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Sobre o veto do Presidente da República ao § 8º do artigo 11 da lei de biossegurança.


Reginaldo Minaré

A Mensagem de Veto nº 167/05, informa ao Presidente do Senado Federal que o Presidente da República resolveu vetar parcialmente o Projeto de Lei nº 2.401/03, que deu origem à Lei 11.105/05, que estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGMs e seus derivados.

Dos dispositivos vetados pelo Presidente da República, destaca-se o veto ao § 8º do artigo 11. Sua redação, no Projeto de Lei aprovado pelo Congresso Nacional, estabelece que as decisões da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio serão tomadas por maioria dos membros presentes à reunião, respeitado o quorum previsto no § 7º deste artigo 11.

O § 7º do artigo 11 estabelece que a reunião da CTNBio poderá ser instalada com a presença de 14 de seus membros, incluído pelo menos um representante de cada uma das áreas referidas no inciso I do caput do artigo 11.

O inciso I do artigo 11, por sua vez, dispõe que a CTNBio deverá ter entre seus 27 membros, 12  especialistas de notório saber científico e técnico, em efetivo exercício profissional, sendo: 3 da área de saúde humana, 3 da área animal, 3 da área vegetal e 3 da área de meio ambiente.

Verifica-se, portanto, que para a realização de suas atividades, a CTNBio precisa contar com um quorum qualificado, ou seja, que tenha a presença de profissionais em efetivo exercício nas diversas áreas previstas no citado inciso I.

Diante do que até aqui foi exposto, resta cristalino que a construção normativa realizada pelo Congresso Nacional, no que diz respeito à forma de deliberação da CTNBio, não poderia ser mais razoável.

Entretanto, este não foi o entendimento do Presidente da República, que vetou a matéria contida no § 8º do artigo 11, argumentando em suas razões que o veto se justifica por não haver razoabilidade no fato de que questões polêmicas e complexas que afetam a saúde pública e o meio ambiente sejam decididas por apenas oito brasileiros (o quorum de instalação das reuniões é de quatorze presentes; a maioria, portanto, é alcançada por oito votos) que, embora qualificados academicamente, representam menos de um terço do Colegiado. Argumentou, ainda, que o tema poderia ser objeto de decreto, que pretendia publicar em breve, onde estabeleceria quorum mais elevado para as deliberações da Comissão.

De fato, ao publicar o Decreto nº 5.591/05, o Presidente da República estabeleceu, no parágrafo único do artigo 19, que as decisões da CTNBio serão tomadas com votos favoráveis da maioria absoluta de seus membros, exceto nos processos de liberação comercial de OGM e derivados, para os quais se exigirá que a decisão seja tomada com votos favoráveis de pelo menos dois terços dos membros.

            Analisando conjuntamente o texto do § 8º do artigo 11 que foi aprovado pelo Congresso Nacional e vetado pelo Presidente da República, a motivação do veto e o texto que o Presidente publicou por meio do Decreto 5.591/05 para suprir a lacuna normativa, não dá para compreender a lógica utilizada pelo Presidente da República.

            Nas razões do veto, o Chefe do Poder Executivo afirmou ter entendido não ser razoável o fato de que questões polêmicas e complexas que afetam a saúde pública e o meio ambiente sejam decididas por apenas oito brasileiros. Entretanto, ao disciplinar o tema no Decreto 5.591/05, deixou de trabalhar com o quorum baseado na maioria dos membros presentes e fez a opção por um quorum baseado na maioria dos membros do colegiado. Com esta ação, o mesmo Presidente, que não julgou racionável o fato de um projeto de pesquisa ser aprovado por oito votos em reunião com quorum mínimo, entende ser perfeitamente plausível que o voto de apenas um brasileiro em reunião com quorum mínimo impeça a realização desta mesma pesquisa. Trata-se, portanto, de uma lógica difícil de compreender, visto que leva à ditadura do voto único.

            Estranhamente, o Presidente da República parece não ter se preocupado em considerar, também, a possibilidade de que as biotecnologias oriundas da engenharia genética podem afetar de forma positiva a saúde pública e o meio ambiente, o que seria uma consideração logicamente plausível.

            No que diz respeito aos projetos relacionados à comercialização de OGMs, a lógica do Presidente da República é ainda mais confusa. Neste particular, o Chefe do Poder Executivo exigiu que, nos processos de liberação comercial de OGM e derivados, a decisão da CTNBio seja tomada com votos favoráveis de pelo menos dois terços dos membros. Com este procedimento estabelecido, após o interessado investir alguns milhares de reais em uma pesquisa que ao final proporcionou uma inovação, caso o projeto de liberação comercial deste produto geneticamente modificado inovador seja apreciado em reunião da CTNBio com presença de 18 de seus 27 membros, bastará o voto contrário de um dos membros presentes, mesmo com uma fundamentação inadequada, para inviabilizar a atividade.

            A lógica do Presidente da República se mostra ainda mais difícil de compreender quando é considerado o fato de que a decisão da CTNBio, em processo de liberação comercial, não autoriza a realização da atividade. Acima da Comissão, e com poderes para proibir qualquer atividade comercial com OGM, mesmo após manifestação favorável da Comissão, está o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS. Este Conselho, pode agir de ofício, a pedido da CTNBio ou provocado por recurso de qualquer Ministério previsto no artigo 16 da Lei 11.105/05. Além disso, ou seja, após aprovação da CTNBio e do CNBS, qualquer atividade que envolva comercialização de OGMs deverá ser registrada pelos Ministérios da Agricultura, Saúde, Meio Ambiente e Secretaria de Aqüicultura, de acordo com a distribuição de competência estabelecida pelo artigo 16 da Lei 11.105/05.

Diante, portanto, do que até aqui foi argumentado, resta claro que o Congresso Nacional, para garantir que o interesse público não continue sendo prejudicado, deve fazer valer seu entendimento inicial e derrubar o veto do Presidente da República ao § 8º do artigo 11 da Lei 11.105/05. 

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