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Estudo de Caso: Emerson


ANDRE MARQUES VALIO
Nos primeiros anos de carreira, minha liderança era limitada dentro das companhias nas quais eu trabalhava. Meu time consistia em técnicos, agrônomos trainees, auxiliares de escritório e escriturários.
Mas tive a sorte de ter tido chefes que sempre acreditaram no meu potencial e me ofereceram rapidamente posições de maior responsabilidade dentro do organograma.
Na minha primeira posição na qual tive que realmente aprender o que era liderança, passei de apenas 5 subordinados para um exército de mais de 200.
Então a rotina de trabalho mudou drasticamente. Passava a maior parte do expediente atendendo as pessoas, muito mais como psicólogo do que como técnico. As rotinas de planejamento, controle orçamentário, follow ups para a diretoria e suporte aos outros departamentos ficavam muitas vezes relegados à extensão do horário (sempre após às 17h).

Dentre as muitas decisões que estava sendo demandado a tomar, surge o Gerente de RH que me procura e coloca um problema:
Nós tínhamos uma colônia de trabalhadores na usina (naquela época ainda era algo comum dentre as usinas tradicionais…) na qual moravam aproximadamente 100 famílias. Uma delas era considerada especial, pois o trabalhador responsável por ela era estratégico para as nossas operações.
Este trabalhador estava no segundo casamento e sua nova esposa tinha um filho de 18 anos chamado Emerson (nome fictício) e este jovem estava tendo grande dificuldade de achar emprego (e sua mãe estava pensando em se mudar para a cidade por isso, já que a usina ficava a uma considerável distância de qualquer perímetro urbano).
Meu antecessor já tinha tentado amenizar a situação, contratando o Emerson como trabalhador temporário (safrista) para atuar como expedidor de notas nas frentes de colheita e, posteriormente como auxiliar na oficina de manutenção automotiva. A estratégia foi totalmente fracassada, pois na frente de serviço o Emerson discutiu com um motorista e por pouco ambos não foram a um confronto físico. Já na divisão automotiva, o Emerson foi dispensado por baixa produtividade no trabalho.
Mas eu precisava resolver o caso do Emerson, pois do contrário poderia perder seu padrasto como profissional estratégico para a companhia.
Decidi chamar o Emerson e minha primeira pergunta foi:
AMV: Já te demos 2 chances de trabalho e você não soube aproveitar nenhuma. Por que eu deveria te dar uma terceira?
Emerson: Dr., eu tenho um sonho, eu quero crescer na vida… eu parei de estudar, mas gostaria muito de voltar. Eu gosto muito de computador e eu quero muito aprender. No serviço que a usina me deu, eu não nenhuma possibilidade de me desenvolver. Não estava buscando meus sonhos.
(Com esta resposta, o Emerson me sensibilizou. Eu tinha grandes limitações em elevar a produtividade do trabalho, de implantar novos processos por não ter mão-de-obra qualificada e ao mesmo tempo um garoto querendo uma chance de se desenvolver. Tomei então uma decisão pouco convencional):

AMV: Quais são as garantias que você não vai voltar a dar problemas e que vai voltar a estudar?
Emerson: Se o Dr. me der uma chance, vai ter o melhor empregado que já teve e eu vou amanhã mesmo fazer a matrícula na escola.
AMV: Se você me trouxer o comprovante de matrícula, eu solicito a empresa uma bolsa de estudos para você e te coloco na função de balanceiro-reserva. Mas você vai ter que trabalhar duro, vai se sujar e vai enfrentar a dura rotina de safra numa operação 24×7.
(Emerson me cumprimentou com os olhos brilhando e saiu rapidamente como quem tivesse que fazer algo com muita urgência. Dois dias depois Emerson estava me esperando na porta do escritório às 6am).
Emerson: Dr., está aqui o comprovante de matrícula no curso supletivo. E também gostaria de pedir um outro favor.
AMV: Qual favor?
Emerson: Eu fui ao Senai, pois queria muito fazer um curso de AutoCad. Lá eles me deram este documento para que o Dr. pudesse assinar. O curso é gratuito, mas ele é oferecido somente para quem trabalha na indústria e por isso eu preciso da tua assinatura para poder me matricular.
(esta pro-atividade me surpreendeu e fiquei com mais certeza que estava fazendo a coisa certa…)
AMV: Você começa a trabalhar na próxima semana. Agora você deve ir ao RH e entregar toda a documentação para que nós possamos contratá-lo e, com isso, já poderei assinar o teu documento de autorização para matrícula no Senai.
(nisso, Emerson começou a chorar e agradecer compulsivamente a oportunidade de seguir na trilha do seu sonho…).
Mas, como gestor, fiz questão de acompanhar de perto o desenvolvimento profissional e acadêmico do Emerson. Todos os meses o Emerson me enviava um boletim de desempenho, tanto nos cursos de AutoCad como no Supletivo. Em 1 ano, ele cursou os módulos básico, intermediário e avançado do software e concluiu o ensino médio. Com excelente performance como balanceiro-reserva, assumiu rapidamente a posição de balanceiro titular e, ao final da safra, como controlador de tráfego.
O contrato do Emerson ainda era de safrista e em Dezembro decidi efetivá-lo. Na entressafra eu o chamei para integrar o time de topografia e pela a primeira vez ele pôde utilizar seus conhecimentos recém-aprendidos em informática.
Para mim, ter conseguido identificar o que realmente motivava o Emerson a ser um colaborador dedicado, fiel e eficiente gerou um sentimento de dever cumprido, de ter dado a chance a quem era desacreditado por todos, mas que tinha potencial e, principalmente, de ter permitido a alguém realizar um sonho.
Ser gestor também é gerar felicidade e realização pessoal e profissional do seu time.

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