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CTNBio: Até onde vai o voluntarismo?


Reginaldo Minaré

 

 

 

Em artigo publicado no mês de Março de 1999, pelo jornal Folha de São Paulo, Ariano Suassuna conta que recebeu convite do Banco Interamericano de Desenvolvimento para participar do "Foro Desenvolvimento e Cultura", que se realizaria em Paris naquele ano. O escritor comenta que no convite afirmava-se que sua presença enriqueceria de maneira relevante os debates, que seria um testemunho do valor da América Latina e sua rica herança cultural e, ao final, informava que o alojamento, o transporte e a permanência em Paris correriam às expensas do convidado. Ariano argumenta que ao ler este aviso no final do convite lembrou de Tobias Barreto, que certa vez recebeu comunicado, onde era chamado de Mestre, informando-lhe que havia sido escolhido por unanimidade para fazer parte de uma respeitável instituição cultural recifense. Honrado, aceitou o convite, mas ao receber a informação de que ao final de cada mês deveria pagar uma mensalidade, Tobias Barreto, que segundo Ariano era um "desaforado", disse logo: "Ah, e é pago é? Então desisto: ser besta de graça, ainda vai, mas pagar pra ser besta é demais!".

Recentemente, ao publicar o Decreto nº 5.591, de 22 de novembro de 2005, que regulamentou a Lei 11.105/05, Lei de Biossegurança, o Presidente da República reconheceu, parágrafo único do artigo 13, que as funções e atividades desenvolvidas pelos membros da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio são de alta relevância e honoríficas. Já no caput do mesmo artigo 13, estabeleceu que as despesas com transporte, alimentação e hospedagem dos membros da CTNBio serão de responsabilidade do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Lendo o artigo 13 do referido Decreto, as pessoas, de uma forma geral, imaginam que fazer parte da CTNBio é realizar um trabalho de forma tranqüila, amparado pelo Estado, e ser reconhecido por exercer uma função de alta relevância que honra e distingue o executor. Porém, o que poucos sabem é que é grande a diferença entre o que prega de forma elegante o decreto presidencial e o dia-a-dia dos membros da CTNBio.

Quando o Presidente da República afirma que as atividades dos membros da Comissão é de alta relevância e honorífica, efetivamente acerta na definição, visto que os membros da CTNBio são responsáveis, entre outras funções, pela análise da biossegurança de todas as pesquisas no âmbito da engenharia genética e das atividades com organismos geneticamente modificados – OGMs e seus derivados, segmento que atualmente é considerado pela maioria dos países desenvolvidos como um dos mais promissores, tanto no que diz respeito à geração de riquezas quanto à criação de empregos para mão-de-obra especializada.

Todavia, pelo fato do Governo Federal não ter uma política bem resolvida para a biotecnologia oriunda da engenharia genética no Brasil, a parte mais difícil e complexa do trabalho dos membros da CTNBio não é a análise dos complexos projetos de pesquisa e comercialização de OGMs, mas sim a de romper barreiras administrativas de fundo ideológico criadas principalmente por determinados representantes do próprio Poder Executivo na Comissão, que não se conformando ainda com a idéia de que a política que defendiam foi voto vencido no Congresso Nacional no processo de criação da atual Lei de Biossegurança, rejeitam a idéia de legitimação pela democracia e continuam, dentro da CTNBio, mantendo uma posição restritiva ao desenvolvimento deste segmento da biotecnologia.

Além das dificuldades oriundas desta divergência no âmbito do Poder executivo, recentemente os membros da CTNBio foram surpreendidos com a presença de um representante do Ministério Público Federal, que sem qualquer aviso prévio se apresentou para participar de uma reunião da Comissão, como se ali não estivesse sendo realizada atividade de alta relevância para o Estado mas sim uma atividade pouco transparente.

Mas não só a esse tipo de dificuldade e constrangimento os membros da CTNBio estão sujeitos.

 No que diz respeito às despesas com transporte, alimentação e hospedagem, que embora seja uma questão menor incomoda, mesmo o Presidente da República tendo assegurado que estas despesas ficariam a cargo do Ministério da Ciência e Tecnologia, à teoria não corresponde uma prática. Por exemplo, um professor de universidade pública que também é membro da CTNBio, recebe uma passagem aérea ida e volta para Brasília e uma diária de R$ 123,00 (cento e vinte e três reais) para participar das reuniões da CTNBio, que são mensais e duram dois dias. Assim, caso o professor trabalhe na Universidade Federal de Viçosa terá, além de se deslocar de Viçosa até o aeroporto de Belo Horizonte, pagar, com os R$ 123,00 de diária, despesas com táxi, hotel e alimentação em Brasília.

Analisando o que o Decreto Presidencial determina, a prática está totalmente distante da teoria. No Decreto está dito que despesas com transporte, alimentação e hospedagem dos membros da CTNBio serão de responsabilidade do Ministério da Ciência e Tecnologia, e não que o Governo Federal dará uma diária de R$123,00 para o membro da CTNBio se virar como pode.

Enfim, considerando ainda que o trabalho do membro da CTNBio não se resume nos dois dias de reunião mensal, visto que durante o intervalo entre uma reunião e outra tem que estudar os projetos que lhe foram encaminhados para análise e, na reunião, poder apresentar seu entendimento, pode-se questionar até quando este voluntarismo científico garantirá o funcionamento desta Comissão?

Concluindo, ser voluntário e trabalhar de graça para realizar uma função de alta relevância para o Estado e ser assim reconhecido até que vai. Todavia, deixar o conforto do lar, ampliar a carga de trabalho e ainda pagar para exercer uma função que na prática é combatida por setores do próprio Poder Executivo e considerada pouco transparente por representantes do Ministério Público Federal é, na verdade, realizar ação semelhante àquela que Ariano Suassuna e Tobias Barreto preferiram não fazer.

 

 

Brasília, 28 de maio de 2006.

 

 

 

Reginaldo Minaré

Advogado e Diretor Jurídico da ANBio.

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