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Pastagens Nativas dos Lavrados de Roraima



Newton de Lucena Costa
 As pastagens nativas dos lavrados de Roraima, apesar de limitações quantitativas e qualitativas, historicamente, sempre proporcionaram o suporte alimentar para a exploração pecuária, que passou a se constituir, ao longo dos anos, como a principal atividade econômica da região.
O sistema de pastejo contínuo com taxa de lotação variável, mas em geral extensivo a superextensivo e desvinculado do ritmo produtivo estacional, tem contribuição direta para os baixos índices produtivos dos rebanhos.
Como forma de melhorar as condições de alimentação, os criadores usam o fogo, prática de manejo das pastagens visando à eliminação da forragem não consumida e endurecida, proporcionando melhoria no valor nutritivo quando em estados iniciais de crescimento, onde o capim se torna mais tenro.
Nos lavrados onde o capim Trachypogonrepresenta 65% da pastagem nativa existente, a produção animal pode ser muito baixa, o que inviabiliza economicamente a atividade pecuária em áreas onde ocorre sua predominância, desde que não sejam implementadas práticas para o seu melhoramento.
O fogo tem sido, ao longo dos anos, o único elemento de manejo e o grande selecionador das espécies de gramíneas nativas nesse ecossistema, sendo utilizado em até três vezes por ano, constituindo-se em importante fator ecológico da região, porém com reflexos altamente significativos e negativos no passivo ambiental decorrente da atividade pecuária (Coradin, 1978).
Falar de savana implica inevitavelmente falar de fogo, pois mesmo antes da presença do homem nessas regiões, o mesmo já existia, ocorrendo de forma indiscriminada, visto que as queimadas ocorriam de forma acidental e iniciadas por raios ou altas temperaturas na seca e que levam a combustão espontânea, contribuindo de forma significativa para o aumento da emissão de gases do efeito estufa (Allem & Valls, 1987).
Além do fogo, a compactação do solo, formando uma camada endurecida na sua superfície, torna-o pouco permeável, impedindo a penetração mais profunda das raízes. Dessa forma, com a chegada da estação seca, o lençol freático desce e a falta de raízes profundas torna-se fatal para a maioria das espécies vegetais (Braga, 1998, 2000). Contudo, diversos estudos realizados com diferentes tipos de pastagens nativas de regiões tropicais, têm, consistentemente, demonstrado os efeitos deletérios do fogo sobre as características físicas e químicas do solo, além de proporcionarem incrementos efêmeros e de baixa magnitude na produtividade e qualidade da forragem em oferta.
Apesar de serem ecossistemas relativamente estáveis, as pastagens nativas, manejadas sob fogo, não possibilitam a obtenção de indicadores técnicos e ambientais que possam assegurar a sua sustentabilidade econômica, o que implica em uma exploração pecuária obsoleta e sem perspectivas de evolução.
Para tanto, a adoção de práticas alternativas às queimadas (calagem, adubação, roçagem, pastejo alternado, diferido ou rotativo) surgem como ferramentas de manejo que podem substancialmente modificar e melhorar os sistemas tradicionais de exploração da pecuária na região.
A pecuária bovina no lavrado apresenta sérias limitações, tais como alimentação, tipo de criação, qualidade zootécnica do rebanho, aspectos sanitários, dentre outras.
Especificamente em relação a alimentação, torna-se necessário o conhecimento das características morfogenéticas das gramíneas nativas. Existe uma estreita correlação entre o ciclo vegetativo das plantas e o seu valor nutritivo, pois à medida que a planta cresce, decresce a proteína bruta e aumenta os teores dos elementos estruturais (fibra, celulose e lignina).
A lignificação aumentando, leva à diminuição da digestibilidade e, consequentmente a diminuição do consumo voluntário de forragem. A abundância de forragem não significa necessariamente que o animal disponha de maior quantidade de alimento, muito pelo contrário, quanto mais velha for a pastagem, menor será o consumo, a digestibilidade e por conseguinte menos alimentado o animal estará.
