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Rotulagem de transgênicos: exemplo de amadorismo na administração da justiça.


Reginaldo Minaré

No mês de fevereiro de 2007 o Ministério Público Federal (MPF) – Procuradoria da República no Estado do Piauí – propôs Ação Civil Pública, com pedido de tutela antecipada, objetivando a declaração de inconstitucionalidade do artigo 2º do Decreto 4.680/03, que regulamenta o direito à informação quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados.

O Procurador alega que o artigo 2º do Decreto 4.680/03, ao exigir a rotulagem para alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados (OGM), com presença acima do limite de um por cento do produto, afronta a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

No entendimento do Procurador, o artigo 5º, inciso XIV da CF, ao dispor que: "é assegurado a todos o acesso à informação (...)", impediria a possibilidade de rotulagem apenas para os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM com presença acima do limite de um por cento do produto. Também o CDC, ao estabelecer no artigo 6º, inciso III, que a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem, constitui um direito básico do consumidor, corroboraria com este impedimento.

Na Ação, o Juiz Federal da 3ª Vara do Piauí, no dia 09/04/2007, proferiu decisão concedendo antecipação dos efeitos da tutela para determinar que o Governo Federal passe a exigir, no prazo de 60 dias, a rotulagem de alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM, independentemente do percentual estabelecido pelo artigo 2º do Decreto 4.680/03.

Lamentáveis a argumentação utilizada pelo Procurador e a decisão proferida pelo Juiz Federal.

Primeiramente, o Procurador, para ser coerente com o princípio que defende, deveria ter exigido na Ação a suspensão da aplicação do artigo 3º do Decreto nº 4.680/03, que estabelece que os alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração contendo ingredientes transgênicos deverão trazer no painel principal, a seguinte expressão: ""(nome do animal) alimentado com ração contendo ingrediente transgênico"" ou ""(nome do ingrediente) produzido a partir de animal alimentado com ração contendo ingrediente transgênico"". É sabido que um animal, só pelo fato de ter comido ração com ingrediente transgênico, não pode ser classificado como animal geneticamente modificado. Caso seja mantida a exigência de informar se um animal foi ou não alimentado com ração que continha ingrediente transgênico, para garantir a aplicação do princípio defendido, seria justo e necessário exigir também a prestação de informação para os demais casos, ou seja, exigir que fosse informado ao consumidor se o porco que deu origem àquele presunto foi alimentado com ração contendo grãos irradiados, orgânicos ou crioulos ou outro tipo de ingrediente e até mesmo vacinas e medicamentos administrados.

Segundo, deveria o Procurador, por respeito ao princípio que defende, ter exigido que os rótulos dos alimentos (grãos, hortaliças e frutas) vendidos embalados ou a granel, informassem também, por exemplo: o percentual de resíduo de agrotóxicos, se os agrotóxicos foram utilizados em doses corretas e se foi observado adequadamente o período de carência, a presença de qualquer microrganismo patogênico oriundo da água da irrigação ou do adubo orgânico utilizado. Até mesmo o percentual de coliformes fecais contidos no leite pasteurizado, inclusive o percentual dentro do limite permitido, deveria ser informado ao consumidor.

Terceiro, ao proferir decisão concedendo antecipação dos efeitos da tutela nesta Ação Civil Pública, o Juiz não demonstrou o fumus bonis iuris e do periculum in mora, nem fundamentou de modo claro e preciso, a existência do receio de dano irreparável e do perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.

Cabe ainda observar que a análise de direito comparado nos leva ao fato de que na União Européia foi estabelecido limiar - 0,9% - abaixo do qual a presença acidental ou tecnicamente inevitável de vestígios de determinados OGM ou material geneticamente modificado nos gêneros alimentícios, alimentos para animais e produtos transformados não está sujeita aos requisitos de rotulagem e rastreabilidade.

Verifica-se, portanto, que a hermenêutica aplicada na formulação da ação proposta e na decisão judicial é temerária e não deve prevalecer, visto que não resiste a uma análise sistemática rigorosa, está impregnada de conteúdo ideológico e é uma afronta à adequada administração da Justiça do Estado.

Reginaldo Minaré

Advogado e Mestre em Direito

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