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Sobre a organização e funcionamento do sistema nacional de biossegurança para a biotecnologia moderna.


Reginaldo Minaré

                     Em primeiro plano veio a Exposição de Motivos nº 50 da Casa Civil da Presidência da República, datada do dia 30 de outubro de 2003, na qual se informava que  era submetido ao Presidente da República proposta de projeto de lei com o objetivo de estabelecer um novo marco legal para regular as atividades com  organismo geneticamente modificado - OGM e derivados de OGM, desde a pesquisa até sua comercialização, visando proteger a vida e a saúde humana, dos animais e das plantas, bem como o meio ambiente. Junto à referida exposição de motivos, foi encaminhado naquela data o  Projeto de Lei nº 2.401/03, que tinha como objetivo substituir a legislação vigente sobre biossegurança, de modo que fossem revogadas a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, eliminando-se assim fontes de conflitos legais existentes, especialmente entre os instrumentos legais mencionados e a legislação ambiental. Expondo-se os fundamentos deste novo regramento para a biossegurança, procurava-se delinear um processo decisório claro e de ações articuladas e harmônicas pelo Conselho Nacional de Biossegurança - CNBS, pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização da Administração Pública Federal.

 

Seguindo essa ordem de objetivos, o Projeto de Lei nº 2.401/03 foi aprovado e com sua conversão e publicação da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005 e regulamentação desta por meio do Decreto nº 5.591/05, iniciou-se a reformulação da estrutura normativa construída para garantir a biossegurança no processo de desenvolvimento e uso das biotecnologias oriundas da engenharia genética.

 

Instalada no mês de dezembro de 2005 e funcionando ininterruptamente até a presente data, esta nova CTNBio já possui um histórico de funcionamento que nos permite avaliar se com o estabelecimento deste novo marco legal criou-se um sistema eficiente e se, de fato, atingiu-se o objetivo que se pretendia, ou seja, eliminaram-se conflitos legais existentes de modo a proporcionar a construção de ações articuladas e harmônicas do CNBS, da CTNBio e dos órgãos e entidades de registro e fiscalização.

 

Diante de tal questionamento, é relevante observar que a CTNBio tendo emitido 235 Certificados de Qualidade em Biossegurança - CQB para diversas universidades, empresas e institutos de pesquisas até o momento, e estando os projetos experimentais a serem desenvolvidos por estas instituições diretamente ligados a formação acadêmica e inovação tecnológica no âmbito da engenharia genética, pode-se ter uma idéia do número de pessoas e de segmentos da economia que dependem do funcionamento deste sistema de biossegurança.

 

A par disso, cabe ressaltar que é muito elevado o custo da manutenção de laboratório, de casa de vegetação, de área experimental, de planta industrial e depreciação de equipamento que foi construído, adquirido e preparado pelos investidores e pelo próprio Poder Público, inclusive o pagamento da mão-de-obra especializada contratada.

 

Manter, portanto, uma situação que desperte incerteza e que dê sinais de ineficiência do segmento de se trata, significa, além do prejuízo com a manutenção da estrutura acima mencionada, certamente provocará a paralisação de investimentos e contratações, demissões e, via de conseqüência, o direcionamento de investimentos para outros países, comprometendo, no Brasil, o avanço de um dos mais promissores setores da economia baseada no conhecimento. Tudo isso, sem contar que sem a realização de pesquisas as empresas não produzirão patentes e produtos nesta área.

 

Vejamos, então, alguns aspectos relacionados ao tema versando, dentre eles, modificações introduzidas pela Lei nº 11.105/05 com o objetivo de otimizar do sistema nacional de biossegurança.

 

Sobre a eliminação de conflitos de normas:

 

· O afastamento da aplicação da Lei de Agrotóxicos em situações que não se justificava com argumentos científicos a exigência dos procedimentos nela previstos, por exemplo, a exigência de Registro Especial Temporário – RET para a realização de pesquisa com OGM resistente a insetos e vírus, muito contribui para eliminar procedimentos e despesas desnecessárias. Essa exigência provocava a seguinte situação: Um OGM resistente a inseto ou vírus seria registrado como agrotóxico e ao mesmo tempo vendido como alimento à população.

