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Os fazedores de chuva


Gilberto R. Cunha

Num misto de charlatanice, espetáculo pirotécnico, demonstração de magia, muito de exploração da boa fé das pessoas e, até mesmo, um pouco de ciência, para os padrões do conhecimento vigente na época, os chamados fazedores de chuva - "Rainmakers"- viveram momentos de glória, protagonizaram histórias inesquecíveis e ajudaram a construir e a destruir o sonho humano de controlar as condições meteorológicas.

Foi nos Estados Unidos da América, entre 1880 e 1930, que os fazedores de chuva, também chamados de pluvioculturistas, tiveram a sua vez. Por ocasião de secas severas, e, quase sempre, diante de fazendeiros desesperados, lá apareciam eles, com todo um aparato tecnológico, oferecendo os seus serviços. Os métodos variavam, porém a finalidade era a mesma: fazer chover. Alguns eram carnavalescos, outros nem tanto. Bombardeavam nuvens com tiros de canhão, davam descargas elétricas na atmosfera usando dínamos e fios amarrados em balões e, via equipamentos especiais, dispersavam substâncias químicas no ar, cujas fórmulas, verdadeiros segredos de estado, segundo eles, provocavam chuvas. Em comum, o extremado senso de profissionalismo. A tal ponto que assinavam contratos de prestação de serviços que, mesmo parecendo inusitados, eram, em essência, juridicamente perfeitos.

Os fazedores de chuva foram amados e odiados, na sua época. O serviço meteorológico americano, por razões óbvias, buscava desacreditar os seus trabalhos. A imprensa, guiada pelo gosto popular, os adorava. Todo o progresso tecnológico surgido no século 20, estendendo a estrada de ferro e o telégrafo, por exemplo, aos mais remotos cantos dos Estados Unidos, favorecia a crença de que também poderia surgir alguém capaz de fazer chover. E foi esta esperança e o apelo popular que levou o Congresso americano, na sessão de 1891, estabelecer um fundo de US$ 20 mil destinado exclusivamente à realização de testes das teorias dos fazedores de chuva.

Com o passar do tempo, formou-se uma legião de fazedores de chuva. Verdadeiros caçadores de seca. O mais famoso de todos foi Charles Mallory Hatfield. O sucesso de Hatfield não foi por acaso. Era diferente da maioria dos fazedores de chuva. Alto, magro, elegante, mesmo sem educação formal se expressava muito bem, antes de entrar nesta carreira tinha sido um bom vendedor de máquinas, e, acima de tudo, aparentava honestidade. Também se diferenciava pelo método que empregava. Nada de tiros de canhão ou descargas elétricas na atmosfera. Simplesmente, dissipava no ar um produto químico, composto por 20 ingredientes, que era capaz de provocar chuvas. Tampouco era imediatista. Não prometia chuvas logo, como faziam os outros. As chuvas deveriam ocorrer naturalmente com o passar dos dias, semanas ou meses E tinha tanta confiança no seu método que fazia questão de assinar contratos de prestação de serviço, estabelecendo prazos e valores por quantidade de chuva ocorrida, bem como isentando os contratantes de qualquer pagamento, caso não chovesse conforme acordado.

O começo de Hatfield na profissão de fazedor de chuva foi modesto. Recebeu apenas US$ 50 por ter trazido chuva para Pasadena, em 1903. A partir de então ganhou notoriedade na Califórnia, principalmente. Fez inúmeros trabalhos para companhias de abastecimento de água. Seus contratantes não hesitavam em declará-lo como um bom e honesto fazedor de chuva. Porém, também surgiram os seus detratores. Estes declaravam que as chuvas reclamadas por Hatfield nada mais eram que precipitações normais para a região e que ocorreriam independentemente da sua intervenção. Diziam os adversários, particularmente os cientistas do serviço meteorológico americano, que Hatfield fazia seus contratos com base no conhecimento do clima local e baseando-se em probabilidades de ocorrência de chuvas. Nada mais que isso. Apesar dos críticos, a fama de Hatfield crescia. Testemunhas de seus feitos surgiam em várias partes do país. Os jornais dedicavam grandes e privilegiados espaços a Hatfield e seus trabalhos. Eram comuns manchetes de capa e entrevistas rotulando-o de "O rei das nuvens", "O mágico do tempo" e "O Robin Hood das nuvens", por exemplo. Ou contemplando declarações suas, tipo: "Seca, fome e miséria são todas coisas desnecessárias". Aos críticos, Hatfield limitava-se a dizer: "Eu não faço chover. Eu apenas atraio as nuvens e elas fazem o resto".

