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Morosidade na aprovação de agrotóxicos “genéricos” e transgênicos: descaracterização do Estado Democrático de Direito.


Reginaldo Minaré

Produzir, comercializar, transportar ou aplicar agrotóxico sem o prévio registro exigido pelo artigo 3º da Lei 7.802/89, configura infração administrativa e o crime previsto no artigo 15 desta lei, cuja pena vai de 2 a 4 anos de reclusão mais multa.

O uso de semente geneticamente modificada ainda não autorizada para uso comercial, constitui crime previsto no artigo 29, da Lei 11.105/05, com pena de 1 a 2 anos de reclusão mais multa e, também, infração administrativa.

Além dos crimes acima mencionados, o Código Penal, em seu artigo 334, estabelece que está sujeito à pena de um a quatro anos de reclusão, aquele que vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem.

Verifica-se, portanto, que o que não falta é tipo penal para "enquadrar" aqueles que são apanhados praticando as atividades acima mencionadas. Inclusive, dependendo da situação, até o instituto do concurso formal de crimes, previsto no artigo 70 do Código Penal, pode ser aplicado, o que agrava a situação do agente.

Contudo este aparato normativo repressivo não se mostra suficiente para impedir o contrabando de agrotóxicos de países vizinhos e o uso indevido de sementes geneticamente modificadas, que na maioria dos casos são também contrabandeadas. Basta uma rápida pesquisa na Internet para constatar que estas práticas, que não começaram agora, estão aumentando e existe a previsão de que em algumas regiões o uso de agrotóxicos contrabandeados atingirá 50%.

Considerando a relevância do tema, seria muito simplista defender a majoração das penas previstas para os crimes acima referidos ou transformá-los em hediondos, como medida eficaz para fortalecer o combate destas práticas. Certamente não resolveria o problema.

Uma reflexão séria sobre os elementos que motivam a realização de tais ações e a busca por medidas preventivas, poderia ser iniciada com as seguintes perguntas: Porque o Poder Executivo demora tanto para registrar um agrotóxico, especialmente um similar ou "genérico"? Porque os agrotóxicos nos países vizinhos são significativamente mais baratos do que no Brasil? Porque diversos transgênicos que são utilizados por agricultores de vários países não são ainda permitidos para uso no Brasil? Porque o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS ainda não formulou a Política Nacional de Biossegurança –PNB?

Cabe observar, que tanto a Lei 7.802/89, que regulamenta o uso de agrotóxicos, quanto a Lei 11.105/05, que disciplina o uso dos transgênicos, são garantidoras de direitos, ou seja, garantem aos interessados o direito de produzirem e utilizarem agrotóxicos, inclusive similares ou "genéricos", e organismos geneticamente modificados – OGM, desde que cumpram as exigências previstas nas mencionadas leis e seus regulamentos.

Neste ponto, ou seja, no campo dos regulamentos das leis e execução dos mesmos, a reflexão proposta poderia dedicar atenção especial, visto que fortes argumentos para as respostas às perguntas acima formuladas podem ser aqui encontrados.

Quando, por falta de regulamentação ou devido ao fato de que o regulamento estabelecido ou a forma como é executado não garante, dentro de prazos e condições razoáveis, o exercício seguro de direitos garantidos por leis que foram aprovadas pelo Congresso Nacional, a Constituição Federal deixa de ser cumprida, ou seja, ocorre a descaracterização do Estado Democrático de Direito, que é suplantado por um Estado Burocrático de Direito que não foi legitimado pelo procedimento democrático. Trata-se de um fenômeno indesejado e extremamente grave, mas de difícil correção.

Se por um lado o Estado dispõe de diversos meios para punir, de forma objetiva e rápida, aquele que não cumprir, por exemplo, o que é disposto na Lei de Agrotóxicos ou na Lei de Biossegurança e seus regulamentos, por outro o interessado na adequada e eficiente aplicação destas normas não dispõe de instrumentos semelhantes para exigir, também de forma rápida e objetiva, a viabilização do exercício do direito que lhe é assegurado pela lei.

Uma situação assim estabelecida transforma o administrado em refém do emaranhado burocrático travestido de regulamentação e procedimento necessário e, dependente da "boa vontade" política do Poder Executivo, visto que provar que a incompetência ou a má fé nestes casos demanda tempo, dinheiro e disposição para enfrentar um Poder constituído que possui uma série de instrumentos para retaliar quem o afronta.

Atualmente, esquecendo que se trata de um direito garantido por lei, o Poder Executivo tem comemorado a emissão de um raro e esporádico registro de agrotóxico similar ou "genérico" e feito alarde ao noticiar que retomará a avaliação de processos de liberação comercial de OGM, como se não fosse uma obrigação sua, para a qual inclusive já está em mora, mas sim um favor feito e que faria principalmente aos agricultores.

Cabe ao Congresso Nacional, neste caso, atuar com maior rigor e fiscalizar com mais profundidade os atos do Poder Executivo no processo de regulamentação e execução dos regulamentos das leis acima mencionadas.

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