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Como ganhar escala na restauração florestal?



Alexander Silva de Resende

A pesquisa

A restauração florestal vive importante momento no Brasil, seja por projetos voltados ao mercado de carbono, proteção de mananciais hídricos, compensação ambiental, regularização ambiental de propriedades rurais, para adequação à lei de proteção da vegetação nativa 12.651/2012 (Brasil, 2012) ou até mesmo por plantios voluntários. Para atender todos os desafios, a restauração precisa ganhar escala.

Buscando conhecer a visão dos especialistas do Rio de Janeiro para que o ganho de escala na restauração se materialize, foi realizada uma pesquisa via “google forms”, com 19 afirmativas. O questionário foi respondido por 44 profissionais de mais de 30 instituições que atuam na restauração florestal no Estado. Da academia foram 15 respostas (representando 10 instituições de ensino e pesquisa), 15 da sociedade civil (representando 15 diferentes atores, entre profissionais autônomos, empreendedores, associações, técnicos de empresas privadas e ONGs) e 14 do governo (representando 8 órgãos nas esferas federal, estadual e municipal). 

É preciso avançar com o Cadastro Ambiental Rural e politicas públicas anti-fogo

A importância da validação do cadastro ambiental rural (CAR) (95%); a necessidade de consolidação do programa de regularização ambiental de propriedades rurais (PRA) (75%); a busca por políticas públicas que evitem as queimadas (82%) e o controle da matocompetição (68%) são vistos como problemas comuns pelos participantes da pesquisa.  

Faltam sementes e mudas para restauração florestal ou falta um Tinder ambiental?

A falta de sementes e mudas é um consenso entre os grupos: 60% da academia, 53% da sociedade civil e 57% do governo. Esses dados dialogam com o estudo de Freire et al. (2022), que aponta uma redução de 30% dos viveiros no Rio de Janeiro na última década e uma capacidade ociosa de produção de mudas de 50%. Se faltam sementes e mudas, como pode haver retração no número de viveiros e capacidade ociosa tão elevada? Em um primeiro momento isso poderia indicar que estariam faltando compradores. Essa situação sugere a necessidade de criação de um espaço virtual onde coletores de sementes, produtores de mudas e reflorestadores possam se encontrar: um “tinder ambiental”. Aliás, 67% dos respondentes da academia, 80% da sociedade civil e 86% do governo, concordam que se faz necessária a criação de espaços virtuais, onde os diferentes atores da restauração possam interagir para fazer negócios, tirar dúvidas técnicas, divulgar demandas e oportunidades. 

A solução para a ampliação do conhecimento gerado na academia e o encontro entre os que coletam sementes, produzem mudas e os que querem plantar, parece passar pelo estímulo de uso de ferramentas digitais já existentes, sem a necessidade de criar novas. Algumas experiências têm sido bem-sucedidas, mas de forma endêmica, ou seja, tem-se grupos que interligam os assentamentos rurais, que interligam as comunidades quilombolas, os agentes do governo, os professores e pesquisadores, a associação de produtores de mudas, mas sem interação entre eles. A mistura desses diferentes grupos de interesse da restauração florestal pode desencadear um ganho de escala, a partir da otimização da comunicação e da promoção de negócios nesses ambientes.

A restauração florestal não ganhará escala se algo diferente não for feito

Ainda em relação ao que fazer para ganhar escala na restauração florestal, a eficácia de elaborar editais de licitação para execução dos lotes de reflorestamento tem-se mostrado questionável. Outras alternativas precisam ser testadas. Buscando o que já vem sendo feito com sucesso em outros setores da economia, pode-se citar a cadeia produtiva de suínos e aves ou celulose. Essas cadeias fazem uso do sistema de integração, no qual as empresas entram com as definições sobre as estratégias, técnicas, todos os insumos necessários e o acompanhamento técnico, e o produtor entra com a área, a mão de obra e os cuidados com a produção. Buscando adaptar esse modelo à cadeia da restauração, a estratégia seria a de apoiar o mercado de sementes e mudas, garantindo a previsibilidade, a qualidade e a procedência do material genético e estimular a intervenção do produtor em sua própria área, remunerando-o pela conversão de pastagens degradadas em áreas restauradas, visando as futuras florestas.