Neste sentido, o conhecimento das características morfogênicas e estruturais das gramíneas nativas é de fundamental importância para o estabelecimento de práticas de manejo que assegurem sua produtividade, persistência e melhor utilização pelos animais.
Em áreas tropicais, com pastagem nativa, a estação seca passa a ser o maior problema limitante para a obtenção de melhores índices de produção animal. Nesse período, o valor nutritivo das gramíneas forrageiras decresce acentuadamente atingindo de 2 a 4% de proteína bruta, o que leva à perda de peso, influenciando diretamente na taxa de natalidade, na produção de leite e no crescimento dos animais.
Na época chuvosa, com a pastagem em crescimento, esta pode atingir entre 6 e 12% de proteína bruta, fazendo com que os animais ganhem peso. Estima-se, para as áreas de savana nativa, que 6% de proteína bruta seja o mínimo para que o animal mantenha seu peso equilibrado (Allen & Walls, 1987). Em outras palavras, quando a proteína bruta for inferior a 6% nas forrageiras, diz-se que seu teor é baixo; quando estiver entre 6% e 9%, este é mediano e quando for superior a 10% é alto.
Com o uso do fogo, fato semelhante ocorre, visto que na fase inicial de crescimento das forrageiras a proteína bruta está por volta de 8 a 10% e vai decrescendo para menos de 4% em 100 a 120 dias, após a queima, enquanto que o teor de fibra comporta-se de maneira exatamente inversa (Braga, 2000). Neste contexto, uma alternativa viável, técnica e economicamente, para o melhoramento das pastagens nativas, seria a introdução de leguminosas forrageiras, que além de contribuírem de forma significativa para o aumento da oferta de foragem de alto valor nutritivo, atuariam proativamente para a melhoria das características físicas e químicas do solo, seja pela fixação simbiótica de nitrogênio da atmosfera ou pela adição ao sistema solo-planta de expressivas quantidades de matéria orgânica, via deposição de resíduos vegetais.
Apesar da grande relevância social e econômica da pecuária em Roraima, os indicadores zootécnicos são extremamente baixos, notadamente quanto à produtividade de carne e a capacidade de suporte das pastagens (6 a 8 hectares/animal), denotando subutilização dos recursos naturais disponíveis, implicando em significativos prejuízos econômicos, sociais e ambientais.
As principais causas para o fracasso da pecuária, enquanto atividade estável e com perspectivas promissoras de expansão, talvez resultantes da indefinição fundiária existente, são a baixa fertilidade dos solos, a baixa qualidade da pastagem nativa, agravada pela oferta estacional, a falta de investimento na formação de pastagens de boa qualidade e de mineralização adequada dos rebanhos (Gianluppi et al., 2001). Estimativas feitas por Braga (1998) indicam que, em pastagem nativa não melhorada, a produção de carne foi da ordem de 7 a 9 kg/ha/ano, sendo o peso médio de carcaça de 160 kg.
A média estadual é de 223 kg para os machos e de 171 kg para as fêmeas, considerando-se que a terminação dos animais ocorre em áreas de floresta, onde as pastagens cultivadas são de melhor valor nutritivo (Braga, 2000). O desempenho produtivo de bovinos anelorados em pastagem nativa, recebendo como suplementação apenas sal comum (cloreto de sódio), foi insignificante (0,056 kg/dia), evidenciando, categoricamente, sua insustentabilidade econômica. Estes indicadores podem ser consideralvelmente incrementados com a adoção de práticas mais eficientes de manejo das pastagens nativas, as quais, necessariamente, não implicarão na utilização de insumos que onerem os custos de produção.
Nos lavrados de Roraima a facilidade com que ocorre a fratura ou quebra de ossos, quando os animais são manejados nos currais é muito comum. Esta situação está muito ligada à deficiência de fósforo, cálcio e magnésio nos ossos, pois a disponibilidade desses nutrientes na pastagem é muito reduzida, não fornecendo o mínimo necessário que atenda às exigências do animal, seja para seu crescimento, manutenção ou produção e reprodução (Souza et al., 1987; Braga, 2000).
