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Endividamento – Qual a responsabilidade dos demais agentes da cadeia?


Eleri Hamer

Ao escrever esta coluna me lembrei do que me ocorreu numa consultoria há algum tempo. Ao fazer o levantamento dos dados necessários para a análise da reestruturação financeira de uma determinada empresa rural, dentre outros dados, solicitei para o empresário o valor total da sua dívida, ao que ele de pronto me respondeu em valores aproximados. Incitei-o porém, que reunisse todos os valores das suas dívidas com seus respectivos credores, prazos, amortizações e pagamentos, para termos mais certeza e permitir-nos melhor avaliação.

Para minha surpresa porém, a lista e os valores totais se revelaram muito maiores do que ele esperava. Aconteceu ainda que mesmo o valor total não era confiável uma vez que a cada pouco ele se lembrava de mais um credor, e a tal lista não tinha fim. Ou seja, o produtor não tinha a menor idéia do valor total dos compromissos assumidos.

Parece-se muito com a discussão em torno do endividamento agrícola. Além da falta de opções tangíveis, capazes de devolver a dignidade ao produtor rural, ninguém sabe ao certo qual o nível de endividamento do setor. O governo tem um conjunto de números e não chega a um acordo. De outro lado os produtores e as associações de classe também não sabem ao certo. Alguma coisa está errada. Afinal, qual é o endividamento do setor produtivo?

Com um pouco de boa vontade é capaz de se perceber que pelo menos nesse aspecto o governo está empenhado em encontrar uma solução que de um lado atenda as necessidades mínimas dos produtores e de outro não cause um problema político ou econômico.

Porém, não é somente uma questão de identificar qual é o rombo e como sair dele. Fora a questão dos custos e dos preços obviamente, é fundamental entender como se chegou num lugar desses. Ou melhor, quem ajudou os produtores a chegar nesse imbróglio e por fim acabou se beneficiando. No mercado não há milagre, se alguém perde, alguém ganha.

É sabido que a participação relativa do setor público no financiamento da agricultura vem caindo desde os anos 80 do século passado e hoje menos de 30% dos recursos destinados ao setor de produção vem dele. O restante é financiado direta ou indiretamente pelas próprias empresas que compõem os demais elos da cadeia. Principalmente as agroindústrias e tradings.

Desse modo, ao longo dos últimos 5 anos, quem mais ganhou no agronegócio foram exatamente os elos antes e depois da porteira. E nos 3 principais anos da crise o produtor somente perdeu dinheiro, e os únicos setores que efetivamente melhoraram a renda no agronegócio foram os setores industriais, sabidamente financiadores do agronegócio.

A pergunta é que nessa confusão alguém ganhou, e qual é a responsabilidade da cadeia sobre o endividamento do setor produtivo? Alguns venderam muito e agora ficam assobiando e fazem de conta que não é com eles. Dessa forma o setor fica desacreditado e criam-se vieses para solucionar a crise, como a bancada ruralista, que às vezes sem argumento, procura encontrar as difíceis saídas para o endividamento.

A conclusão que se chega é exatamente de que em vários casos não deveriam ter emprestado os recursos. Faltou seriedade de ambas as partes. Foram criadas facilidades para que máquinas e equipamentos fossem adquiridos mesmo sem a real capacidade de pagamento. Onde estavam os analistas dos bancos e empresas creditícias? Por que se passou por cima dos fundamentos de concessão de crédito? Por que às vezes o nome e o histórico do proponente valeram mais do que o projeto e a análise econômico-financeira?

Mais uma vez se deu preferência a um dos papéis do setor rural que está na transferência de renda da agricultura para o setor urbano industrial em detrimento do desenvolvimento equilibrado. Isso vem ocorrendo no país sistematicamente por pelo menos 5 décadas.

Embora seja um defensor da economia de mercado, acredito que se de fato houvesse uma preocupação com o desenvolvimento, os elos que se beneficiaram contribuiriam de forma mais consistente com os produtores, auxiliando-os a saírem da crise. Principalmente através de melhorias na capacitação gerencial e no apoio à decisão. Eles próprios, vender com mais responsabilidade seria um bom começo.

Parece utopia, mas isso já ocorre a algum tempo com empresas em setores de ponta como o automobilístico, por exemplo. A questão é se a falta de humildade e de crença do produtor em alguns casos, não atrapalharia o processo.

Eleri Hamer é Mestre em Agronegócios, Professor de Graduação e Pós-Graduação do CESUR, desenvolve Palestras, Educação Executiva e Consultorias em Gestão Empresarial e Agronegócio. Home-page: www.elerihamer.com.br E-mail: [email protected]

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