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Os Bernoullis


Gilberto R. Cunha

Gente pra lá de complicada eram os Bernoullis. Você, certamente, já ouviu falar deles. Formaram uma verdadeira dinastia de sábios. Nunca houve, pelo que se conhece, um Bernoulli que fosse intelectualmente medíocre. Os membros dessa família notabilizaram-se nas ciências, nas artes, na literatura, no direito, na medicina, na administração e em muitas outras profissões eruditas do passado. Pelo menos nove Bernoullis atingiram a condição de celebridade na sua época. Estavam entre os maiorais de então. Mas, há sempre um mas, apesar da genialidade, constituíam uma família assaz briguenta e ciumenta, que cultivava no seu seio sentimentos pouco nobres: amargura, competição e inveja.

O patriarca da família, Nicolaus Bernoulli, foi um abastado comerciante da Basiléia (Suíça), cujos antepassados protestantes, por perseguições religiosas, haviam deixado a Antuérpia (Bélgica) por volta de 1585. Teve vida longa (1623 a 1708) e três filhos famosos: Jacob, Nicolaus (conhecido como Nicolaus I) e Johann.

Jacob Bernoulli foi um grande professor de Matemática, sendo aclamado em toda a Europa. Descobriu, por exemplo, no seu livro, Ars conjectandi (A arte da conjectura), a Lei dos Grandes Números. Ele é descrito como uma pessoa de temperamento bilioso e melancólico. Tinha um relacionamento tão tumultuado com o pai que adotou como lema: Invito patre sidera verso ( “Estou entre os astros, não obstante meu pai”).O irmão mais novo, Johann, matemático célebre e pai de Daniel (o mais famoso dos Bernoullis), ficou rotulado na história da ciência como violento, ofensivo e, quando necessário, também desonesto.

Houve ainda o filho do irmão do meio (Nicolaus I), conhecido como Nicolaus II, que, com a morte do tio Jacob, em 1705, e com apenas 18 anos, foi encarregado de concluir o livro (que estava quase pronto) do tio famoso: A arte da conjectura. Esse Nicolauzinho levou oito anos nessa tarefa. Na introdução, justifica o atraso pelas suas viagens e inexperiência. Merece o benefício da dúvida, pois, nesse período, consultou muitas opiniões a respeito do livro, inclusive a de Isaac Newton. E, para complicar ainda mais, Daniel tinha um irmão mais velho, também de nome Nicolaus, que acabou cognominado de Nicolaus III. Ele foi um destacado sábio (quando tinha oito anos falava quatro idiomas, tornando-se doutor em Filosofia na Basiléia, aos 19). Iniciou Daniel na Matemática.

Em 1725, os irmãos Nicolaus III e Daniel foram para São Petersburgo. Nicolaus III morreria oitos meses depois. Daniel permaneceu em São Petersburgo até 1733, quando retornou à cidade natal da Basiléia para lecionar Física e Filosofia. E, exatamente por essa época, começaram as grandes encrencas de Daniel com o pai, Johann. Se bem que nunca viveram às mil maravilhas antes. Johann havia tentado transformar Daniel em um homem de negócios, depois o mandou estudar Medicina; mas ele queria mesmo era ser matemático.

Daniel Bernoulli submeteu um trabalho sobre astronomia ao grande prêmio da Academia de Ciências de Paris. Seu pai Johann fez o mesmo. Os dois foram aclamados vencedores e dividiram o prêmio, em 1734. Johann ficou furioso com o resultado e acabou expulsando Daniel de casa. O pai era um homem célebre, mas não conseguia conviver com o êxito do filho. Quando, em 1738, foi publicado o clássico Hidrodinâmica, de Daniel Bernoulli, Johann, possuído pelo ciúme, não se conteve. Escreveu um livro parecido, chamado Hidráulica, que saiu em 1739, mas que ele, propositadamente, datou de 1732, para passar a idéia de que fora pioneiro no tema e Daniel o plagiara.

O comportamento de Daniel Bernoulli sugere que seu espírito era melhor que o do pai. Não ignorava o talento de Johann. Tanto é assim que, no frontispício do seu Hidrodinâmica, escreveu: “Daniel Bernoulli, filho de Johann”. Também assinou trabalhos com seu irmão mais novo, Johann (II) Bernoulli. Foi vencedor de 10 prêmios, na cobiçada Academia de Ciências de Paris, sendo glorificado quando ainda vivo. Morreria na Basiléia, em 1782.

Reflexão: se até os gênios têm as suas disputas de beleza, imagine o que sobra para os mortais comuns.

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