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Por uma ética climática


Gilberto R. Cunha

Pode parecer estranho a referência sobre a necessidade de uma ética climática. Talvez seja complicado para explicar, mas não difícil de entender. Afinal, estão ai bem postas as preocupações com a questão do aquecimento global e seus possíveis impactos sobre os ecossistemas e sobre as sociedades. E, admitindo-se a atividade humana, pelo aumento das emissões dos chamados gases de estufa, como sendo a principal responsável por esse temido aquecimento, nada melhor que considerar aspectos éticos para orientar os debates e regulamentar o relacionamento entre as nações, e- por que não?- também dentro de cada país.

Antes de qualquer prova em contrário, independentemente do assunto, todo mundo tem um comportamento genuinamente ético. Ou pelo menos pensa que tem. E na questão clima/ambiente não poderia ser diferente. Leis, convenções, tratados e acordos buscam normatizar as relações que envolvem clima/ambiente e sociedades, quer seja no cenário mundial ou interno de cada nação. Ninguém ousa admitir que não está sendo ético, ou pelo menos não fazendo uso da sua liberdade de decidir, ao se recusar assinar tratados internacionais, tipo Protocolo de Kyoto, por exemplo. Ou, melhor ainda, quando não cumpre o estabelecido, seja por mero acordo de cavalheiros ou firmado em leis, no tocante à poluição e à preservação do ambiente.

Ao que parece, as macropolíticas relacionadas com clima/ambiente e sociedades, ora em discussão no cenário mundial, mais refletem uma forte disputa de interesses entre grupos competidores, cada um buscando a “sua política mais favorável”, do que propriamente visam a atender os problemas já detectados e que preocupam o futuro da humanidade. Por razões óbvias, em sendo a ética a responsável pela definição dos limites do uso que fazemos da nossa liberdade, uma adequada política sobre clima/ambiente e sociedades deverá, necessariamente, ser baseada em alguns fortes princípios éticos.

E quais seriam os aspectos éticos a serem considerados? Pelo que foi exposto anteriormente, cabe a indagação. Embora não limitando-se, algumas coisas podem ser discutidas. Começando pela questão da eqüidade entre gerações. Ou seja: não dá para fugir de responsabilidades. A geração atual não pode fazer de conta que não tem nada a ver com os estragos já causados, que o que está feito está feito e pronto. Ou, que pegou o barco andando e não pode fazer mais nada. E que não cabe a ela corrigir o passado, se preocupando apenas com o presente e não dando atenção ao futuro. Isso é fundamental, pois os impactos do aquecimento global serão observados no futuro, porém são dependentes do passado e do presente. Por isso mesmo, não se pode agir no presente como se tudo fosse ilimitado e sem maiores conseqüências, numa autêntica liquidação do futuro.

Também não se pode fazer de conta que não existirão “vencedores” e “perdedores” nos diversos cenários futuros de mudanças climáticas globais. Eles existirão sim. E embora tanto nações ricas como pobres sejam afetadas, muitas das hoje consideradas pobres e/ou em desenvolvimento poderão engrossar as fileiras dos novos miseráveis. Nesse sentido, carece um rigorosa avaliação do clima regional, suas potencialidades e impactos, para fins de exploração com justiça.

Alguns princípios básicos são indiscutíveis. É o caso típico do “quem polui paga”. Não se pode colocar na conta de todo mundo o modo de vida nababesco e o consumo exagerado de alguns, que não querem assumir qualquer compromisso de preocupação com as questões climáticas futuras. Ainda, o “princípio da precaução”, porém sem exageros, deve ser posto em pratica quando se trata do uso de novas tecnologias e riscos para o ambiente.

Apesar da reconhecida importância desses e de outros aspectos éticos nas relações clima/ambiente e sociedades, tem havido uma sistemática negligência acadêmica, quando se trata da sua inclusão nas discussões.

(Gilberto R. Cunha é pesquisador da Embrapa Trigo, de Passo Fundo/RS, e membro da Academia Passo-Fundense de Letras.)

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