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Os transgênicos e a visão unidimensional do Ministério Público da União


Reginaldo Minaré

                    O controle de constitucionalidade, que no direito brasileiro pode ser preventivo ou repressivo, caracteriza-se pela verificação de compatibilidade de uma norma em construção ou publicada, com o que é estabelecido pela Constituição Federal - CF, tanto do ponto de vista formal quanto material.

Atuando de forma preventiva, os sistemas de controle das instituições podem impedir a construção e publicação de norma incompatível com os comandos constitucionais, são exemplos a atuação das Comissões de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e o instituto do veto presidencial. Quando, por algum motivo, o controle preventivo não cumpre seu papel e alguma norma publicada suscita conflito com a CF, o controle repressivo, que é exercido pelo Poder Judiciário, é o caminho para dirimir o embate e, caso seja caracterizada a inconstitucionalidade, eliminar do mundo jurídico a norma conflituosa. Esse controle de constitucionalidade realizado pelo Judiciário pode ser feito de forma difusa, averiguando a compatibilidade da norma com a CF mediante análise de um caso concreto, e concentrada, onde a questão constitucional é examinada em tese.

Especificamente sobre a Lei nº 11.105/05 (Lei de Biossegurança), de 24 de março de 2005, que estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades com organismos geneticamente modificados - OGM e seus derivados, o Procurador-Geral da República – PGR, um dos poucos legitimados pela CF para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI, propôs, no dia 20 de junho de 2005, a ADI nº 3.526, contestando, em tese, diversos dispositivos da Lei de Biossegurança. A ADI proposta, que tramita no Supremo Tribunal Federal – STF, atualmente está com o seu processamento parado, visto que desde o dia 24 de maio de 2006 o processo está com vista ao PGR que não devolve os autos ao STF e impede que o ministro relator, Celso de Mello, apresente seu voto.

Em despacho proferido no dia 19 de maio de 2006, o ministro relator da ADI mandou ouvir o eminente PGR, cumprindo o que determina o artigo 12 da Lei 9.868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento de ação direta de inconstitucionalidade e de ação declaratória de constitucionalidade perante o STF. De acordo com o mencionado artigo 12, "havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação".

Para cumprir o que é estabelecido pelo artigo 12 da Lei nº 9.868/99, o Advogado-Geral da União demorou do dia 13/03/2006 ao dia 24/04/2006, menos de um mês, procedimento que o PGR, passados 02 anos e três meses, ainda não concluiu. De duas uma: ou o processo está esquecido em alguma gaveta ou o Procurador-Geral, vislumbrando uma derrota, optou por prolongar a polêmica e manter um ambiente de dúvida que é impróprio para os elevados investimentos necessários à pesquisa e inovação tecnológica no campo da biotecnologia moderna.

Analisando a rápida ação do Ministério Público Federal - MPF diante da publicação da Lei de Biossegurança, sua atual ausência de pressa no julgamento da ADI proposta e sua permanente inação diante da publicação de leis estaduais que proíbem a produção de OGM em seus territórios, afrontando a regra da competência concorrente estabelecida pela CF, resta claro que o que menos preocupa o MPF quando o assunto é o desenvolvimento e uso de produtos oriundos da engenharia genética é a garantia da integridade dos comandos constitucionais.

No caso da controvérsia objeto da ADI nº 3526, a demora na devolução do processo, além de não permitir que o STF cumpra o seu papel de guardião da CF, atrapalha a realização do que é estabelecido pelo artigo 218 da CF, que assegura que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas. Em outras palavras, tanto o objetivo de aferir de forma definitiva a compatibilidade da Lei de Biossegurança com os comandos constitucionais nem o de interromper a incidência dos efeitos negativos oriundos da insegurança jurídica provocada pelo questionamento da citada norma são atingidos.

Observa-se, portanto, uma total descaracterização dos objetivos da ADI. Para evitar situações dessa natureza, seria interessante modificar a Lei nº 9.868/99 e criar mecanismo para assegurar a observância dos prazos estabelecidos, atribuindo, por exemplo, competência ao relator da ADI para dar prosseguimento ao julgamento em casos de demora não justificada.

 

Reginaldo Minaré
Advogado e Diretor Jurídico da ANBio

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