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Negociar: A capacidade de ouvir e a inteligência ao argumentar


Cláudio Boriola
Encontrei meu amigo Achiles (é assim que se escreve), que tem nome de guerreiro, mas, como o general grego, também tem um calcanhar sensível. Sério, responsável e tranqüilo, Achiles associa estas qualidades a uma genuína preocupação com o nome respeitável que conseguiu construir ao longo dos anos. Um tanto introvertido, de poucas palavras, tímido mesmo, ele começou a me falar de sua dificuldade para vender um carro usado. Aliás, um belo carro, muito bem conservado. E dizia o meu amigo: “Eu não sei vender nada, não nasci para isso. Faço qualquer trabalho, executo qualquer tarefa, menos vender; isto eu não aprendi! Como é que eu abordo as pessoas, como pergunto se elas desejam adquirir um carro, como posso saber se o carro serve para elas? E se elas começarem a colocar defeitos, a regatear o preço...”. 
Quantas vezes temos ouvido outros Achiles dizerem as mesmas coisas? Não são capazes de vender! Pensando nisso, resolvi fazer um exercício com meu amigo. E lhe perguntei:  Ora, Achiles, não está você tentando me "vender" a idéia de que não é capaz de vender? E quando você argumenta com sua esposa, com seus filhos, tentando fazer com que eles adotem determinados comportamentos, não é isto uma "venda" de idéias, de princípios, de valores? Sei que você os ouve, argúi sobre seus desejos e expectativas, tenta compreender seus pontos de vista, suas ansiedades e motivações. Inteligente e sensível como você é, está sempre tentando compatibilizar suas idéias com o que você ouve deles. Aliás, já vi você argumentando com o Ulisses, seu filho mais velho, jovem impulsivo e irrequieto, de maneira muito diferente da forma como argumentava o mesmo assunto com Péricles, o do meio, tranqüilo e calmo como você e ainda de maneira muito diferente como faz com Diana, sua linda, carinhosa e meiga filha. Isto para não falar do jeito que você tem para dialogar com Dona Lúcia, sua esposa, mulher decidida, objetiva e que não perde tempo com minúcias e detalhes pouco importantes. Quantas decisões ela já não tomou a partir de informações e análises que você fez!? Ora, Achiles, vender é isso: é ouvir os outros, perceber suas necessidades e oferecer-lhes algo que seja capaz de atender a estas necessidades; é levar soluções para seus problemas, é agregar valor para quem compra, é proporcionar benefícios. Você é um grande negociador e não sabe!
Parece que os livros não enfatizam que vender, negociar, é um ato de vida; de toda a vida e desde muito cedo. Não há fórmulas mágicas ou infalíveis. É claro que o estudo das técnicas, o emprego de boas estratégias e táticas e, sobretudo, uma argumentação compatível com o estilo do outro negociador, ou seja, "falar a língua do outro", tudo isto são ferramentas preciosas nas mãos dos bons negociadores.
Independentemente dos livros, a atitude correta, a competência de saber perguntar, a capacidade de ouvir e a inteligência ao argumentar são as grandes virtudes de meu amigo Achiles. Como o general grego, seu calcanhar, como o de muitos outros, são suas dúvidas sobre o próprio potencial.
Ah... Achiles vendeu muito bem aquele carro.
Esta é uma das táticas mais antigas utilizadas em negociações. Também é conhecida como a "tática do bode". Acredito que você já tenha passado pela experiência que vou descrever a seguir:
"Era uma vez um homem sábio que vivia num pequeno vilarejo. Uma mulher infeliz foi até ele em busca de conselho. Ela vivia numa pequena choupana, onde mal cabiam seu marido e as duas crianças. Acontece que os pais de seu marido ficaram numa situação difícil, não tendo mais onde viver. Sendo boa, ela deixou que eles se mudassem para a já lotada cabana. Não demorou muito para que a situação ficasse complicada. ‘O que devo fazer?’, perguntou ela ao sábio.
Ele alisou a barba, pensou um pouco e perguntou: ‘A senhora tem um bode?’. ‘Sim’, ela disse, ‘mas o que isso tem a ver com o meu problema?’. ‘Eu sei o que fazer – leve o bode para a choupana por uma semana e depois volte aqui.’ Ela seguiu o conselho relutantemente, mas já que ele era um sábio...

Passada uma semana as coisas pioraram. Cada vez que o bode se virava, os seis moradores tinham que mudar de lugar. Era impossível dormir. A senhora em prantos, resolveu voltar ao sábio. ‘Estou muito pior do que antes’, disse ela e lhe contou toda a história.

Ele mais uma vez alisou a barba, pensou um pouco e perguntou: ‘A senhora tem galinhas?’. ‘Sim’, ela disse, ‘mas o que isso tem a ver com o meu problema?’. ‘Eu sei o que fazer – leve as galinhas para a choupana por uma semana e depois volte aqui.’ Mais cética do que nunca, ela novamente seguiu o conselho do sábio.

Após uma semana, histérica, ela retornou. ‘Você é louco’, disse ela. ‘Seu conselho não vale nada. Agora é impossível viver na minha choupana. O bode se vira, as galinhas voam, os hóspedes tossem, as crianças acham penas na sopa e eu brigo todos os dias com meu marido. É tudo culpa sua!’

Calmamente o sábio alisou sua barba, pensou mais um pouco e disse: ‘Cara senhora, tente mais uma coisa quando voltar para casa. Retire as galinhas. Retorne aqui em uma semana’. ‘Esse homem é meio bobo’, ela pensou. Mas por via das dúvidas, ela decidiu seguir o conselho pela última vez.

Após uma semana ela retornou. ‘Como se sente, minha senhora?’, ele perguntou. ‘Isto é ridículo, mas me sinto um pouco melhor agora que as galinhas estão fora da choupana.’ Ele ouviu o comentário e disse: ‘Tenho a solução final para seu problema. Tire o bode’.

A senhora tirou o bode e viveu feliz para sempre com seu marido, crianças e sogros."
É desta maneira que negociadores experientes conseguem levar vantagem em seus negócios. Eles criam dificuldades artificiais (o bode), e lentamente vão retirando uma por uma, dando a impressão de que estão fazendo uma concessão dolorosa. Esta é a tática mais utilizada em negociações sindicais. Pede-se muito para conseguir aquilo que é realmente o desejado. Experimente utilizar esta técnica e você ficará surpreso com os resultados.

Cláudio Boriola,  Consultor Financeiro, conferencista, especialista em economia doméstica e direitos do consumidor. Fundador e Presidente da Boriola Consultoria - www.boriola.com.br. Autor dos livros: Paz, Saúde e Crédito;  Práticas da Negociação; De Um tostão a Um Milhão e do Projeto para inclusão da disciplina "Educação Financeira nas Escolas"  Para falar com o Consultor clique aqui

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