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O preço da opinião


Gilberto R. Cunha

Opinar, verbo derivado do latim opinari, corresponde ao ato de alguém expor aquilo que pensa sobre determinado assunto. Envolve, quase sempre, uma visão pessoal de mundo, conceitos prévios, juízo de valor, princípios doutrinários e - por que não? - também um pouco de presunção. De qualquer forma, a opinião é algo indissociável do indivíduo. Mesmo que em sociologia se fale em “opinião pública”, com referência a um tipo de juízo coletivo adotado e exteriorizado de forma grupal.

Ter opinião é algo inerente ao ser humano. Isso significa que o “indivíduo A” pode ter uma idéia diferente do “indivíduo B”, sobre determinada coisa. E, de qualquer forma, não implica em que A ou B sejam os donos da verdade. Até porque existem os indivíduos B, C, D, e assim por diante, que, por uma razão ou por outra, podem não concordar nem com A nem com B. Só os pusilânimes (forma polida de “Maria-vai-com-as-outras” ou “turma de cima do muro”) opinam sempre em conformidade com a maioria, não fazendo questão nenhuma de expressar idéias próprias, mesmo quando consultados. Mas, pior que os pusilânimes são os “duas caras”: aqueles que ventilam opiniões em público diferentes das expressas em particular. O que, também, não significa que não seja admissível alguém mudar de opinião. Isso é perfeitamente normal, considerando-se o surgimento de fatos e novas circunstâncias.

Entender os fenômenos da pusilanimidade, da duplicidade de opinião, e porque, algumas vezes, há pessoas que hesitam em dizer aquilo que pensam, mesmo já tendo uma opinião formada, não é tão difícil assim. Basta ter claro que, por trás da opinião, há a responsabilidade, e que a relação custo/benefício nem sempre pode ser favorável para quem opina. Na história da ciência, são inúmeros os casos de cientistas que pagaram um preço por terem opinião divergente da maioria ou, simplesmente, pela possibilidade de suas idéias influírem na formação da já referida “opinião pública”. Mas, também, é preciso deixar claro que, em alguns casos, essa maioria, ou sociedade, acabou pagando um preço mais elevado, por ter opinião contrária a desses cientistas. Nesse particular, quase todo mundo lembra de Galileu Galilei e dos Tribunais da Santa Sé, mas pouco sabe do caso Linus Pauling e da descoberta da estrutura do DNA.

Linus Carl Pauling (1901-1994) foi um dos mais aclamados homens de ciência, no século 20. Esse cientista americano, ganhador de dois Nobéis, por suas descobertas na área de química (1954) e pela sua luta em defesa da paz mundial (1962), era muito reverenciado nos Estados Unidos, até o final dos anos 1940, tendo inclusive recebido as maiores honrarias concedidas pelo governo daquele país, pelos méritos dos seus achados científicos. Poucos anos depois, era considerado um inimigo do povo americano, sendo cancelados seus contratos de projetos de pesquisa com o governo, e ele proibido de sair dos Estados Unidos. O que havia mudado? Nada, somente que Pauling, após 1945, iniciou uma pregação contrária ao uso da energia atômica para fins beligerantes, em tempos de guerra-fria e em plena era McCarthy.

Voltando à reverenciada estrutura em dupla hélice do DNA: Linus Pauling era o maior químico cristalográfico do momento, e tinha tudo para chegar, antes de Watson e Crick, a essa descoberta. Aconteceu que ele fora convidado como palestrante de um encontro sobre estrutura de proteínas, que aconteceu em Londres, em maio de 1952, mas não teve permissão para sair dos Estados Unidos. O Departamento de Defesa lhe vetou a concessão do passaporte, alegando que poderia não ser em defesa dos melhores interesses dos Estados Unidos. Os historiadores da ciência acreditam que essa censura custou, aos Estados Unidos, a descoberta da dupla hélice do DNA, favorecendo os pesquisadores de Cambridge, uma vez que Pauling não viu as fotografias de DNA cristalizado por difração de raios X, apresentadas por Rosalind Flanklin no referido evento. Foi com base nelas que Watson e Crick chegaram ao modelo de dupla hélice do DNA, publicado na histórica nota da Revista Nature, de abril de 1953, mesmo que não façam qualquer referência a Rosalind Flanklin.

(Gilberto R. Cunha é pesquisador da Embrapa Trigo, de Passo Fundo/RS, e membro da Academia Passo-Fundense de Letras.)

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