CI

O que querem os jovens rurais?


Marcos Marques de Oliveira

Critérios mais flexíveis, maior agilidade dos tramites de liberação por parte dos agentes financeiros e uma ampla divulgação nos meios de comunicação de massa dos programas de financiamento voltados para jovens da agricultura familiar. De acordo com os participantes da II Jornada Nacional do Jovem Rural, realizada de 17 a 20 de setembro, nas cidades de Luziânia (GO) e Brasília (DF), essas são as condições fundamentais para que o Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar (Pronaf) possa, realmente, promover a ampliação do acesso ao crédito, dando condições para que um maior contingente de jovens consiga implementar projetos de empreendedorismo em suas propriedades agrícolas.

Em uma conversa com esse articulista, Emanoel Sobrinho, coordenador de Juventude do Movimento de Organização Comunitária (MOC), que atua na “Região do Sisal”, no semi-árido baiano, foi incisivo: “Mesmo os que conseguem atender às muitas exigências, esbarram na burocracia. É preciso ações complementares para que o Pronaf-Jovem possa realmente sair do papel. Conseguimos, onde a gente atua, juntar 150 interessados durante uma ação de divulgação do programa. No entanto, na hora de preencher os formulários, apenas 1/3 tinha o CPF. E dos que conseguiram preencher, muitos tiveram problemas para cumprir a exigência de ter a terra em seu nome, dado ao alto custo dos títulos de transferência. É preciso que o governo atenda as necessidades mais básicas da população para que o Pronaf-Jovem deixe de ser um programa desenhado para uma juventude rural que não existe. 

Acesso à saúde, cultura, esporte, lazer e segurança também estão presentes nas demandas postas na carta de propostas da II Jornada, que foi entregue, na manhã do dia 20 de setembro, a Beto Cury, secretário Nacional de Juventude do Governo Federal. A expectativa dos jovens é que as demandas cheguem ao Presidente da República. Na audiência, uma comissão de jovens, representando os 618 participantes do encontro pôde falar diretamente ao secretário sobre outros problemas que afligem filhos e filhas de pequenos agricultores brasileiros.

Na área de ensino, por exemplo, além do reconhecimento de iniciativas públicas não-estatais de educação popular, com o conseqüente apoio efetivo e contínuo às organizações da sociedade civil que as realizam, os jovens rurais reivindicam uma previsão orçamentária específica para assegurar a autonomia na gestão e a formação continuada dos educadores destes estabelecimentos. “O caso dos Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFAS) é exemplar, nesse aspecto. O recente reconhecimento legal de sua metodologia de ensino não foi acompanhado da devida provisão de recursos. O que coloca em risco uma das mais genuínas e promissoras experiências de formação na área rural, que é a chamada Pedagogia da Alternância”, diz um trecho do documento. 

Mas eles querem mais. Considerando-se a inadequação dos projetos políticos pedagógicos e dos currículos, os jovens pedem uma reformulação no sistema de ensino oficial. Para eles, a ênfase na escola formal situada no espaço rural deve estar na agricultura familiar e em um modelo de produção agrícola preocupado com a preservação do meio ambiente e a equidade social. De acordo com a carta, a perspectiva “agroecológica” deve ser também o norte do ensino ministrado nas escolas técnicas agrícolas e nos serviços de assistência técnica e extensão rural.

Na conversa com o secretário, Maria Alice Anastácio, coordenadora de jovens da Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) fez mais um alerta: “É preciso também uma melhor articulação entre o governo federal, Estados e municípios. Uma política ‘nacional’ não pode ter como obstáculo as divergências partidárias. Além disso, as políticas públicas para juventude teriam mais sucesso se contassem com a efetiva participação dos próprios jovens nos momentos de elaboração, implementação e avaliação das mesmas”. 

A fala acima contempla, justamente, o primeiro ponto da carta da II Jornada, na qual se afirma que “a reversão da histórica tendência de êxodo juvenil no meio rural será bem-sucedida se o papel estratégico da própria juventude no desenvolvimento sustentável dos respectivos territórios rurais for realmente reconhecido”. A expectativa dos jovens é que os governos não deixem de apoiar as experiências de protagonismo juvenil que visam influenciar a agenda política, em todas as esferas do poder. A proposta concreta é que os agentes estatais, ao criar ou rever as políticas públicas, reservem um espaço efetivo – “com voz e voto” – para as lideranças juvenis, levando em consideração as suas diversas identidades étnicas, culturais e de gênero.

No Congresso

O mesmo recado foi dado no encerramento do evento no Congresso Nacional, em sessão pública realizada no Auditório Nereu Ramos, com presenças de representantes de todos os poderes da República: Arlindo Chinaglia (PT-SP), presidente da Câmara dos Deputados; Lelio Bentes Corrêa, ministro do Tribunal Superior do Trabalho; Marco Aurélio Loureiro, diretor de Apoio a Projetos Especiais do Ministério do Desenvolvimento Social; e, entre outras, das deputadas Janete Pietá (PT-SP) e Rita Camata (PMDB-ES). 

Além da leitura da carta, que trazia em essência o que foi debatido em Luziânia, as autoridades puderam apreciar um pouco do que aconteceu na “Jornada Cultural”, evento paralelo que mostrou as mais variadas manifestações artísticas em que estão imersas a juventude rural brasileira. No “Cordel da II Jornada”, escrito por Marciano Rodrigues, jovem pernambucano do município de Manarí (PE), a mensagem dos jovens era sintetizada na seguinte estrofe: “E agora finalizando/Eu lhes faço um pedido/Cuidem bem da juventude/Que eu fico agradecido/Transformem em políticas públicas/As propostas do papel/Não engavetem por favor/Esse nosso pequeno cordel”.

De acordo com Rita Camata, o que ela havia visto ali, naquele espaço hoje tão vilipendiado pela opinião pública, era motivo de muita esperança: “O que vocês trouxeram aqui, ao Congresso Nacional, não foi apenas um conjunto de pleitos enriquecedores. A carta, na verdade, é um verdadeiro ‘programa de governo’, pela coerência das propostas e seriedade das análises. E vocês não falam apenas por vocês que estão integrados a projetos educativos de qualidade. Vocês falam também pelos que nada tem. O que faz da carta, a ser registrada nos anais da Câmara, uma importante ferramenta de trabalho para melhorar o campo. O Brasil agradece por ter jovens ruralistas que sabem o que realmente querem”. 

E agora?

Mas eles querem (e podem) mais. Como disse a baiana Miriam, de quem – infelizmente – não me lembro o sobrenome: “Que eles não se preocupem. Se não fizerem nada, nós voltamos”. E não duvidemos. Quem viveu os quatro dias com essa galera, oriunda de inúmeras experiências alternativas em educação “do” campo, sabe do que eles são capazes.

Fortalecido os vínculos cooperativos, dando continuidade a um processo de troca de experiências que vem desde 2005 (quando da I Jornada), jovens e educadores rurais de 22 estados brasileiros, fizeram profundas reflexões a partir de uma complexa diversidade de idéias e expectativas sobre o tema “Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial”. Chegaram, ao fim, a um conjunto de proposições que deverá funcionar como uma agenda permanente de ações em prol dos jovens rurais, envolvendo ainda os representantes dos poderes públicos. Agora, os jovens voltam para as suas regiões mais preparados para plantar as novas sementes de transformação do meio rural. 

Eis, em resumo, o que querem os jovens agricultores do país: crédito de verdade, educação de qualidade que retrate à sua realidade, assistência técnica baseada em um modelo de produção agrícola sustentável e, por fim, participação nos processos decisórios. Quem irá de negar?

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.