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Como regulamentar o trabalho em contenção com OGM da classe de risco 1?


Reginaldo Minaré

            Com a revogação da Lei 8.974/95 pela Lei 11.105/05, que dispõe sobre normas de biossegurança para pesquisa, desenvolvimento e uso de produto no âmbito da engenharia genética, a estrutura do sistema nacional de biossegurança sofreu algumas modificações.

Atualmente, integram este sistema a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, os órgãos de registro e fiscalização dos Ministérios da Saúde, Meio Ambiente e Agricultura e da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca, as Comissões Internas de Biossegurança – CIBio e o Sistema de Informações em Biossegurança – SIB.

            Embora a Lei 11.105/05 seja conhecida como Lei de Biossegurança, seu texto não trata de norma de biossegurança propriamente dita, o que ele faz é lançar as bases de um sistema que tem como objetivo garantir a biossegurança durante a realização de pesquisa, desenvolvimento e uso de produto na área da engenharia genética ou biotecnologia moderna.

            Neste sistema é atribuído à CTNBio, incisos I e II do artigo 14 da Lei 11.105/05, competência para estabelecer normas para pesquisa e realização de atividades e projetos relacionados a organismos geneticamente modificados – OGM e derivados de OGM.

Reinstalada em dezembro de 2005, a CTNBio, até setembro de 2006, realizou no campo normativo, a revisão de seu Regimento Interno (Portaria 146/06) e da norma que estabelece os procedimentos necessários para o requerimento do Certificado de Qualidade em Biossegurança – CQB e constituição e funcionamento de CIBio (Resolução Normativa 01/06).

Prosseguindo na revisão de suas 20 Instruções Normativas, que foram publicadas até março de 2004 sob a égide da Lei 8.974/95, a CTNBio, de 28.08.2006 até 11/09/2006, deixou em Consulta Pública na sua página eletrônica a Resolução Normativa nº 02, que dispõe sobre a classificação de risco de OGM e sobre os níveis de biossegurança aplicáveis às atividades e projetos com OGM em regime de contenção.

Na elaboração da Resolução Normativa 02/06, a CTNBio, ao tratar da construção do procedimento que entende ser viável e seguro para a realização de atividade em regime de contenção com OGM da classe de risco 1, dispôs, no § 1º do artigo 4º do texto em consulta, que: "A CIBio poderá, por delegação da CTNBio, autorizar atividades e projetos envolvendo OGM da classe de risco 1".

Com a redação proposta, a CTNBio, ao não deixar claro qual o papel da CIBio nas atividades em contenção com OGM da classe de risco 1, não contemplou a expectativa do setor e, pelo fato de ter utilizado as palavras delegação e autorizar, desagradou a representante do Ministério Público Federal que monitora os trabalhos da CTNBio, que, mesmo não sendo membro da Comissão, posicionou-se contrária ao texto argumentando que isto seria uma ilegalidade.

Analisando o citado § 1º do artigo 4º, pode-se concluir que o dispositivo efetivamente não contribui para aglutinação de um entendimento. Ele efetivamente não esclareceu o papel que seria atribuído à CIBio e, também, o que seria esta delegação para autorizar, qual sua intensidade e como ficaria o procedimento a ser seguido para a realização de atividades e projetos envolvendo OGM da classe de risco 1 em regime de contenção.

Na Resolução Normativa 02, entre outras ações, a Comissão:

a) estabelece critérios para classificação de risco do OGM e divide os organismos em 4 classes;

b) fixa as medidas de biossegurança que devem ser aplicadas ao OGM de acordo com sua classificação

c) define OGM da classe de risco 1, como um organismo de baixo risco individual e baixo risco para a coletividade, que contém seqüências de ADN/ARN de organismo doador e receptor que não provoca agravos à saúde humana e animal e efeitos adversos aos vegetais e ao meio ambiente e,

d) que o OGM da classe de risco 4 e aquele que apresenta alto risco individual e alto risco para a coletividade, e que contém seqüências de ADN/ARN de organismo doador ou receptor com alto risco de agravo à saúde humana e animal, que tenha elevado risco de disseminação e de causar efeitos adversos aos vegetais e ao meio ambiente.

Resta claro, portanto, que exigir o mesmo procedimento administrativo para aprovação de uma atividade com organismo de baixo e de alto risco não é razoável e, inclusive, pode configurar uma afronta ao Princípio da Eficiência, cujo artigo 37 da Constituição Federal - CF exige observância por parte da Administração Pública.

Diante da classificação dos organismos e das regras estabelecidas para o trabalho em contenção com OGM pela CTNBio na Resolução Normativa nº 2, verifica-se que a Comissão não confrontará o Princípio da Legalidade, também previsto no artigo 37 da CF, ao estabelecer procedimento onde autorize previamente a instituição, que tenha interesse e seja detentora de CQB, realizar trabalho em contenção com organismo da classe de risco 1. Inclusive, poderia e deveria ter tratado do tema já no momento que elaborou a Resolução Normativa 01.

Cabe ressaltar, principalmente para informar àqueles que não tem conhecimento do processo de certificação, que ao solicitar o CQB a instituição interessada deve informar as atividades que pretende realizar, os organismos que pretende trabalhar e apresentar a constituição de sua CIBio para análise e aprovação da CTNBio. A Comissão, quando avalia um pedido de CQB e aprova a constituição de uma CIBio, reconhece que a instituição certificada possuiu estrutura material compatível com o exercício das atividades que se propôs realizar e mão-de-obra qualificada para conduzir os trabalhos.

Pode, portanto, a CTNBio, sem cometer qualquer ilegalidade, criar um procedimento diferenciado, que considere ser compatível com a garantia da biossegurança, para o trabalho em contenção com OGM da classe de risco 1. Por exemplo, pode a CTNBio exigir que a CIBio da instituição certificada encaminhe previamente um relatório com as atividades que pretende realizar nesta área. De posse deste relatório, a CTNBio teria conhecimento caso a caso das atividades, poderia atuar quando julgasse que a CIBio não classificou o OGM de forma adequada ou quando excedeu seus limites e, ainda, informar previamente os órgãos de fiscalização previstos no artigo 16 da Lei 11.105/05, para que pudessem ter conhecimento do que, quando e onde fiscalizar.

Conclui-se, assim, que ao tratar desigualmente os casos desiguais a CTNBio estará cumprindo o que a CF espera da administração pública e não o contrário.

Exigir, para a aprovação do projeto de um aluno do curso de doutorado que pretende realizar pesquisa em contenção com a batata resistente a vírus desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, o mesmo procedimento administrativo para a aprovar um projeto de pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz - Fiocuz que trabalhará em contenção com um OGM de alto risco é, efetivamente, o que configura uma afronta aos princípios da eficiência, da razoabilidade e da proporcionalidade.

Entretanto, como o tema não foi objeto de consenso, o assunto foi encaminhado à Consultoria Jurídica do Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT com algumas alternativas de redação.

O desfecho deste assunto é de fundamental relevância para o setor produtivo de forma geral e, principalmente, para aqueles que dependem de condições razoáveis para a realização de pesquisa científica básica e tecnológica, atividade fundamental para a construção de uma economia baseada no conhecimento e que, nos termos do artigo 218 da CF, cabe ao Estado promover e incentivar.

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