CI

Na contramão da biotecnologia


Reginaldo Minaré

Apresentado na Câmara dos Deputados em 23/10/2007, o Projeto de Lei - PL nº 2.262/07 tem como objetivo a modificação de dois artigos da Lei 11.105/05 (Lei de Biossegurança) para impedir a clonagem de qualquer espécie animal. Na justificação do projeto o autor, deputado Carlos Willian (PTC-MG), argumenta que “a clonagem de animais representa distorção inaceitável dos processos naturais, uma violência à natureza e um risco de disfunções ocasionadas pela indevida intervenção humana no natural e milenar processo de reprodução das espécies”. Procurando impedir aquilo que considera representar “grandes riscos à saúde humana e à vida na Terra”, propõe a modificação dos artigos 6º, inciso IV, e 26, ambos da Lei de Biossegurança.

A redação atual do inciso IV do referido artigo 6º proíbe a clonagem humana e o artigo 26 tipifica como crime a conduta de clonar seres humanos, estabelecendo pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa.

Analisando a redação do mencionado PL, salta aos olhos seu descompasso com a biotecnologia já praticada no Brasil e o pouco apreço ao princípio da dignidade humana.

Cabe observar que a prestação de serviço no campo da clonagem de animais de elite no Brasil já representa um dos mais promissores mercados no campo da economia baseada no conhecimento, gerando empregos especializados e produtos com grande valor agregado. A clonagem de animais comercialmente valiosos, de animais geneticamente modificados, de animais de estimação e animais em extinção vem despertando a atenção no mundo todo e no Brasil não é diferente, principalmente com relação à clonagem de bovinos e eqüinos com elevado valor de mercado. Neste campo, as empresas brasileiras já instaladas não só estão preparadas para atender ao promissor mercado interno mas já negociam a prestação desse serviço com clientes de diversos países. Com o plantel de animais que a pecuária nacional detém, somado à capacidade científica que desponta nesse segmento, o país tem forte potencial para ser um dos grandes prestadores de serviço no campo da clonagem. Segmento que será significativamente potencializado quando a capacidade científica no campo da modificação genética de animais for aprimorada no Brasil.

Atualmente, o método da clonagem por meio da transferência nuclear é o que melhor apresenta resultados quando se pretende produzir um animal geneticamente modificado, seja uma cabra que produzirá o fator IX de coagulação, uma vaca modificada para produzir mais leite ou um porco que teve silenciado o gene que se acredita ser responsável pela rejeição no procedimento de transplante de órgãos para humanos. No processo de produção de um animal transgênico, modifica-se uma célula do animal que se pretende criar e, posteriormente, retira-se o núcleo da célula modificada e o introduz no lugar do núcleo de um óvulo.

Verifica-se, portanto, que além de ser um projeto de lei totalmente na contramão da inovação tecnológica, o PL nº 2.262/07 está também na contramão do que é disposto pela Constituição Federal, cujo § 3º do artigo 218 estabelece que a pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.

Mas as deficiências do projeto em análise não fica por aqui. Ao propor a modificação do artigo 26 da Lei 11.105/05, para incluir a clonagem de animais no mesmo artigo que criminaliza a clonagem de seres humanos, mantendo a mesma pena para ambos os casos, o projeto fere de morte o princípio da dignidade humana. Não é admissível que cada bem jurídico protegido pelo tipo penal criado seja valorado com os mesmos princípios. Por mais que eu goste de um leitão, não posso admitir que quem realiza a clonagem de um ser humano seja punido com a mesma pena que puniu aquele que clonou um porco.

Decididamente, o projeto de Lei nº 2.262/07 deve ser rejeitado. Inclusive, para não ficar apensado ao projeto do falecido médico sanitarista e político Sérgio Arouca, que deve ter ficado um pouco assustado com a proposta que aqui na Terra apensaram ao projeto de sua autoria número 1153/95 que propõe a regulamentação do inciso VII, do parágrafo 1º do artigo 225, da Constituição Federal, estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais.

Reginaldo Minaré
Advogado e Diretor Jurídico da ANBio
[email protected]

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.