No dia 1o de julho de 2006, o Plano Real completou doze anos em um ano de eleição presidencial, com possibilidade de novamente mudar de administração. Considerando um avanço econômico e histórico para o Brasil o “Plano Real” sobreviveu a uma mudança de governo, passando das mãos de tucanos para as dos petistas. O que na visão de especialistas deve fazer pouca diferença, se comparado à disputa sucessória de 2002. Na época, o mercado financeiro e o setor produtivo temiam pela continuidade do real, diante da iminente vitória de Lula nas urnas. Desta vez, se a disputa voltar a ficar concentrada no PT e no PSDB, a tendência da estabilidade da moeda introduzida pelo Plano Real continuar com a sua trajetória.
Cláudio Boriola, presidente da Boriola Consultoria, conta a história da economia brasileira pré-Plano Real: “Havia uma completa inversão de valores. Em vez de educar a população para poupar, não fazer dívidas e fazer um pecúlio para a aposentadoria, era ensinado exatamente o contrário”. Segundo Boriola, o discurso era: “Não poupe ou guarde dinheiro. Ao receber o seu salário, gaste-o logo antes que desvalorize. Não tenha medo de fazer dívidas, pois elas vão se desvalorizar com o tempo. Não se preocupe com o futuro, viva o momento, pois o mercado financeiro e de capitais não funciona, e você vai perder todo o dinheiro investido”. O melhor investimento possível na época era– que compreende ados os dias, B deduz-se que havia outras formasde i a compra e venda de imóveis. A regra era adquirir duas ou três casinhas, alugá-las e complementar a aposentadoria. O setor produtivo – indústria, comércio e agricultura – era carente de investimentos. Era o setor público que investia em infra-estrutura, habitação (BNH) e agricultura. Como não havia poupança interna para o setor produtivo, o governo conseguia os recursos por meio de empréstimos externos (poupança externa), o que gerou a dívida externa e a imposição à população de um pesado tributo, o imposto inflacionário. Os bancos lucravam sobre os recursos dos depósitos à vista, pois não pagavam juros e os emprestavam com juros e correção monetária. Com exceção da parte que diz que os bancos lucravam, tudo isso pertence ao passado.
Victor Hohl, Economista Executivo da Boriola Consultoria, faz um resumo histórico do Real: “Durante estes doze anos de Plano Real, a inflação foi controlada, as contas do governo também (há superávit primário) e a questão cambial está nos trilhos, com o câmbio flutuante (dólar flutuando entre R$ 2,20 e R$ 2,60)”. Victor Hohl continua a enumeração: “A balança comercial (exportação/importação) se encontra altamente superavitária. Dívida externa em declínio, o governo já pré-pagou o FMI (não dependemos mais do FMI) e o prazo para pagamento da dívida externa remanescente foi aumentado. O Risco Brasil refluiu de 2.400 para em torno de 260 pontos atualmente, significando que o país está prestes a ser considerado pela comunidade financeira internacional livre de risco. O Mercado Financeiro e de capitais voltou a funcionar, e é confiável”.
Atualmente a população pode voltar a investir em poupança (apesar do baixo retorno mas com total liquidez). Aplicações de renda fixa e ações na bolsa de valores dão um dos maiores retornos do mundo. Os imóveis, que eram os melhores investimentos, passaram a ser os piores, se considerarmos a liquidez e a rentabilidade do investimento. Os recursos poupados passaram a ser investidos no setor produtivo. “Podemos citar muitos outros eventos positivos do Plano Real, mas estes são os mais importantes”, afirma Boriola.
O Plano Real foi calçado em três bases: ajuste fiscal, desindexação econômica e restrição da política monetária. E estes três pilares são nada mais do que o aumento dos impostos e cortes nos gastos públicos, preços indexados e restrição da atividade econômica interna brasileira. E fizeram-se então o melhor plano econômico já visto em terras tupiniquins.
