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Sobre a constitucionalidade da Lei n° 11.105/05.


Reginaldo Minaré

 

O então Procurador-Geral da República, Claudio Fonteles, propôs, dia 20 de junho de 2005, Ação Direta de Inconstitucionalidade - Adin 3526 contestando diversos dispositivos da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, Lei de Biossegurança.

 

Na Adin, que contém solicitação de medida cautelar, Fonteles requer a concessão de liminar para suspender a eficácia do inciso VI do artigo 6º; do artigo 10; incisos IV, VIII, XX e os parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º do artigo 14; parágrafo 1º, inciso III e parágrafos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º do artigo 16; e os artigos 30, 34, 35, 36, 37 e 39, todos da Lei nº 11.105/05, e a declaração de inconstitucionalidade de todos os dispositivos relacionados.

 

Antes de fazer algumas considerações sobre o que é pedido pelo Procurador-Geral, é importante observar que a finalidade de uma ação direta de inconstitucionalidade - Adin é eliminar do ordenamento jurídico uma determinada lei ou ato normativo que seja incompatível com o texto da Constituição Federal - CF. Cabe ainda lembrar, que quando é devidamente comprovada a existência de perigo de dano irreparável, a Adin poderá conter pedido de medida cautelar, que o STF pode acolher e conceder a liminar suspendendo a eficácia dos dispositivos legais ameaçadores.

 

Na Adin proposta, o Procurador-Geral, para justificar o pedido de declaração de inconstitucionalidade, argumenta que os artigos, incisos e parágrafos da Lei 11.105/05 que acima foram citados, violam o inciso VI do artigo 23, o artigo 225, caput e inciso IV, ambos da CF, e o princípio democrático e a coisa julgada material.

 

Já para fundamentar o pedido de concessão de liminar, o Procurador-Geral procura demonstrar a existência do fumus boni iuris - fumaça do bom direito – e a existência do periculum in mora – perigo na demora. Em outras palavras, o Procurador-Geral alega que a demora no processo de declaração da inconstitucionalidade dos dispositivos legais contestados, pode resultar em perigo para o meio ambiente e para a sociedade em geral, e que o vislumbre de uma futura decisão em favor da inconstitucionalidade de parte da Lei 11.105/05, já pode ser observado no horizonte como uma decisão sábia, acertada e de acordo com a melhor aplicação do direito.

 

Fazendo uma leitura rápida das trinta e cinco páginas redigidas para compor a Adin, pode-se até elogiar a forma como se mostra a construção da tese defendida. Todavia, quando se faz uma leitura demorada e reflexiva da tese, fica evidente que o edifício construído possui alicerce de adobe e, portanto, carecedor que é de uma fundação consistente, não se sustentará.

 

Primeiro, cabe analisar o argumento de que determinados dispositivos da Lei 11.105/95 violam o artigo 225, caput e inciso IV do § 1°, da CF. Dispõe o artigo 225:

 

"Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

 

§ - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

 

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;"

 

O artigo 225 está localizado  no Capítulo VI do Título VIII da CF, que trata do meio ambiente. Importante observar que o Capítulo da CF dispõe sobre o meio ambiente e não sobre o Ministério do Meio Ambiente. Crucial, ainda, ressaltar, que o § 1º, combinado com seu inciso IV,  estabelece que incumbe ao Poder Público de forma geral, e não ao Poder Público Ministério do meio Ambiente, exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental.

 

Resta claro, por conseguinte, que o texto constitucional exige que o tema seja tratado por lei, e em nenhum momento determina qual será o órgão competente para identificar as atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente, nem qual será o órgão competente para proceder à realização do estudo prévio de impacto ambiental. Por exemplo, em nenhum momento a CF determina que só os órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA são competentes para decidir sobre a necessidade de licenciamento ambiental e estudo prévio de impacto ambiental.

 

Assim, fica patente que ao atribuir competência para a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio - identificar quais as atividades no campo da engenharia genética são potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente, o que o legislador fez foi cumprir o que é exigido pela CF. Não há, portanto, que se falar em inconstitucionalidade nesse caso.

 

Passa-se agora a analisar o argumento de que alguns dispositivos da Lei n° 11.105/95 estariam afrontando o artigo 23 inciso VI da CF.

 

Dispõe o texto constitucional em comento:

 

"Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

 

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;"

 

Trata o artigo 23 da CF, de competência não legislativa que é exercida em conjunto pela União, Estados Federados, Distrito Federal e Municípios, e embora ainda não tenha sido publicada a lei complementar prevista no parágrafo único do artigo 23 da CF, que deverá fixar normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional, nenhum dispositivo da Lei 11.105/95 afronta esse artigo da CF.

 

A própria CF em seu artigo 24, que dispõe sobre a competência legislativa concorrente entre a União, os Estado e o Distrito Federal, estabelece em seus incisos VI e VIII que compete à União, Estados e Distrito Federal legislar concorrentemente sobre proteção do meio ambiente e responsabilidade por dano ao meio ambiente.  Sobre as matérias objeto de competência concorrente, cabe à União estabelecer normas gerais (art. 24 § 1º), e essa competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados e do Distrito Federal, que a exercerão para atender suas peculiaridades.