Com isso, os ossos tornam-se fracos, e uma das formas que os animais utilizam para suprir essa necessidade é feita pela ingestão de ossos provenientes de restos de carcaças encontradas nos campos. Essa observação é vista quando se encontra bovinos “roendo” ossos. A deficiência de fósforo nos solos de Roraima foi confirmada por Souza & Darsie (1986). Com relação ao fósforo, considerado o mais limitante do desempenho bovino, sua baixa disponibilidade contribui para a obtenção de baixos índices de fertilidade das fêmeas, crescimento lento, elevado índice de fratura óssea e principal fator determinante do aparecimento do botulismo.
O lavrado de Roraima é uma das áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade na Amazônia (Ministério do Meio Ambiente, 2008) e uma das áreas de endemismo da América do Sul (Barbosa et al. 2007). De acordo com o Projeto Corredores Ecológicos, o lavrado se insere no corredor norte, considerado “globalmente relevante por sua distinção biológica e de alta prioridade em escala regional”(Ministério do Meio Ambiente, 2002).
Estudos de grande escala mostram que o lavrado possui características biológicas e ecossistêmicas únicas, tendo maior similaridade com outras savanas do bioma Amazônia do que com as savanas do bioma Cerrado. No lavrado, o enorme gradiente de altitude e pluviosidade contribuem para formar um mosaico de fitofisionomias de áreas abertas (não-florestas) entremeadas por sistemas florestais que, aliada a sua localização entre as bacias do Amazonas, Orinoco e Essequibo, tornam a região de especial importância para a conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos.
O lavrado é dominado por áreas abertas, mas é importante ressalvar que também apresenta ambientes florestais. Os ambientes não-florestais são as savanas verdadeiras, cobrindo cerca de 70% da região, e agrupando todos os sistemas não-florestais.
Atualmente, o agronegócio representa a principal atividade de impacto ambiental no lavrado, ao lado da grilagem de terras, pecuária extensiva e olarias. O crescimento urbano desordenado é outra preocupação importante, pois este ambiente abriga mais de 80% da população em menos de 20% da área física do Estado. A maior parte das áreas de silvicultura e produção de grãos de Roraima estão no lavrado.
Os principais cultivos são de Acacia mangium, espécie exótica usada para reflorestamento (30 mil ha), arroz irrigado (19 mil ha) e soja (9 mil ha). O plantio de cana-de-açúcar, até o momento, está em fase experimental (800 ha). Antigos cultivos (caju e eucalipto) ligados ao FISET (Fundo de Incentivo Setorial) do início da década de 1980 (< 1500 ha), e os atuais projetos de fruticultura da Prefeitura de Boa Vista (600 ha) também podem ser somados ao lavrado. Embora a área total utilizada por estes projetos ainda seja inferior a 65 mil hectares, o cenário é favorável para a expansão do agronegócio em toda a área de savana que se localiza fora das terras indígenas (cerca de 1,7 milhão de hectares).
A principal conseqüência da expansão das monoculturas será o impacto sobre os recursos hídricos e a perda de biodiversidade. Contudo, considerando-se a cobertura vegetal dos lavrados de Roraima, constituída basicamente por gramíneas nativas, pode-se inferir que a pecuária, em moldes racionais e sustentáveis, seria uma atividade econômica que poderia, em níveis satisfatórios, assegurar sua preservação, além de contribuir de forma positiva para a geração de emprego e renda. Ademais, o manejo adequado do ecossistema lavrado é uma alternativa que potencialmente pode reduzir a ocorrência de incêndios, naturais ou propositais, evitando catástrofes ambientais como a ocorrida em 1998, a qual foi considerada uma das maiores do século XX (Lourenço, 2003).
Com o ajuste da carga animal, em função da capacidade de suporte da pastagem nativa, a disponibilidade de material, com fonte de combustível para a queima, é reduzida a níveis extremamente baixos, diminuindo consideravelmente a ocorrência de incêndios.
 
Referências Bibliográficas

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