Semiconfinamento: produção intensiva a pasto agrega valor aos novos cortes de carne
Animais mais precoces contribui para uma carcaça de melhor qualidade e melhor aproveitamento do dianteiro
Guilherme Augusto Vieira[1]
O Brasil possui o maior rebanho comercial do mundo com 234,4 milhões de cabeças de gado (IBGE,2023). Predomina no Brasil a produção extensiva a pasto, sendo que o rebanho é composto em sua grande maioria de animais zebuínos adaptados as condições dos trópicos.
Atualmente, nota-se no Brasil um avanço na produção intensiva brasileira utilizando-se as tecnologias na fase de engorda como uso de confinamento[2] e semiconfinamento de bovinos, havendo necessidade de preparar os animais em recria com qualidade para a pecuária intensiva.
De acordo com Vieira, 2021, A produção brasileira apresenta alguns desafios como introduzir a pecuária de ciclo curto (diminuir o ciclo longo produtivo), melhorar as taxas de natalidade, melhorar a qualidade de carcaça dos animais, recuperar as pastagens, reduzir a taxa de mortalidade dos animais e principalmente procurar encurtar o ciclo da recria.
Diante desta perspectiva, a produção intensiva, semiconfinamento e confinamento, pode contribuir para o melhoramento da carcaça e encurtar o ciclo produtivo pecuário, melhorando a qualidade da carne no Brasil.
Recentemente com o advento da melhoria da qualidade da carne, o Brasil vem conquistando novos mercados internacionais (ABIEC,2022) e internamente cresce o processo de “gourmetização” da carne com o crescimento de lojas de carnes de grife e restaurantes especializados servindo o BBQ (American Barbercue)[3] para públicos diferenciados.[4]
O presente artigo tem o objetivo de contextualizar a nova tendência de consumo quanto aos novos cortes de carne e fazer uma reflexão sobre a contribuição do semiconfinamento para a produção de animais mais precoces e consequentemente oferecer carnes de qualidade para atender esta demanda.
Os novos cortes de carne e o novo contexto do churrasco brasileiro
Comparando o churrasco brasileiro com o americano (American BBQ), Pedroso (2023), relata que no Brasil os “churrasqueiros” utilizam os cortes nobres, presentes no traseiro, utilizando apenas 10% da carcaça, enquanto nos Estados Unidos, o churrasco americano agrega valor aos cortes do dianteiro, preparando assados e hamburgueres, podendo elevar o aproveitamento a 62% da carcaça.
Dentre os cortes do dianteiro utilizados no BBQ destacam-se o peito bovino (brisket), o miolo da paleta (shoulder e flat iron), a picanha do dianteiro (entre a raquete e o músculo do dianteiro), o miolo do acém sem osso (chuck eye roll), com osso (short rib).
Com relação as carcaças dos animais, o Brasil apresenta 21 cortes, divididos entre cortes de primeira e segunda, ambos possuem o mesmo valor nutricional, sendo alterado apenas pela maciez (Venturini et al, 2007).
Dentre as características de qualidade da carne bovina, a maciez assume posição de destaque, sendo considerada a característica organoléptica de maior influência na aceitação da carne por parte dos consumidores, principalmente no consumo para o churrasco brasileiro que utiliza os chamados cortes “nobres” na sua execução.
A chamada carne de primeira é retirada de uma parte do animal que é menos exercitada, mais macia. A carne de segunda, mais rija, provém das mais exercitadas, tendo uma textura mais desenvolvida; mais forte, portanto, a menos delicada.
Segundo Pedroso (2023), Cruz (2023), no Brasil utilizam os cortes do traseiro no preparo do churrasco, devido a cultura e por estes cortes serem mais macios e tenros, em detrimento dos cortes da carne de segunda, por apresentarem uma composição mais dura, conforme mencionado anteriormente.
Segundo os autores, o grande desafio está em mudar a cultura do hábito do consumo dos churrasqueiros e consumidores em aproveitar melhor os cortes do dianteiro. Porém há necessidade de uma melhoria no padrão de carcaça oferecida atualmente pela produção nacional.
Nos Estados Unidos os animais são abatidos precocemente, com genética mais apurada (raças taurinas) e utilizada uma dieta rica em grãos, enquanto no Brasil os animais são abatidos tardiamente, no qual mais de 80% de sua produção é extensiva (ABIEC, 2022) permanecendo grande parte de sua produção no pasto.
Conforme mencionado anteriormente, progride nas fazendas a produção intensiva com as técnicas de semiconfinamento e confinamento. O confinamento já se consolidou no Brasil, e exige por parte do produtor altos investimentos em instalações, equipamentos, genética, etc. O semiconfinamento está em franco crescimento no Brasil (Vieira, 2019).
Trivelatto (2018) apud Vieira (2019), define o semiconfinamento, como o sistema de produção intensiva de bovinos que consiste na engorda de animais onde são utilizadas pastagens como alimentos volumosos e o fornecimento de ração concentrada nos cochos dispostos nos piquetes ou invernadas.
Vieira (2019) entende que a utilização do semiconfinamento é uma ferramenta simples e barata de acelerar o processo de acabamento dos animais a pasto, melhorar a qualidade da carcaça, produzindo animais mestiços (50% de sangue de raças taurinas de corte, Angus, Brangus) e com isso atender a demanda enumerada acima. O Semiconfinamento também pode aumentar os lucros da terminação, pois o Brasil tem uma alta produção a pasto, bastando os produtores se adaptarem aos novos processos produtivos.