 

· A modificação da redação do Código 20 do Anexo VIII da Lei 6.938/81, que eliminou um dos pontos que mais gerou conflitos para o setor, que era a afirmação dogmática de que qualquer introdução de espécie geneticamente modificada constituía uma atividade potencialmente poluidora. Afirmação que obrigava a realização de licenciamento ambiental para qualquer atividade de liberação de OGM no meio ambiente independente do resultado da avaliação de risco do evento de transformação, que é realizada caso a caso pela CTNBio.

 

· A correção da divergência de redação que existia entre a Lei 8.974/95 e a Lei 9.782, de 1999, que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. A Lei 9.782/99 atribui competências à Agência para regulamentar, controlar e fiscalizar produtos oriundos da engenharia genética que possam apresentar riscos à saúde humana. Já a Lei 8.974/95 atribuía competência à CTNBio para identificar atividades degradadoras da saúde humana. As palavras risco e degradação dificultavam a harmonização dos dois sistemas normativos. O novo texto, ao dispor que compete à CTNBio identificar atividades e produtos decorrentes do uso de OGM e seus derivados que possam causar riscos à saúde humana, afasta esse ponto de dissonância e deixa claro que uma vez identificada pela CTNBio como causadora de risco à saúde humana, fica a ANVISA com plena competência para regulamentar, controlar e fiscalizar a  atividade ou o produto.

 

Sobre a construção de ações articuladas e harmônicas.

 

· A criação do Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, instância máxima de decisão em processos de pedido de liberação comercial de OGM e seus derivados, vinculado à Presidência da República, e que exercerá também a função de assessoramento superior do Presidente da República para a formulação e implementação da Política Nacional de Biossegurança – PNBO, muito poderá contribuir para o melhor funcionamento da CTNBio, visto que além das competências mencionadas, realizará as avaliações de questões sócio-econômicas relacionadas à atividade comercial de OGM. Cabe observar também, que a elaboração desta PNBO muito contribuirá para reduzir os conflitos de opiniões existe no âmbito do Poder Executivo a respeito da introdução dos OGM no sistema produtivo nacional, principalmente no sistema de produção agropecuário.

 

· A ampliação do número de membros da CTNBio também merece destaque. Antes, o Colegiado era composto por 18 membros titulares e respectivos suplentes. Atualmente, sua composição conta com 27 membros titulares e respectivos suplentes. Esta ampliação dos membros da CTNBio, que contemplou a representação de diversos  outros segmentos da sociedade e do Governo, poderá contribuir para uma maior popularização da biotecnologia e do funcionamento do Colegiado. Além disso, o aumento de processos encaminhados à Comissão encontrará número maior de membros para analisá-los.

 

· Louvável a instituição de um Sistema de Informações em Biossegurança – SIB, no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia, destinado à gestão das informações decorrentes das atividades de análise, autorização, registro, monitoramento e acompanhamento das atividades que envolvam OGM e seus derivados. Esta ferramenta certamente contribuirá de forma decisiva para a divulgação das informações e do trabalho realizados pela CTNBio e pelos órgãos de fiscalização.

 

· Deveras meritória a atribuição à CTNBio da competência para avaliar e autorizar a realização de pesquisas. Modificação que ao eliminar a necessidade do interessado solicitar autorizações em diversos órgãos do Poder Executivo para a realização de pesquisas, contribui de forma significativa para o avanço das pesquisas sem prejudicar a biossegurança dos projetos. Esta mudança efetivamente representa uma das mais relevantes, visto que além de simplificar significativamente o processo sem prejuízo da biossegurança, reconheceu o caráter interdisciplinar da CTNBio que congrega especialistas de diversos segmentos e, portanto, tem plena competência técnica para gerir integralmente este procedimento estabelecido.

 

·  Coerente a inclusão da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República como órgão de fiscalização das atividades com OGM e seus derivados destinados ao uso na pesca e aqüicultura e registro dos mesmos quando destinados à atividade comercial. Inclusão totalmente acertada com a atual estrutura da administração pública federal, visto que a fiscalização de atividade relacionada de Aqüicultura e Pesca deve ser realizada pelo órgão competente nesta área.

