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Tendências 18/09/2012



Argemiro Luís Brum
Quando o feitiço vira

O governo brasileiro, nas palavras do Ministro da Fazenda Guido Mantega, neste início de julho, finalmente começa a aceitar a realidade: a crise econômico-financeira mundial é muito séria e já está dentro do Brasil há tempos. Depois de declarações populistas e até irresponsáveis, tipo “a crise é uma marolinha”; “a população deve consumir o máximo possível para dinamizar a economia”; “estamos 300% preparados para a crise mundial”, o discurso oficial vem mudando rapidamente. Afinal, já são cinco anos do início desta crise, o que confirma que ela é de natureza estrutural, e cuja solução está longe de ser encontrada. Diante da concordância de que o momento da crise está na mesma intensidade do que se viveu em 2008, e de que o mundo não conseguiu gerar mecanismos conjuntos para sua solução, o governo brasileiro se vê sem novas receitas para enfrentá-la.


A política do crédito fácil a juros baixos não vem funcionando mais, simplesmente porque o poder de consumo da população se esgotou, diante do alto endividamento e inadimplência, enquanto a tentativa de aumentar os gastos públicos, via investimentos, tem esbarrado nas tradicionais burocracias e corrupções existentes no país. Assim, nos resta ainda baixar o juro (a Selic acaba de ser reduzida para 8% ao ano, esperando que 2013 melhore a performance já que o crescimento para 2012 está perdido, pois na melhor das hipóteses deverá ficar ao redor de 2,5%). Todavia, essa redução da Selic vem se tornando oficialmente possível porque a inflação, surpreendentemente, tem recuado a níveis que nos geram desconfiança.

Se é verdade que a inflação logicamente deve baixar na medida em que o consumo freia, a redução nos parece muito significativa para o estágio atual da economia nacional. Como pode o IPCA ter registrado apenas 0,08% em junho se a grande maioria dos preços nacionais subiu, especialmente os alimentos (os principais cálculos sobre cesta básica no país indicaram um aumento de preços superior a 1% em junho)? Aliás, o índice de maio passado já havia feito o sinal amarelo da desconfiança piscar.

Quando o feitiço vira (II)

Para completar o quadro, o feitiço dos aumentos salariais acima da média e da inflação, particularmente os públicos, está se virando contra o feiticeiro, assim como o charme de sediar uma Copa do Mundo. Num momento em que o Estado reconhece a necessidade de fazer economia, embora na prática ainda esteja longe de fazê-lo adequadamente, os funcionários públicos em geral entram, ou já estão em greve, exigindo aumentos desproporcionais e irresponsáveis de salários. Ao mesmo tempo, as obras para a Copa (muitas não ficarão prontas para o evento e talvez nunca o fiquem, nesse estágio de gestão pública que temos), começam a custar cada vez mais caro, diante dos superfaturamentos comuns ao serviço público nacional.


Para piorar a realidade nacional, confirmando a má gestão pública que temos nos últimos anos, o governo continua a insistir em cortar gastos nos setores fundamentais, como saúde e educação, enquanto deixa correr soltos os gastos em áreas muito menos importantes. Tanto é verdade que o ministro Mantega, diante da proposta do Plano Nacional de Educação de elevar os gastos do governo federal em 10% do PIB, usou a correta expressão de que se isso for feito “o Estado brasileiro pode quebrar”. A expressão está correta porque em boa parte o Estado já está quebrado, confirmando os alertas de anos.

Quando o feitiço vira (III)

Porém, não é a educação a culpada e sim a estrutura pesada do Estado, que não para de inchar, inclusive via o aumento de funcionários públicos. No Judiciário, por exemplo, os servidores, que já têm os maiores salários em sua maioria, estão pedindo nada mais nada menos do que um reajuste superior a 50%. Por sua vez, a Câmara Federal acaba de oficializar um aumento de 30% na sua verba de gabinete para 2012. Para se ter uma ideia do descalabro nacional, “além da verba de gabinete e um salário de R$ 26,7 mil, cada deputado conta com uma cota para o exercício do mandato, que varia de R$ 23 mil a R$ 33 mil, de acordo com o Estado de origem”.

Enquanto isso, os investimentos públicos produtivos não andam, tendo sua execução aumentado apenas 2,2% em relação ao registrado em igual período de 2011 e 13,7% abaixo do realizado em 2010. É de se duvidar que o governo que aí está, apesar de reconhecer o risco de o Estado quebrar, tenha condições e saiba segurar a onda dos gastos públicos, que sempre existiu e que agora aumenta sem nenhuma preocupação com o futuro do país, num momento em que o mundo corta despesas visando ultrapassar a crise (a Espanha, por exemplo, acaba de anunciar a redução em 30% no número de vereadores em suas cidades, para realizar economia que ajude o país a sair da crise em que se meteu, enquanto no Brasil, que caminha para uma crise idêntica, senão pior, a maioria dos municípios brasileiros acaba por referendar um aumento de até 50% no número dos mesmos, embora nenhuma utilidade prática isso venha a ter para seus cidadãos).

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