Vieira (2019) enumera os vários tipos de semiconfinamento, a se destacar: animais em terminação, recria de machos e fêmeas, novilhas e fêmeas de reposição.
Como produzir animais de qualidade em um semiconfinamento?
São vários fatores que se interagem para produção em semiconfinamento dentre eles: planejamento econômico, gestão, instalações, pastagens de qualidade, animais com uma boa genética, além de rações bem formuladas e distribuídas.
Apesar de todos os fatores enumerados é essencial o preparo dos animais para o semiconfinamento. De acordo com Vieira (2019,2021), o “preparo” tem o objetivo de proporcionar bom desempenho técnico e econômico do semiconfinamento. Um bom preparo consiste nas seguintes práticas: manejo sanitário preventivo (vacinação, vermifugação, controle de ecto e endoparasitos), manejo nutricional “adaptativo” (fornecimento de rações de adaptação) com a finalidade de prevenir distúrbios metabólicos.
Uma outra prática comum utilizada no preparo dos animais é o uso de suplementos injetáveis à base de minerais e aminoácidos[5], e também conter em sua formulação algumas vitaminas.
De acordo com Frota et al (2014) O fornecimento de aminoácidos em dietas ou outras formas em bovinos tem o objetivo de protege-los da degradação ruminal e com isso aumentar o seu fluxo para o duodeno e com isso realizar as rotas metabólicas e potencializar suas ações.
Os aminoácidos são reguladores de secreção hormonal, antioxidantes, além de serem utilizados na síntese de proteínas para formação de tecidos (Funston et al, 2010). Os aminoácidos essenciais (por exemplo, lisina, metionina e triptofano) são bastante eficazes na formação de tecidos musculares e ganho de massa muscular, muito importante em animais em crescimento e produção de precoces.
Deste modo, novos cortes de carnes e novas formas de consumo entram no universo da cadeia produtiva da pecuária de corte no Brasil, requerendo uma produção de carcaças de qualidade por parte dos produtores brasileiros, sendo que o semiconfinamento pode contribuir com seus processos produtivos para atender a demanda apresentada.
Diante do exposto, todos os atores da cadeia serão beneficiados. O consumidor, por acessar uma carne de qualidade superior e ter mais opções para o seu churrasco, o varejo (açougues supermercados, boutiques de carnes). Também serão beneficiados os frigoríficos por oferecerem outras variedades de cortes de carnes (podendo atender o mercado interno e externo).
Referências bibliográficas:
ABIEC, Beef Report 2022, dados da pecuária de corte no Brasil.
Disponível em: <https://www.abiec.com.br/publicacoes/beef-report-2023-capitulo-04/ , acesso em 10/12/2023>.
CRUZ, P.S. Do Mato Grosso para o mundo. Revista DBO, ano 42, n.514, p.74, setembro,2023.
FUNSTON.R.N.; LARSON, D.L.; VONNAHME, K.A. Efeito d nutrição materna sobre o desenvolvimento fetal e pós-natal: implicações na produção de gado de corte. In: PIRES, A.V. Bovinocultura de corte, Piracicaba:FEALQ, 2010. v.2.
H.N. FROTA, R.B. REIS, B.N. FARIA, S.G. COELHO, H.M. SATURNINO. Suplementação de lisina e metionina em associação ou não com o óleo de soja na dieta de vacas leiteiras. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.66, n.4, p.1121-1128, 2014.
MESQUITA, A. Gourmetização: faz bem para a cadeia da carne bovina?
Disponível em: <https://www.oterritoriodacarne.com.br/artigo/gourmetizacao-faz-bem-para-a-cadeia-da-carne-bovina (2019)>. Acesso em 05/01/2024.
PEDROSO, K.P. Histórias da boa carne: welcome litttle Texas! Revista DBO, ano 42, n.516, p.74, novembro,2023.
VENTURINI, K.S.; SARCINELLI, M.F.; SILVA, L.C. Processamento de carne bovina. Boletim Técnico PIE UFES, UFES, 2007.
VIEIRA, G.A. Boletim técnico manejo nutricional semiconfinamento. Guilherme Augusto Vieira – Salvador: Farmácia na Fazenda, 2021.
VIEIRA, G.A. Manual prático semiconfinamento de bovinos: planejamento, instalações, equipamentos e sanidade. Guilherme Augusto Vieira – Salvador: Farmácia na Fazenda, 2019.
[1] Médico Veterinário, Doutor em História das Ciências. autor do livro Como montar uma farmácia na fazenda, dos Manuais Semiconfinamento e Confinamento, atualmente é gestor das Plataformas www.farmacianafazenda.com.br e www.semiconfinamento.com.br , contato: [email protected]
[2] Segundo dados da ABIEC (2022) foram abatidos 7,62 milhões de bovinos oriundos do confinamento, 18,9% do total do abate. Disponível em https://www.abiec.com.br/publicacoes/beef-report-2023-capitulo-04/
[3] BBQ é o termo que significa o churrasco americano, no qual assam as carnes na brasa utilizando molhos especiais, cortes diferenciados e hamburgueres, principalmente do dianteiro.
[4] MESQUITA, A. Gourmetização: faz bem para a cadeia da carne bovina? Disponível em: https://www.oterritoriodacarne.com.br/artigo/gourmetizacao-faz-bem-para-a-cadeia-da-carne-bovina (2019). Acesso em: 05/01/2024.
[5] Megabov – Noxon Saúde Animal.