 

· O aperfeiçoamento da regulamentação das infrações administrativas e do sistema de aplicação de multas, certamente muito contribuirá para a atuação do departamento de fiscalização dos órgãos fiscalizadores e, principalmente, para o aprimoramento dos mecanismos de motivação ao cumprimento da norma estabelecida.

 

Sobre a eficiência do funcionamento do sistema de biossegurança estabelecido.

 

As modificações introduzidas e acima mencionadas incorporaram a experiência acumulada desde 1995 na área da biossegurança em engenharia genética, proporcionaram a melhora da sistematização da Lei de Biossegurança frente aos sistemas normativos com os quais tem interface e estão contribuindo para que várias arestas acerca do entendimento da matéria no âmbito do Poder Executivo sejam aparadas.

 

Todavia, analisando o desempenho da CTNBio neste ano e meio de funcionamento, percebe-se que embora o sistema instituído aparente ser funcional no campo teórico, na prática não está produzindo com a eficiência que se espera.

 

Com uma pauta sempre crescente, a CTNBio não vem conseguindo dar vazão aos processos que a ela são encaminhados para avaliação, o que tem provocado a preocupação dos investidores e pesquisadores.

 

Analisando o sistema de biossegurança instituído, principalmente o que é estabelecido pelo Decreto 5.595/05, é possível verificar que alguns setores do sistema estão sub-aproveitados e que um melhor aproveitamento destes setores muito poderia contribuir com o funcionamento do sistema. São exemplos a Secretaria-Executiva da CTNBio e as Comissões Internas de Biossegurança – CIBio.

 

Além destes problemas relacionados à organização e distribuição de responsabilidades entre os setores, outros podem ser detectados, por exemplo: o número de assessores técnicos que atualmente integram a Secretaria-Executiva da CTNBio é menor que em 2001 e o orçamento destinado à manutenção do funcionamento desta Comissão ampliada é ainda semelhante ao orçamento de 2002.

 

Outro problema que pode ser destacado é a ausência de previsão na Lei nº 11.105/05 de um mecanismo para pagamento de transporte, diárias e gratificação ou jetons de presença para os membros da CTNBio.

 

Fundamental também destacar que Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS ainda não formulou a Política Nacional de Biossegurança – PNB, nem fixou princípios e diretrizes para a ação administrativa dos órgãos e entidades federais com competências sobre a matéria.

 

Também é relevante ressaltar que até o momento, o Decreto nº 1.752/95, que regulamenta a Lei nº 8.974/95 (Lei que foi integralmente revogada em 2005 pela Lei 11.105/05) continua em vigor. Inclusive, o Decreto nº 5.886/06, que aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério da Ciência e Tecnologia, mesmo sendo de 2006, dispõe em seu artigo 36 que cabe à CTNBio exercer as competências estabelecidas no Decreto no 1.752, de 20 de dezembro de 1995. Falhas desta natureza no campo normativo não deixa de transmitir uma imagem de pouco rigor e descaso com o tema, visto que atualmente as competências da CTNBio são estabelecidas pela Lei 11.105/05, regulamentada pelo Decreto 5.591/05 e não pelo Decreto nº 1.752/95.

 

Diante do que até aqui foi observado, resta claro que um ajuste na gestão deste sistema nacional de biossegurança, com o objetivo de aprimorar seu funcionamento, é necessário e urgente.

 

Este ajuste de gestão vai ao encontro do que é exigido pelo princípio da eficiência da Administração Pública, introduzido pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, cuja implementação constitui uma tônica do Estado moderno. Este princípio constitucional tem como finalidade exigir e permitir que a Administração ofereça ao cidadão mais serviços, em menor tempo e com melhor qualidade. Tem também como finalidade a redução do custo, na medida em que se promove e exige a continua revisão e aperfeiçoamento dos processos de trabalho, a simplificação dos procedimentos e o estabelecimento de indicadores de desempenho e de satisfação do usuário.

 

 

 

Brasília, 15 de agosto de 2007.

 

 

Reginaldo Minaré

Advogado e Mestre em Direito.

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