A extensão rural precisa ser adaptada para a restauração florestal

Outro elo importante nessa cadeia de conhecimento e comunicação é a extensão rural. O extensionista é a ponte entre esses diversos atores da restauração florestal. Grande parte dos respondentes acham que a extensão rural não está preparada para a demanda oriunda do Programa de Regularização Ambiental (PRA). Sendo que 64% dos respondentes do governo consideram essa afirmativa verdadeira, ante 87% da academia e da sociedade civil. A extensão rural pode ser uma peça fundamental nas relações com comunidades tradicionais, assentamentos, pequenos proprietários, sendo o agente mais eficaz para identificar atores mais sensíveis a cessão de terras para a restauração no Estado. Por outro lado, é um grupo que precisa estar mais engajado no tema e mais apoiado em suas ações. Governo e academia podem ajudar nessa tarefa, capacitando e criando mecanismos de incentivo. Mas para isso, é preciso entender que os recursos financeiros para a restauração florestal não devem ser usados somente para o reflorestamento, mas também para o fortalecimento dos elos da cadeia.

Precificar os custos dos estragos causados pela falta de floresta nos lugares certos, faz parte do entendimento de valorização da atividade de restauração florestal

O retorno econômico da restauração não possui uma métrica direta, com conceito econômico. Mas sua importância pode ser percebida pelos cidadãos, quando uma nascente seca e falta água para beber ou irrigar as lavouras a partir da retirada da floresta, ou quando passam numa rua arborizada e sentem o clima ameno, ou pelo agricultor que precisa de agentes polinizadores para produzir. Toda a riqueza de espécies e toda a diversidade mantida pela floresta possibilita o retorno econômico, mas quase sempre indireto e poucos são os agentes econômicos que entendem a floresta como um bem econômico e não só paisagístico.

Se os próprios atores percebem as ações de restauração como caras e sem retorno econômico, é difícil que o cidadão que não esteja envolvido no processo passe a reconhecer a importância econômica da floresta. Os custos econômicos gerados a partir do assoreamento de rios, a necessidade do uso de máquinas pesadas para dragagem, ou os impactos de enchentes em cidades, não são percebidas na equação econômica de efeitos negativos ocasionados pela retirada da floresta. A academia precisa apoiar ações e criar métricas específicas para que esses números possam fazer parte do pensamento econômico e assim ajudar na valoração das florestas e na valorização da atividade de restauração florestal. Esse é um campo vasto a ser aperfeiçoado. Vasto para academia, que precisa avançar com estudos de alternativas que incluam a restauração produtiva como mecanismo de avanço socio-ecológico-econômico, precificando serviços ambientais. Vasto para o governo que deve aperfeiçoar os mecanismos de pagamento por serviços ambientais. E vasto para a sociedade civil que será executora e beneficiária dos ganhos oriundos da restauração. Portanto, é um desafio de toda a sociedade.

Os programas de pagamentos por serviços ambientais precisam colocar o produtor como agente ativo da transformação que se quer fazer

Identificar os gatilhos para acessar cada público e agente de interesse, pode ser a chave para o ganho de escala da restauração florestal. Pensar e agir da mesma forma de sempre, não possibilitará chegar a resultados diferentes dos atuais. Novas estratégias de fazer o pagamento por serviços ambientais devem ser buscadas. Hoje, são abertos editais e feita a intervenção por empresas que se encarregam da atividade, e poucos recursos chegam de forma direta ao produtor, na forma de remuneração. Esse formato precisa ser repensado. Com a análise do CAR, a cobertura vegetal estará registrada e imagens de satélite ao longo do tempo poderão medir os avanços obtidos, seja pelo plantio, seja pela condução da regeneração natural, ou por qualquer outra técnica de restauração. Para aumentar a cobertura florestal na propriedade rural, se faz necessário precificar e remunerar o proprietário rural por ganhos de áreas florestadas obtidas ao longo do tempo.

A pergunta que sempre é feita, de onde viriam os recursos para executar esse pagamento? Podem ser usadas várias estratégias. Uma delas é a partir dos recursos financeiros que cada comitê de bacia capta com a cobrança pelo uso da água, multas ambientais aplicadas pelo Estado ou pelos municípios, termos de ajustamento de conduta, compensação ambiental, etc. Por exemplo, a bacia do rio Guandu (RJ), congrega total ou parcialmente a área de 15 municípios. Essa bacia é responsável pelo abastecimento de água de mais de 10 milhões de pessoas no Estado e o comitê de bacia hidrográfica do Guandu capta cerca de 45 milhões de reais por ano, somente com cobrança do uso da água (PLANO..., 2022). Num cenário hipotético, em que se reservaria 10% do valor anual desses recursos arrecadados para pagamento de PSA, a cada 5 anos, estariam disponíveis 25 milhões de reais.

