandes fornecedores de matéria-prima para as fábricas inglesas. Além do mais, na década de 1770 começaram a deteriorar-se as relações entre a Inglaterra e suas colônias, o que levaria à declaração da independência e ao confronto armado, que começou em 1776 e só terminou oficialmente com o tratado de paz de 1783. O governo português tirou grande proveito do conflito, suprindo as fábricas inglesas com o algodão que os Estados Unidos pararam de fornecer. Logo, porém, seriam tomadas medidas contra a indústria no Brasil. Praticamente desde 1750, as autoridades portuguesas preocupavam-se com a multiplicação de teares na colônia, principalmente em Minas Gerais, por temerem que o trabalho de extração do ouro fosse prejudicado. Assim, em 1785, alvará assinado pela rainha Dona Maria I proibia a fabricação de tecidos no Brasil, exceto os grosseiros, usados em roupas de escravos, sacos e fardos. Mandaram recolher-se todos os teares, providência que, de resto, nunca foi plenamente executada. Enquanto isso, em 1786, foram introduzidas nos Estados Unidos sementes da variedade Sea Island, originária da Bahamas, que proporcionaram enorme aumento da produção. No entanto, as exportações do algodão brasileiro continuaram crescendo.
Em 1800, o Brasil exportou 30.593 sacas de algodão; em 1802, foram 72.660, e, em 1803, 70.236. Mas, em 1806, Napoleão Bonaparte decretou o Bloqueio Continental, que proibia o comércio com a Inglaterra, país com o qual a França estava em guerra. As vendas externas do algodão brasileiro foram de 47.802 fardos em 1806 e de apenas 18.981, em 1807. Mas havia outro obstáculo para nossas exportações, que nada tinha a ver com as questões políticas e militares internacionais: a má qualidade do produto brasileiro, misturado a folhas e a outras impurezas. As Guerras Napoleônicas se prolongaram até 1815 e tiveram graves conseqüências para a economia inglesa. Várias indústrias têxteis fecharam as portas, por falta de matéria-prima. Para agravar ainda mais a situação internacional, em 1812, Inglaterra e Estados Unidos entraram novamente em guerra. Mais uma vez, o Brasil foi chamado a abastecer o desarticulado mercado internacional. Em 1808, Dom João VI revogou o alvará de 1785 e em 1812 inaugurou-se, em São Paulo, uma fábrica de tecidos que encerrou as atividades na década de 1820. Era mais negócio, na época, exportar o algodão em rama. De acordo com o inglês Henry Koster, que viajou pelo Nordeste na década de 1810, o melhor algodão brasileiro era o de Pernambuco, seguindo-se o que se plantava no Ceará, na Bahia e no Maranhão. Mas não apenas no Nordeste a fibra era cultivada. De acordo com a Corografia Brasílica, publicada pelo padre Aires de Casal em 1817, plantava-se algodão em São Paulo, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. No Nordeste, Casal registra o algodoeiro também na Paraíba.
Após a derrota de Napoleão em Waterloo, em 1815, a França, além da Inglaterra, passou a abastecer o Brasil de tecidos. O algodão americano era, em proporção cada vez maior, absorvido pelas fábricas próprias, e o excedente seguia para a Inglaterra. Em 1827, instalou-se no Rio de Janeiro a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional. Um dos problemas que preocupavam seus fundadores era a indústria têxtil, pois, por falta de fábricas, o país era obrigado a importar tecidos da Europa.
Pouco depois da metade do século 19, o Brasil viveria um novo surto de prosperidade na exportação de algodão, em decorrência da Guerra Civil Americana (1861-65). Os números são eloqüentes. Em 1861, a Inglaterra importou dos Estados Unidos 714.440 fardos de algodão e, do Brasil, 66.223 fardos; em 1862, os números foram, respectivamente, 40.417 e 118.765. Durante algum tempo, o Brasil ainda se aproveitaria da queda da produção americana. Mas, desde 1840, o café era o nosso mais importante produto agrícola de exportação. Deve-se ressaltar que, por volta de 1850, os Estados Unidos tinham a maior produção de algodão do mundo. Estima-se que, durante a Guerra Civil, o Brasil exportou 800 milhões de quilos de pluma para diversos países da Europa. Mas, enquanto aquele conflito chegava ao fim, o Brasil iniciava seu envolvimento na Guerra do Paraguai. As exportações voltariam a cair, embora houvesse uma compensação parcial, pelo aumento do consumo interno.
