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REFORMA AGRÁRIA ALMEJADA


Mario Hamilton Villela

A reforma agrária não depende apenas da vontade política de um governo, mas da vontade política de toda a nação. Também fica demonstrado que pouco adianta reforma agrária (distribuição de terra), se não houver uma reforma agrícola, ou seja, uma política adequada à realidade.

A terra é predestinada histórica e tecnicamente a produzir.

A reforma agrária democrática, honesta e cristã deve garantir o direito de propriedade do imóvel rural (conforme é previsto e assegurado na Constituição Federal, em seu Artigo 5 , inciso XXII) que, efetivamente, cumpra sua função social (Constituição Federal – Artigo 5º - inciso XXIII) e econômica, com um aproveitamento racional, com a conservação de recursos naturais renováveis, que preserve o meio ambiente e proporcione o bem-estar dos proprietários e trabalhadores dependentes da terra.

A reforma agrária impõe-se por um dever de justiça social, mas deve vir sempre, para ter sucesso, acompanhada de uma ampla política agrícola.

O enfrentamento do problema não pode ser adiado indefinidamente, por ser complexo, delicado ou mesmo explosivo. É preciso buscar a solução com coragem cívica, seriedade e competência técnica.

Com relação à problemática agrária brasileira, o jornalista Nelson Ramos Barreto, em recente defesa de tese na UnB, apresentou um trabalho muito interessante, transformado no livro intitulado “Reforma Agrária – O mito e a realidade” , lançado pela Editora Artpress (2003). Para desenvolvê-lo, percorreu mais de 20.000 km pelas cinco grandes regiões geográficas do Brasil, visitando 60 assentamentos de reforma agrária, retratando as condições encontradas, através de depoimentos dos próprios assentados.

Em seu trabalho, é destacado, através de citações, por exemplo, que “o Governo Fernando Henrique Cardoso fez a maior reforma do mundo no referente à distribuição de terras, distribui quase vinte milhões de hectares, uma área agrícola maior que os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná juntos, assentando no campo 635.035 famílias e despendeu dos cofres públicos o montante de 15,5 bilhões de reais. Quais foram os resultados? Sob o ponto de vista econômico, muitíssimo pouco, pois a grande maioria desses assentamentos, como se sabe, fracassou, essas famílias, de um modo geral, sobrevivem graças às cestas básicas que até o presente recebem do Governo. Quanto aos aspectos sociais, o que se vê, de um modo geral, é a disseminação de favelas no campo, que tendem a gerar a intranqüilidade e insegurança. Um em cada quatro assentados desiste de seu lote. Essa tem sido a média nacional. Em certas regiões do País, a metade dos assentados abandona o seu lotes.” (p.10 e 15)

Do mesmo trabalho do jornalista Nelson Ramos Barreto (p. 122) extrai-se o seguinte trecho: “o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda antes da posse, levantou o problema da reforma agrária para sindicalistas, dizendo que precisariam pensar no tipo de reforma agrária a ser feita. Porque, argumentou ele, não adiantava levar a miséria para o campo: - Hoje, dos 4 mil assentados que existem no Brasil, se o governo deixar de dar dinheiro, 80% morrem. Não sobrevivem. Apenas 20% construíram condições de sobrevivência; nós vamos ter de discutir claramente quantas famílias hoje estão na agricultura familiar (O Estado de São Paulo, 27/11/2002).”

Para se ter uma idéia de como anda essa problemática campesina, só no ano de 1997 foram assentadas no campo 42.000 famílias e, ao mesmo tempo, o campo expulsou, por falta de condições de infra-estrutura básica (leia-se política agrícola), mais de 150.000 delas todas de pequenos e médios proprietários rurais .

Infere-se de tudo isso que para se realizar uma reforma agrária como a aqui preconizada, não será com medidas ineficazes, paliativas, distorcidas, utópicas ou demagógicas que o problema será corrigido.

A solução para esse problema bastante complexo não está na eleição da reforma agrária na base da pura e simples distribuição de terra, muita menos no esfriamento do assunto. A matéria deve ser enfrentada sem colorações ideológicas e sem interesses econômicos, dentro da ótica da ética, da justiça social e da opção técnica.

Reforma agrária não é nem nunca foi uma questão apenas de distribuir terra (posse), mas primordialmente, um aspecto de uso racional da mesma e, sobretudo, de gente com capacidade para utilizá-la. A pura e simples distribuição de terras tenderá a estimular os conflitos e confrontos e desestabilizar a paz social.

Esses confrontos e/ou conflitos acabam justificando a intervenção do Estado e, muitas vezes, provocando terríveis erros técnicos, interferências políticas e até entraves judiciais, podendo até acarretar, como já ocorreu, o lamentável choque dos poderes constituídos.

A reforma agrária almejada é a que respeite o direito às propriedades produtivas asseguradas pela Carta Magna, proporcionando uma vida condigna aos assentados, fazendo a verdadeira justiça social e visando à ampliação da fronteira agrícola e o aumento da produção e produtividade.

* É Engº Agrº e Prof. Me da PUCRS

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