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O poder de tributar: o círculo vicioso que aterroriza o contribuinte


José Osvaldo Bozzo
Cercados por um verdadeiro cipoal de leis, decretos, etc., os contribuintes não têm como acompanhar essas alterações, que trazem à tona constantes ataques à integridade da Constituição Federal
1999. Foi o ano que publiquei um artigo parecido com este. Remoendo meus arquivos, dei-me de encontro com esta “pérola”. O mais interessante de tudo isso é que nada mudou. Não se trata de uma republicação e sim de uma lembrança. Talvez sirva-nos, como me serviu, para relembrar o passado. O título, eu fiz questão de manter intocável. Parece-me bastante casuístico. Naquela década já havia muitas disputas judiciais, como nos dias atuais, entre os contribuintes e os governos Estadual e Federal, principalmente por questões de natureza tributária.
Nos últimos anos, tornaram-se rotineiras as modificações na Legislação Tributária, surpreendendo os contribuintes não apenas pelo constante afrontamento aos princípios constitucionais como pela intenção precípua do legislador de aumentar a receita, porém, jamais o de aperfeiçoar o sistema tributário. Cercados por um verdadeiro cipoal de leis, decretos, atos declaratórios e normativos, pareceres, etc., os contribuintes não têm como acompanhar essas alterações - que acabam não logrando êxito nos tribunais superiores - e se veem às voltas com o desconhecimento do nosso ordenamento jurídico, bem como dos constantes ataques à integridade da Constituição Federal.
MEDIDAS EM 1999 - No início daquele ano, foram reeditadas inúmeras medidas de ajuste fiscal, especificamente com relação à apuração das bases de cálculo do PIS e da Cofins, tendo em vista enfatizar a tal da aplicabilidade legal e fiscal de uma questão muito conhecida na época. O tal do conceito de “faturamento”. Foram elas: a Lei nº 9.718, de 27 de Novembro de 1998, a Emenda Constitucional nº 20, de 15 de Dezembro de 1998, a Medida Provisória nº 1.788, de 29 de Dezembro de 1998 – posteriormente convertida na Lei nº 9.779, de 19 de Janeiro de 1999 - e, finalmente, a Medida Provisória nº 1.807, de 28 de Janeiro de 1999.
Aquela Lei, de nº 9.718/98, veio ampliar as bases de cálculo em absoluta desarmonia com definição constitucional, já que determinou a incidência das contribuições do PIS e da Cofins não sobre o faturamento - cujo conceito já era estabelecido pela legislação do imposto de renda -, mas sobre a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica. Como se não bastasse, posteriormente, a Emenda Constitucional nº 20, que alterou o artigo 195 da Constituição Federal, autorizou, a partir de 1º de Fevereiro de 1999, a instituição de contribuições com base na receita ou faturamento, outorgando legitimidade à exigência da Cofins devida sobre a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica. Naquela ocasião, o entendimento manifestado pelos juristas foi no sentido de que, tendo em vista a autorização para compensar a parcela majorada de 1% com a contribuição social sobre o lucro, tal procedimento acarretaria a desfiguração da referida contribuição, uma vez que exigi-la sugeriria a inconstitucionalidade, seja por desconformidade com o princípio das contribuições contido no artigo 195 da Constituição Federal - que veda a incidência sobre o "não-lucro" -, seja, ainda, por contrariar os princípios da isonomia.
Com o objetivo de maximizar ainda mais a arrecadação, foi majorada, também, a base de cálculo do PIS, que passou a incidir sobre a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica. No entender dos especialistas, aquele dispositivo era passível de discussão judicial, uma vez que o mesmo afrontava diretamente a Lei Complementar nº 7/70, bem como não tinha força de alteração do artigo 239 da Constituição Federal.