Ao aproximar-se o fim do Império (safra de 1881/82), a produção algodoeira chegou a 16.482 toneladas. A Abolição da Escravidão causou a desorganização da agricultura e a safra de 1888 foi de 504 toneladas. No entanto, as dificuldades foram sendo superadas e, na década de 1900, pela primeira vez a produção nacional de tecidos superou as importações de origem européia. Até mesmo os ingleses participavam do esforço de industrialização brasileiro, aqui instalando a J. & P. Coats, depois Linhas Corrente. Novamente, a conjuntura internacional teria profundas repercussões na economia brasileira, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-18), que prejudicou duramente as exportações de algodão e de café.
Em 1914, as vendas externas de algodão haviam atingido 30.434 toneladas, número que caiu para 1.071 toneladas em 1916 e subiu para 24.698 em 1919. No entanto, as restrições às exportações e às importações levaram, nos quatro anos da guerra, a um acelerado desenvolvimento do parque industrial brasileiro. Na década de 1910, surge no Brasil a figura pioneira de Delmiro Gouveia, que instalou no interior de Alagoas uma fábrica de linhas para coser e bordar. Delmiro construiu uma pequena hidrelétrica e uma vila operária modelo, com água, luz e esgoto, entre vários outros benefícios. Morreu assassinado em 1917. No ano de 1919, havia no Brasil 202 fábricas de tecidos de algodão, das quais 49 em São Paulo, 43 em Minas Gerais, 17 no Distrito Federal e no Estado do Rio e 13 na Bahia.
Nessa época, a indústria têxtil nacional respondia por 75% a 80% da produção de tecidos de algodão consumidos no Brasil. O governo também se preocupava com o aprimoramento da cultura: em 1915, fora criado no Ministério da Agricultura o Serviço do Algodão. Seus objetivos: dar assistência técnica aos agricultores; estimular o melhoramento das variedades; proceder a estudos dos solos e do clima; incentivar a criação de campos experimentais; e, por fim, desenvolver o estudo das pragas e das doenças do algodoeiro, para permitir o seu combate. Outros serviços do algodão se multiplicavam pelo país. Em 1924, começaram no Instituto Agronômico de Campinas (IAC) os trabalhos de melhoramento genético do algodoeiro. Deve-se ainda registrar que, por volta de 1920, iniciou-se o aproveitamento industrial do caroço de algodão. No início da década de 1920, a Inglaterra queria fomentar a produção de algodão brasileiro de boa qualidade. Assim, livrar-se-ia dos fornecedores americanos, cujos preços eram bem maiores que os dos exportadores brasileiros. A partir da década de 1930, registrou-se uma queda brutal das exportações e do preço do café, em conseqüência da crise econômica de 1929. Havia estímulo para plantar algodão. São Paulo, então maior produtor de cana-de-açúcar, assumiu a liderança também no algodão. Uma nova crise de origem internacional seria deflagrada pela Segunda Guerra Mundial (1939-45), durante a qual a produção oscilou fortemente, chegando a superar 587 mil toneladas em 1944 e atingindo apenas 340 mil toneladas em 1945. Deve-se ressaltar que, nesse período, as exportações de algodão em rama declinaram, mas a indústria brasileira aproveitou a oportunidade e direcionou as vendas para África do Sul, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela.
Em 1958, a produção brasileira de algodão alcançou 1.143.320 toneladas, das quais quase 576 mil toneladas foram colhidas em São Paulo. Em 1970, as estatísticas indicavam produção de 531 mil toneladas de São Paulo, 521 mil toneladas do Paraná e 33 mil toneladas do Ceará. O total nacional somou 2,110 milhões de toneladas. Em 1968, os principais países produtores, pela ordem, eram: Estados Unidos, União Soviética, República Popular da China, Índia e Brasil.
