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O falso problema do trigo gaúcho


Gilberto R. Cunha

Um certo ceticismo (doutrina professada por aqueles que duvidam de tudo e se caracterizam pela descrença) costuma rondar a triticultura gaúcha, a cada nova safra que se aproxima. Depoimentos de agricultores, opiniões de técnicos e lideranças dos diversos segmentos que compõem a cadeia produtiva do trigo no Brasil, mobilizações de organizações de produtores (Trigo: Sim ou Não? e Insumo Zero, por exemplo) e diferentes eventos (seminários, reuniões, fóruns, encontros, etc.), sem apontar caminhos (concretos e factíveis), tem servido para semear dúvidas e desesperança. Não obstante, ninguém ignora o potencial para produzir trigo no Rio Grande do Sul e a importância dessa cultura (para nós e para o mundo). Diante disso, pelo menos sobre a questão da viabilidade técnica do cultivo de trigo no RS (e também econômica), mais que qualquer outra coisa, parece que vivemos pranteando um falso problema.

Depois de duas safras consecutivas com produções que superaram os dois milhões de toneladas, por mais paradoxal que possa parecer num país que consome 10 milhões de toneladas e produziu apenas 60% dessa quantia em 2004, o problema de mercado para o trigo gaúcho, em pleno período de semeadura (que se estende de 1º de maio até 31 de julho), assumiu o centro das discussões que envolvem a tomada de decisão sobre o cultivo desse cereal em 2005.

Estima-se uma demanda anual de trigo no Rio Grande do Sul da ordem de 1,12 milhão de toneladas (setor industrial, reserva de sementes e outros usos). Considerando-se as importações da Argentina (por necessidade de misturas, como alega o setor moageiro) e o que tem sido produzido, fica fácil depreender que está sobrando trigo no estado. A saída: exportar para fora do país ou para outros estados da federação. Em 2003, por uma contingência de mercado (frustração em alguns países grandes produtores) e uma situação cambial favorável, o trigo gaúcho acabou conquistando espaço no mercado internacional. Em 2004 tal fato não se repetiu, e tudo indica que tampouco possa ocorrer em 2005. Resta o mercado interno, suas demandas de qualidade (especialmente pela classe pão) e expectativas de preço, na melhor das hipóteses, definidas pelo teto de paridade com o produto importado.

Uma situação de frustração com a seca na safra de verão (descapitalização do produtor) e o dilema de confrontar custos de produção elevados e preços futuros pouco atraentes, no caso do trigo, exige mais que raciocínios simplistas e decisões apressadas. Primeiro: não há como ignorar, embora sem desconsiderar as outras opções (cevada, aveia branca, triticale, canola e centeio), que trigo é a principal cultura de inverno nos sistemas de produção de grãos no Sul do Brasil. A única com capacidade de ser cultivada em grande escala e agregar renda (e não meramente gastos com cobertura de solo). Segundo: o trigo não exige ativos específicos (usa-se a mesma estrutura de máquinas e equipamentos utilizada nos cultivos de verão). Terceiro: trigo no sistema de produção é um poderoso auxiliar na diluição dos custos fixos da propriedade (caixa e não-caixa). E, por último, uma análise utilitária deve ser feita com base nos valores deixados em margem pela cultura de trigo, a partir do confronto entre a realidade de cada produtor, seus custos e expectativas de preço de venda. Aí, mesmo não sendo algo absoluto, entra o que se conhece como “utilidade marginal decrescente”: para alguns, o trigo, em margem, possibilita ganhos que podem não atrair quem tem outras oportunidades de renda. Para outros ocorre exatamente o inverso.

A visão de viabilização técnica da produção e posterior negociação de preços com o governo mudou (mesmo que ainda não percebido por muitos) para o ajuste do sistema de produção às possibilidades de preço pago pelo mercado. Tecnologia e estratégias para se produzir trigo com competitividade existem. Todavia, mercado para o trigo gaúcho e brasileiro (apesar do marco da exportação de 1,3 milhão de toneladas da safra 2003 e dos mecanismos de apoio à comercialização do Governo Federal), na escala das nossas potencialidades, parece ainda ser uma questão a conquistar.

(Gilberto R. Cunha é pesquisador da Embrapa Trigo, de Passo Fundo/RS.)

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