CI

Tendências 25/06/2012



Argemiro Luís Brum

A realidade que devemos evitar

Temos escrito que, se o Brasil não realizar de forma eficiente e rápida o seu dever de casa, saneando as estruturas do Estado, através de reformas estruturais que nos permitam gerar um real desenvolvimento sustentável, corremos sério risco de nos tornarmos amanhã a Grécia de hoje. Para quem ainda não conseguiu entender o que vem se passando naquele país, hoje situação que realimenta a crise mundial, sem data para terminar, vamos aqui destacar o que a sociedade grega vem passando (cf. jornal francês Le Monde, diretamente de Atenas, 03/05/12).


Após sua entrada na União Europeia, em 1981, a Grécia recebeu uma enorme quantidade de recursos, durante 10 anos, para colocar sua economia em linha com as dos países mais avançados do bloco. A sociedade grega, diante de tal volume de recursos, abusou de gastar e de criar vantagens (14º, 15º, 16º salários aos funcionários públicos, por exemplo), sem se preocupar que, um dia, a ajuda terminaria e o país teria que caminhar pelas próprias pernas.

A partir de 1991 essa realidade chegou, porém, o Estado grego não se preocupou em corrigir o rumo de sua economia, e passou a se endividar, via a venda de títulos públicos, para manter um trem de vida que, para os padrões do país, era artificial. A crise de 2007/08 fez estourar a bolha, desnudando a incapacidade de o modelo continuar. Somente um socorro externo salvaria o país. Para evitar a bancarrota grega e suas conseqüências para a União Europeia (contágio para outros países, caso da Espanha, Portugal, Itália...), a moeda única (euro) e mesmo para o mundo todo, o FMI, a Comissão da União Europeia e o Banco Central Europeu se uniram para vir em socorro do país. Nestes últimos dois anos esta trinca emprestou nada menos do que 240 bilhões de euros (algo em torno de US$ 317 bilhões) ao governo grego. Isso ultrapassa de longe a atual dívida externa brasileira, por exemplo.

A realidade que devemos evitar (II)

Em troca, foram exigidas medidas duras de saneamento da economia local, obviamente criticadas pela população em geral (ninguém quer perder as vantagens conquistadas, porém, nesse momento ninguém lembra dos desperdícios realizados, inclusive via corrupção junto ao governo). Resultado prático do saneamento provocado pelo mercado, por incompetência grega em ter deixado as coisas chegarem a tal estágio, se reflete no fato de que 2012 já é o quinto ano consecutivo de recessão econômica no país. A riqueza nacional evaporou em torno de 19%. Cerca de 20% da população nacional ativa está desempregada. O consumo parou e as empresas e lojas fecham as portas, quebradas.


A pobreza aumenta, particularmente junto aos menos preparados. De cada dois jovens, um está desempregado. Uma grande maioria destes procura fugir do país em busca de emprego em outros lugares. A classe política está aos farrapos, perdida e desacreditada. Os planos de austeridade econômica se sucedem e não alcançam os resultados esperados, tamanho é o rombo que o país criou para si mesmo. Dentre as medidas de ajustes adotadas, tem-se que os salários do setor público foram reduzidos em 30% desde 2010. As aposentadorias recuaram em valor médio na ordem de 14%.

O salário mínimo foi diminuído em 22% (e de 32% para os que possuem menos de 25 anos de idade). O número de funcionários públicos foi limitado a exatos 717.192, sendo que mais 150.000 empregos públicos deverão ser suprimidos até 2015 (o país possuía mais de um milhão de funcionários públicos). Uma planilha de salário único para o funcionalismo público passou a ser adotada, dentro do contexto da profunda reforma do setor público grego, iniciada em 2010. A grande reforma tributária e fiscal, necessária, ainda não foi realizada, embora tenha havido a prisão de inúmeros empresários locais por fraude fiscal. E assim vai a nave grega, para os abismos da crise!

A realidade que devemos evitar (III)


A lição que fica, por enquanto, são duas: se a sociedade e o governo não fazem o ajuste, o mercado acaba por fazê-lo, a força e com mais dor; se não quisermos atingir esse estágio de crise, aqui no Brasil, tratemos de reformar rapidamente a nossa estrutura pública e o próprio funcionamento da economia nacional, realizando reformas estruturais adequadas, parando de gastar desnecessariamente, eliminando as ações populistas, limpando a corrupção em todos os setores da vida nacional, em particular no setor político instalado em Brasília. Caso contrário, logo mais poderemos estar lamentando como o estão fazendo hoje os gregos humildes que pagam a conta da má gestão: “Os europeus sabiam muito bem que nossos políticos não eram capazes. Por que então lhes fizeram confiança?”

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.