Os programas de aprimoramento do algodão tiveram prosseguimento na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Em Campina Grande, na Paraíba, funciona o Centro Nacional de Pesquisas do Algodão (CNAP), que estuda novas variedades, inclusive de fibras coloridas. Desde 1975, as pesquisas vêm sendo conduzidas.
Na década de 1980, a história da cultura do algodão no Brasil, já bastante conturbada, teve um instante especialmente dramático, com o aparecimento da praga do bicudo, que praticamente transformou as plantações do Nordeste em terra arrasada. Em decorrência, houve não apenas perdas econômicas, mas também desemprego em uma região historicamente pobre. Em 1968, como vimos, o Brasil já se colocara entre os cinco maiores exportadores. Em 1982, o CNAP afirmava: “O algodão no Brasil é a cultura de maior significação social, porque dela resulta a ocupação direta e indireta de um enorme contingente de mão-de-obra, no campo e nas cidades. É também a cultura que mais gera divisas internas para mobilizar diversos setores da economia do país. Ocupa área superior a 3 milhões de hectares e está entre os cinco produtos de maior importância econômica.” Exatamente na década de 1980, a praga do bicudo alastrou-se pelos algodoais brasileiros. E, coincidência das coincidências, o besourinho que devastou nossas lavouras veio dos Estados Unidos. Poucos anos depois, no início da década de 1990, a brutal redução das alíquotas de importação, promovida pelo então presidente Fernando Collor, criou uma situação desfavorável para a fibra brasileira.
A crise da cotonicultura brasileira teve como uma de suas consequências o deslocamento do eixo de produção dos estados de São Paulo e do Paraná para os cerrados do Centro-Oeste, mais precisamente para Mato Grosso. Lá, clima e topografia se mostraram mais favoráveis. A Embrapa, juntamente com o Grupo Itamarati, iniciou os trabalhos de desenvolvimento de sementes e adaptação da lavoura do algodão às terras altas do cerrado em Mato Grosso. As primeiras experiências, no Chapadão dos Parecis, foram expandidas para o sul do Mato Grosso e receberam o apoio da Fundação Mato Grosso, que passou a incentivar o algodão em todo o cerrado do estado. A criação da semente conhecida como CNPA ITA 90 possibilitou a obtenção de altas produtividades e de fibras com qualidade equivalente ao produto importado, iniciando um processo de expansão da cotonicultura no cerrado de todo o Centro-Oeste. Inicialmente, isto ocorreu em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, depois em Goiás e posteriormente na Bahia, em Minas Gerais e por fim no Maranhão e no Tocantins. Os produtores do cerrado, mestres na cultura da soja, passaram a investir no algodão, inicialmente no incentivo à pesquisa, por meio dos fundos de apoio ao algodão (Facual, Fialgo, Fundeagro e Pluma), depois estimulando a melhoria da qualidade, por intermédio de Proalmat, Proalgo e Proalba e, por fim, reunindo-se em entidades de defesa de seus interesses estratégicos, a exemplo da Associação Mato-Grossense dos Produtores de Algodão (AMPA) e organizações dos outros estados produtores (Agopa, Abapa, Amipa, Ampasul, Acopar e APPA), e da sua representação nacional, a Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão).
Com esta organização, os produtores passaram a influir em todos os elos da cadeia no Brasil e no exterior, possibilitando a expansão da produção com menos riscos, inclusive pela eliminação de intermediários, pela industrialização nas fazendas e pela mecanização total da lavoura de algodão. Rapidamente, a produção cresceu, até que o Brasil se alçasse à condição de terceiro exportador do mundo.
José Luis da Silva Nunes
Engenheiro Agrônomo, Dr. em Fitotecnia
Fonte
CONSTA, S.R.; BUENO, M.G. A saga do algodão: das primeiras lavouras à ação na OMC. Rio de Janeiro: Insight Engenharia, 2004. 144 p.