 

Fica, portanto, os Estados e o Distrito Federal, por força do texto constitucional, legitimados para proibir ou impor condições restritivas à atividade com organismo geneticamente modificado - OGM, sempre que evidenciarem que as medidas impostas são necessárias para o atendimento de situações peculiares não previstas pela norma geral publicada pela União. Por exemplo, um Estado que tenha algodão silvestre em seu território e apresentar estudos científicos demonstrando que o cultivo de algodão geneticamente modificado pode comprometer a espécie silvestre, estará devidamente legitimado para proibir ou impor condições ao cultivo desse algodão, pois estará atendendo a uma peculiaridade de seu território.

 

Assim, resta claro que atuando dentro do campo de competência concorrente definido pela CF, Estados Federados e Distrito Federal, mesmo com a publicação da Lei n° 11.105/05, que é uma norma geral, mantém suas competências legislativas e, conseqüentemente, aquelas não legislativas previstas no artigo 23 da CF.

 

Com relação aos Municípios, por força do artigo 23 da CF, eles dispõem de todo arcabouço normativo da Federação e de seu Estado para exigir a proteção do meio ambiente e combater a poluição. Importante observar, que de todas as normas à disposição do Município para proteger seu meio ambiente contra um perigo de dano relacionado a um determinado OGM, sem dúvidas a Lei n° 11.105/05 é a mais atualizada e especializada. Além disso, o Município tem total liberdade, legitimidade e até a obrigação de propor junto à CTNBio, qualquer questionamento para dirimir dúvidas sobre possibilidade de dano ao meio ambiente em seu território, que seja relacionado a OGM ou derivado de OGM.

 

Cabe ainda ressaltar, que em nenhum momento o inciso VI do artigo 23 da CF prega a necessidade de licenciamento ambiental para exercer a proteção ao meio ambiente e combater a poluição.

 

Conseqüentemente, não há que se falar em qualquer afronta ao artigo 23 da CF por parte de qualquer dispositivo da Lei n° 11.105/05.

 

Sobre o argumento de afronta ao princípio democrático por parte da Lei 11.105/05, enseja salientar que pelo fato da mencionada lei atender totalmente ao que é disposto na CF, inclusive no que diz respeito ao procedimento legislativo pelo qual passou até ser sancionada pelo Presidente da República, encontra-se a mesma totalmente de acordo com o que caracteriza o instituto Estado Democrático de Direito, que é a forma de Estado adotada pela CF brasileira.

 

Com relação à violação à coisa julgada e o desrespeito ao princípio da independência e harmonia entre os poderes, o Procurador-Geral não poderia ter sido mais infeliz nas suas argumentações. O que está sendo discutido nas ações, que ainda não transitaram em julgado, diz respeito à matéria constitucional. Inclusive, e é bom lembrar, as ações versam sobre a mesma matéria da Adin ora proposta pelo Procurador-Geral. Assim, e considerando ser o STF a ultima instância para julgar matéria constitucional, a coisa julgada se fará quando o STF julgar definitivamente as ações em andamento.

 

Já sobre o desrespeito ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes, fundamental observar que o que fez o Poder Legislativo foi modificar e aprovar um Projeto de Lei de autoria do Poder Executivo, ou seja, legislou mediante provocação do Poder Executivo. Já o Poder Executivo, na exposição de motivos que acompanhou seu Projeto de Lei, argumentou que o objetivo do projeto era modificar a legislação existente pelo fato de que a mesma, por falta de harmonia com outras leis com as quais possuía uma interface, estava dando ensejo a uma série de ações judiciais, algumas tramitando a mais de oito anos sem decisão definitiva, que dificultava o avanço científico e tecnológico do país em uma área que todos os países desenvolvidos do planeta já identificaram como o segmento mais promissor das economias baseadas no conhecimento. Logo, não há que se falar em desrespeito ao princípio da independência e harmonia entre os poderes, pois os Poderes Executivo e Legislativo concordaram com o ato legislativo, e não existe nenhuma decisão definitiva do Poder Judiciário que dispõe de forma contrária ao sistema estabelecido pela Lei n° 11.105/05. Assim, resta claro que nenhum Poder da República foi afrontado.

 

Segundo informação que consta na página eletrônica do Supremo Tribunal Federal – STF, a referida ADIn, desde o dia 24 de maio de 2006, está com vista ao Procurador-Geral da República aguardando manifestação sobre o pedido de medida cautelar, nos termos do artigo 12 da Lei 9868/99.

 

A demora do STF no julgamento desta Ação de Inconstitucionalidade fortalece os argumentos daqueles que defendem a tese da inconstitucionalidade, principalmente os argumentos de determinados representantes do Governo Federal e do observador do Ministério Público Federal que atuam nas reuniões da CTNBio, o que a cada dia vem  provocando maior insegurança jurídica nos investidores, prejudicando a produção de conhecimento de desenvolvimento de produtos no campo da biotecnologia moderna.

 

Diante do que até aqui foi exposto, pode-se afirmar que nenhuma inconstitucionalidade existe no texto da Lei n° 11.105/05 e que a demora no julgamento desta ADIn muito tem prejudicado este setor que é um dos mais promissores segmentos da economia baseada no conhecimento.

 

 

Reginaldo Minaré

Advogado e Mestre em Direito

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