O mais notável feito dos irmãos Hatfield, Charles e Paul formavam uma companhia de fazer chuva, aconteceu na cidade de San Diego, Califórnia, em 1916. No final de 1915, após uma seca que já durava quatro anos, e sob a ameaça de racionamento de água, o conselho municipal se rendeu ao clamor popular e decidiu procurar os serviços de um fazedor de chuva. E procuraram logo o melhor: Charles Mallory Hatfield. Ele propôs um contrato que, por US$ 10 mil, faria chuva suficiente para encher e transbordar o reservatório da cidade, o lago Morena. Porém, não se sabe se foi para proteger as suas reputações profissionais, ou por qualquer outra coisa, os conselheiros municipais contrataram o serviço, mas, convenientemente, não assinaram o contrato.

Tudo acertado, pelo menos aparentemente, Charles Hatfield e seu irmão Paul começaram a trabalhar em janeiro de 1916, ironicamente numa sexta-feira 13. Instalaram seu aparato de fazer chuva, um conjunto de torres de madeira com reservatórios na ponta, onde colocavam copiosas doses do elixir da precipitação, a leste do lago Morena. Ao anoitecer, a cidade já recebia as primeiras gotas da abençoada chuva. No final de semana, a situação começava a ficar perigosa, pois não parou mais de chover. Hatfield e Paul continuavam trabalhando. Mais e mais elixir de precipitação na atmosfera. E a chuva continuava. Os problemas se avolumavam. Alagamentos causavam a destruição de estradas, de pontes e de casas. Deveria o conselho municipal admitir o seu acordo com Hatfield e pedir-lhe para parar?

Foram 14 dias com chuvas ininterruptas, um recorde jamais quebrado. Pelo contrato, os honestos cidadãos de San Diego deviam US$ 10 mil a Charles Hatfield. Mas, na hora do acerto, o não tão honorável conselho municipal se negou a pagar a conta, alegando que o contrato não havia sido devidamente assinado. E mais, queriam uma indenização de US$ 3,5 milhões pelos prejuízos causados com as chuvas provocadas por Hatfield. Insistiam que ele não deveria ter proposto o trabalho, já que não conseguia manusear seguramente a chuva produzida. Ao que, Hatfield argumentava: "Eu prometi que iria fazer chover. Eu nunca disse que poderia fazer parar de chover". Começava ai uma longa batalha nos tribunais, que nunca teve solução. Porém, contribuiu para aumentar a sua fama. Hatfield deixou San Diego e seguiu sua exitosa carreira por mais uma década. Surgiram novos contratos, inclusive internacionais (plantações de banana em Honduras).

O responsável pelo fim dos fazedores de chuva não foi nenhum fracasso, a descrença popular, a vitória da ciência ou da campanha de descrédito movida contra eles pelo serviço meteorológico americano. Nada disso. Foi a grande depressão vivida na economia dos Estados Unidos, nos anos 30 do século 20. Mais que a chuva, secou o dinheiro. Não havia mais espaço para este tipo de extravagância na combalida economia americana.

Charles Mallory Hatfield morreu em 1958. E com ele foi para o túmulo o segredo do elixir da precipitação. Todavia, viveu tempo suficiente para ver as primeiras experiências de nucleação/semeadura de nuvens com aviões, visando provocar chuvas. Algo familiar aos fazedores de chuva. Esta prática já teve a sua vez no Brasil. Começou no Nordeste com a Fundação Cearense de Meteorologia (Funceme) e seus aviões que bombardeavam nuvens para fazer chover, e chegou até o Rio Grande do Sul. Nos anos 80, por ocasião de uma seca severa, o trabalho dos aviões da Funceme foi cogitado/contratado pela associação dos arrozeiros da fronteira oeste do RS. Em decorrência dos poucos resultados apresentados, esta prática acabou sendo deixada de lado no país.

E por falar em semeaduras de nuvens, eis que, no meio de uma das piores estiagens que assolou o sul do Brasil nos últimos anos, surge o engenheiro paulista Takeshi Imai e o seu projeto de Modificações Naturais do Clima e do Ambiente (Modclima), com o bimotor Asteca especialmente preparado para borrifar microgotas de água nas nuvens, induzindo a formação de chuva.

Novos tempos, algumas experiências bem sucedidas, nova tecnologia e o aval do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (o famoso ITA, de São José dos Campos) garantem a credibilidade da proposta. Vale esperar e conferir os resultados. De qualquer forma, no rastro do que aconteceu na Califórnia, seria oportuno considerar se Takeshi Imai sabe fazer parar de chover. Com essas coisas não se brinca.

Hoje, pelo que se conhece, levando em conta a quantidade de energia envolvida nos sistemas meteorológicos que causam chuvas, as ações dos fazedores de chuva (os do passado), por mais espalhafatosas que fossem, não eram capazes de provocar chuvas. Aos interessados no assunto, recomenda-se o excelente artigo escrito por Nick D'Alto: "The Rainmakers: Dreams and Schemes to Open the Clouds" (Weathewise, September/October 2000, p.27-33).

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