E ASSIM SE VAI A CARTA MAGNA - Certo é que na ocasião o legislador limitou o acesso dos contribuintes à Justiça, pois majorando a alíquota e a base de cálculo da Cofins, mediante o artigo 41 da Lei nº 8.981/95, instituiu-se uma penalidade para as empresas que não se submetessem às imposições tributárias, ainda que ilegítimas e inconstitucionais. Houve um cerceamento e desestímulo às pessoas jurídicas de questionar os tributos tidos como inconstitucionais, ou seja, uma afronta à Carta Magna, documento esse que consagra os direitos e garantias dos brasileiros residentes no território nacional - que sequer podem ser alterados por emendas constitucionais. E tem mais. Não bastasse o contribuinte ter de consumir recursos para garantir a suspensão da exigibilidade do crédito tributário ilegítimo e inconstitucional, ele tinha, e tem até hoje, que pagar imposto de renda sobre o valor questionado judicialmente; caso contrário, poderá ser autuado por redução indevida do lucro real. Tributo nenhum pode se constituir sanção pelo exercício de um direito assegurado pela Contribuição Federal.
Outra questão que passou a ser comum em nosso Direito é a aplicabilidade, em determinadas circunstâncias, de Lei Ordinária sem o devido respaldo jurídico, ou seja, sem que ela esteja amparada por Lei Complementar. A Constituição Federal estabelece que as normas ordinárias que instituírem as contribuições, bem como a definição de tributos, suas espécies e respectivas bases de cálculo devem ser embasadas em Lei Complementar. A ela cabe estabelecer normas gerais em matéria tributária, regulando as limitações constitucionais para salvaguardar direitos subjetivos dos contribuintes; cabe também prevenir a ocorrência de conflitos de competência entre pessoas jurídicas de direito público, credenciadas para legislar sobre a matéria tributária ou mesmo autorizar a instituição de tributos não expressamente previstos na Carta Magna.
LEI COMPLEMENTAR - Quando a Contribuição exige Lei Complementar para embasar e lastrear determinadas normas infraconstitucionais, dentre elas as que regulam a definição da base de cálculo, a inobservância desse preceito constitucional torna a Lei editada inválida, uma vez que contém vício suprível apenas com a edição de Lei Complementar que venha a embasá-la e recepcioná-la expressamente.
O artigo 146 da Constituição Federal estabeleceu a função da Lei Complementar. No inciso III, alínea "a", prevê-se explicitamente a competência dessa modalidade de Lei para estabelecer normas gerais em matéria tributária, especialmente sobre a definição de tributos expressamente nela descriminados, suas espécies, fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. Portanto, somente mediante Lei Complementar poderá a União definir base de cálculo, além das previstas nos incisos I a III do artigo 145 da Constituição Federal.
Voltando à questão da majoração de eventual base de cálculo, a Lei Ordinária deve estar amparada por Lei Complementar, com a exclusividade e indelegável competência para legislar sobre aspectos relacionados à definição de tributos, fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, sob pena de os dispositivos constitucionais que impõem a reserva de Lei complementar ser afrontados.
Curiosamente, na ocasião, nenhum ponto da Emenda Constitucional nº 20/98 dispunha sobre referidas alterações à contribuição para PIS e sua base de cálculo. Tampouco foi alterado o artigo 239 da Constituição Federal, no qual se encontra consubstanciada seu fundamento de validade. Por derradeiro, a afronta à Lei Complementar nº 7/70.
Tudo isso sugere que esteja faltando aos órgãos competentes o compromisso com uma Legislação cuja aplicabilidade seja transparente, deixando de lado o círculo vicioso que tem influenciado nosso ordenamento jurídico. Utilizado apenas como fonte de arrecadação, desvirtua-se a função essencial do tributo: servir à sociedade como recurso para suprir as necessidades públicas.
Talvez a única salvaguarda que restam aos contribuintes seja o Refis, promulgado pela tão esperada Lei nº 12.865/13. Afinal, não foi à toa que o Governo propôs um parcelamento de bilhões de reais a determinados setores da Economia, haja vista estes estarem discutindo há anos a questão do faturamento. Pensando bem, quão calamitosa foi a tal Lei nº 9.718, de 1998!

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