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O desgoverno da moderna biotecnologia no Brasil.


Reginaldo Minaré

Uma situação de desgoverno é caracterizada, principalmente, pela ausência de administração ou pelo seu exercício de forma desordenada, onde falta planejamento e direção na coordenação de um negócio ou de um interesse.

No Brasil, pesquisadores e administradores de empresas, ao planejarem suas linhas de pesquisas e investimentos, esbarram na seguinte dificuldade: como planejar ações na área de desenvolvimento e uso de biotecnologia oriunda da engenharia genética?

Quem afirmar ser possível realizar um planejamento seguro neste segmento, certamente estará especulando. Principalmente, se a atividade envolver organismos geneticamente modificados – OGMs destinados ao uso agrícola.

A Administração Pública tem seguido o entendimento, que já é tradição na República, de que produzir lei é esforço suficiente para resolver os problemas, dispensando assim o Governante e seus auxiliares de um empenho maior no árduo trabalho de planejar e administrar de forma eficiente os assuntos de interesse do Estado.

De 1997 a 2002, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio emitiu pareceres favoráveis à realização de 621 experimentos de campo com organismos geneticamente modificados - OGMs, ou seja, uma média anual de 103,5 experimentos. Já de 2003 a 2005, a CTNBio emitiu 40 pareceres em pedidos de experimentos de campo com OGMs, uma média anual de 13,3.

Entretanto, o que mais chama a atenção não é o fato da soma de experimentos realizados nos três últimos anos ser menor que o número de experimentos realizados, considerando a média anual, de um único ano no período anterior a 2003.

Efetivamente, o que mais chama a atenção é o fato de que, de 1997 até 2006, dois produtos apenas foram aprovados para uso comercial na agricultura. A soja tolerante ao glifosato e o algodão resistente a insetos.

Cabe ressaltar que não foi por falta de pedido de liberação comercial, visto que de 1998 até 2006, vários foram protocolizados na secretaria da CTNBio. Por exemplo, milho tolerante a glufosinato de amônio, milho tolerante a insetos, arroz tolerante a glufosinato de amônio, algodão tolerante ao glufosinato de amônio e algodão tolerante ao glifosato.

Percebe-se, portanto, o grande descompasso entre o processo de pesquisa e desenvolvimento de biotecnologias e a conclusão do processo de inovação tecnológica.

A inovação pode ser entendida como processo de produção, assimilação e exploração econômica e social de uma novidade. Na medida que uma empresa, pública ou privada, consegue um produto ou processo de produção inovador, ganha terreno diante da concorrência, que se vê na obrigação de também inovar para continuar sendo competitiva. Quem sai na frente, além de ter maior garantia de recuperação do investimento feito no processo de inovação, pode aumentar os lucros ao longo do tempo que a concorrência levar para poder também inovar e, ainda, conquistar mais mercados.

No Brasil, após 15 meses da publicação da Lei 11.105/05, o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS ainda não formulou nem implementou a Política Nacional de Biossegurança – PNB, prevista no artigo 8º da Lei 11.105/05. Em outras palavras, temos uma Lei de Biossegurança para a engenharia genética, mas a população, os pesquisadores e os investidores não conhecem a política do Governo Federal para o setor.

Ao CNBS cabe avaliar em última instância, quanto aos aspectos da conveniência política e oportunidade socioeconômicas e de interesse nacional, qualquer pleito de liberação comercial de OGMs, podendo vetar o uso comercial do OGM, mesmo após a CTNBio emitir decisão técnica favorável, jogando por terra todo investimento feito ao longo do processo de pesquisa e desenvolvimento tecnológico.

Diante do que foi argumentado, resta evidente que uma política clara e bem delineada, que torne possível aos administrados conhecer o que o Governo Federal pensa e quer para o setor, é fundamental para evitar que se faça investimentos em área onde a inovação tecnológica não seja pretendida pelo Governo por questões de conveniência política e oportunidade socioeconômicas e de interesse nacional.

Além disso, uma posição inequívoca do Governo Federal pode eliminar o que atualmente é considerado o principal entrave aos trabalhos da CTNBio com relação aos pleitos de liberação comercial de OGMs: a divergência de posições entre os representantes do próprio Governo Federal na Comissão.

Cabe ressaltar, ainda, que os investimentos neste campo do conhecimento não são pequenos, visto que preparar uma empresa ou universidade, pública ou privada, para atuar neste segmento exige investimentos significativos, como construção de laboratórios, aquisição de equipamentos, materiais básicos, contratação de mão-de-obra especializada e pagamento do custo mensal da manutenção da estrutura e dos profissionais.

Pode-se concluir, portanto, que investir atualmente em biotecnologia moderna no Brasil é uma ação de elevado risco.

 

 

 

Brasília, 21 de junho de 2005.

 

 

 

Reginaldo Minaré

Advogado e Diretor Jurídico da ANBio.

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