Mas até quando durou o nosso alívio? Responde Cláudio Boriola: “A princípio o Plano Real parecia eterno, infalível, mas não era. Como a maioria das medidas econômicas, o nosso modelo depende de outros inumeráveis aspectos e medidas para o seu bom funcionamento, e o sonho de uma moeda tão valiosa quanto o dólar acabou em pouco tempo”. “Com a implementação e estabilização do Plano Real vieram outras mudanças econômicas no cenário brasileiro, e essas mudanças acarretaram um desequilíbrio fiscal, chegando a um déficit primário no ano de 1998”, confirma Victor Hohl. O nosso problema mudou de nome, não temos mais inflação exacerbada, mas os juros continuam elevados para a população. Esse é o atual problema da economia brasileira. Foi nesse contexto que surgiu outra peça fundamental para a continuidade e sustentação do Plano Real: o Fundo Monetário Internacional (FMI). Em novembro de 1998, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso o Brasil assinou um acordo de empréstimo com o FMI, que em contrapartida exigia algumas obrigações brasileiras. Boriola lembra que essa assinatura com o FMI foi resultado das crises asiática e russa, que reverberaram com força em nosso país: “A economia mundial ficou muito exposta aos riscos, evitando-os ao máximo. Isso exigiu que o governo aumentasse as taxas básicas de juros, fazendo com que, em setembro de 1998, a taxa de juros nominais ficasse próxima de 50% a.a.”. O Plano Real favoreceu a abertura da economia brasileira, permitindo o ingresso de produtos estrangeiros para concorrer em pé de igualdade com os brasileiros, mesmo depois da adoção do câmbio flutuante do dólar.
Comerciantes reclamaram, por exemplo, da concorrência dos produtos chineses, que levaram muitos empreendimentos brasileiros a fechar as portas. Qual é a questão neste caso? A abertura excessiva ou a falta de condição (ou competência) do empresário brasileiro na hora de competir? Até que ponto isso pôde fragilizar a economia de um país? Victor Hohl afirma que a soma desses fatores é a resposta. “Junte o real supervalorizado, as dificuldades burocráticas enfrentadas por nossos empresários, o excesso de tributos e também, por que não, a falta de confiança que muitos ainda têm nos produtos nacionais”, arrisca Hohl.
Boriola confirma a força do Plano Real lembrando que foi um dos únicos planos econômicos brasileiros a sobreviverem após mudanças de governo. “Antes de Lula assumir, os empresários tinham medo de atitudes drásticas que ele poderia tomar, mudando o rumo da nossa economia. Até a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) ameaçou, fez protestos... Mas vimos que isso não aconteceu”, diz Boriola. O Presidente acabou dando continuidade à política econômica vigente, o que parece ter sido a atitude correta, pelo menos até agora. Hohl diz que agora há o receio em relação ao possível segundo mandato de Lula, mas bem menor do que antes.
Mas Cláudio Boriola não é daqueles que ficam atrás da mesa, somente analisando dados e números. Além de aconselhar financeiramente dezenas de pessoas em sua consultoria todos os dias, também é o autor do projeto “Educação Financeira nas Escolas”. Se dependesse desse projeto, todas as crianças teriam direito à educação e orientação financeira durante seus estudos, o que resultaria numa população mais consciente da sua realidade econômica. “Se tivéssemos a educação financeira nas escolas, não seria necessário tantos malabarismos para entender como funciona um plano econômico como o Real. Fizemos uma parte. Se quiser crescer tem que investir de verdade em educação, infra-estrutura, logística, carga tributária compatível com o resto do mundo. Os gastos do Governo têm que ser com qualidade"., enfatiza Boriola.
O Plano Real foi um avanço econômico e histórico para o Brasil. Em seu décimo segundo ano podemos chegar à conclusão de que ele conseguiu sustentar o crescimento do país. E fica o desafio: sustentar mais ações sociais, o que suportaria ainda com mais firmeza o crescimento econômico do país.