Em levantamento feito a partir do censo agropecuário (IBGE, 2017), estima-se que haja cerca de 4 mil propriedades rurais nesta bacia. Ao admitir que metade delas tenham aumento da cobertura florestal em 1 hectare, a cada 5 anos, cada uma faria jus a receber cerca de 12,5 mil reais pelo ganho florestal no período e a bacia teria 2.000 hectares de área florestada a cada 5 anos. Ou seja, a política de premiação pela conversão de pastagem em floresta, seja por evitar o fogo e deixar a regeneração evoluir, seja por plantio e formação dos reflorestamentos ou outra técnica de condução da regeneração, premiaria o avanço da cobertura florestal. E claro, quanto mais estratégica for a bacia, maior será o valor do hectare florestado. Isso estimularia os agricultores a não manter suas áreas com pastagens improdutivas, uma vez que a remuneração para criar floresta seria maior do que a recebida pelo arrendamento da terra para criar gado, por exemplo.

Sem uma política pública eficaz, anti-fogo, corre-se o risco de perder todos os ganhos anuais com ações de restauração florestal

As políticas públicas também precisam ser aperfeiçoadas. Segundo 73% dos respondentes da academia, 78% do governo e 93% da sociedade civil é necessária uma política antiqueimada mais contundente. Essa é uma questão relevante, quando se considera que a perda de áreas por queimadas entra na contagem da restauração florestal com sinal negativo e, muitas vezes, pode até zerar todo avanço conseguido a partir de estratégias de restauração num dado período de tempo.

Ferramentas educacionais são importantes, mas precisam estar atreladas a mecanismos de comando e controle. Por exemplo, no município de Miguel Pereira (RJ), uma ONG registra boletim de ocorrência para incêndios identificados. A simples investigação, fez com que o número de queimadas tenha caído ao longo dos anos. Embora o fogo seja crime, isso não é percebido dessa forma por quem o coloca. Outra questão relacionada a política pública e que merece um debate mais amplo, é a falta de mecanismos legais para estimular a regeneração natural. Muitas vezes os proprietários mantêm a propriedade com pastagem subutilizada, por que caso a regeneração natural avance, o uso futuro da área passa a ser mais difícil. Para 40% dos respondentes da academia, 57% do governo e 53% da sociedade civil é preciso pensar numa forma de estimular a regeneração natural a partir de mecanismos legais.

O pagamento por serviços ambientais, valorando a floresta em pé e seu ganho a cada período de tempo, como apresentado acima, pode ser uma alternativa. Mas para isso, além de se decidir como isso aconteceria, avanços na análise do CAR se fazem necessários. Associada a essas duas questões anteriores, a academia (53%), o governo (64%) e a sociedade civil (87%) consideram que o controle da matocompetição é um problema na restauração. Capim, fogo e uma reduzida regeneração natural possuem associação direta. O capim, principalmente as gramíneas africanas como a braquiária e o capim colonião, criam uma matriz de vegetação que funciona como barreira para a expressão do banco de sementes do solo. Aliado a isso, o capim é muito inflamável, principalmente no período seco e o uso do fogo para acelerar sua rebrota, ou combater parasitas, como o carrapato, por exemplo, é comum. Isso acaba com a pouca regeneração natural de espécies nativas que consegue superar a matriz dominante das gramíneas africanas. Essa é uma tríade que precisa ser pensada e revertida a partir de políticas públicas. Ainda em relação a políticas públicas, 66% da academia, 86% do governo e 80% da sociedade civil consideram que o Governo deveria disponibilizar ferramentas digitais para facilitar o planejamento e o monitoramento da restauração a partir da resolução INEA 143/2017. A disponibilização de ferramentas pode otimizar essa resolução, aperfeiçoando a indicação das espécies e/ou os tratos culturais de forma a aumentar a eficácia da restauração. Hoje já existem ferramentas para isso, que precisam de apoio dos restauradores para abastecer o banco de dados e torná-la eficaz para apoiar a restauração, entre elas o web ambiente (https://www.webambiente.cnptia.embrapa. br/), o Restaura Mata Atlântica (https://play.google.com/store/apps/ details?id=br.embrapa.restaura&pli=1) e o Reflorestar+ (https:// reflorestarmais.com.br/).

Buscou-se com esse documento trazer a reflexão dos diferentes atores sobre o tema, de forma a perceber que é necessário aumentar a integração e fazer uso de estratégias e mecanismos mais criativos no processo de restauração. Só assim, os anseios da sociedade serão atingidos, incluindo o homem no processo da restauração, transferindo renda e criando melhores condições ambientais de vida para a população.

Para acessar o documento na íntegra basta acessar: https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1165994/como-a-restauracao-florestal-pode-ganhar-escala-no-estado-do-rio-de-janeiro

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