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Manejo da resistência de plantas espontâneas aos herbicidas


José Luis da Silva Nunes
Introdução
As plantas espontâneas competem com as culturas por água e nutrientes podendo, também, ser responsáveis pela produção e liberação de substâncias alelopáticas no ambiente, além de atuar como hospedeiras intermediárias de insetos pragas e patógenos.
O grande risco do uso continuado de herbicidas de um mesmo grupo químico e/ou mecanismo de ação é o aparecimento de biótipos de plantas espontâneas resistentes ou tolerantes. O surgimento de resistência aos herbicidas é um fenômeno ligado à seleção de biótipos ou populações não mais controláveis pelos produtos defensivos. A resistência aos herbicidas está condicionada a uma mudança genética na população, imposta pela pressão de seleção, causada pela aplicação repetitiva do herbicida na dose recomendada. Os biótipos podem apresentar níveis diversos de resistência.

Desta forma, a resistência é a capacidade adquirida de dada planta em sobreviver à determinada dose de um herbicida que, em condições normais, controla os demais integrantes da população. A resistência pode ocorrer naturalmente (seleção) ou ser induzida com o uso de biotecnologia.
Histórico
Os primeiros casos de resistência na agricultura do país datam da década de 80, com o relato da seleção de espécies tolerantes ao herbicida Metribuzin. Como esse defensivo não apresenta controle satisfatório do leiteiro (Euphorbia heterophylla), selecionou esta espécie nas lavouras onde era utilizado. Esta espécie passou a ser a principal planta espontânea a ser eliminada nas lavouras. O problema com o leiteiro foi resolvido com o lançamento no mercado de soja de uma nova molécula herbicida, o Imazaquin, que passou a ser amplamente utilizada pelos produtores de soja. Então, em meados da década de 90, surgiram os primeiros casos de resistência (Euphorbia heterophylla e Bidens pilosa) e de plantas tolerantes (Cardiospermum halicacabum) relatados no Brasil ao Imazaquin.
A experiência vivida com os herbicidas Metribuzin e Imazaquin apresenta características semelhantes ao que está acontecendo atualmente com o glyphosate, ou seja, os aspectos sobre a dinâmica de populações das plantas espontâneas e a possibilidade da seleção de espécies tolerantes e/ou resistentes não foram considerados. Além disto, a utilização constante de tecnologias que envolvem Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) na última década, associado ao uso de glyphosate, permitiu reduzir ou eliminar a necessidade de outros herbicidas para o manejo de diferentes espécies de plantas espontâneas, o que acabou contribuindo para o aumento da pressão de seleção e o aparecimento de biótipos resistentes a molécula deste herbicida. 
Características de uma planta para ser considerada espontânea
1. As plantas espontâneas são dotadas de certas características que lhe são peculiares e que interferem na estratégia de seu manejo. Para se manejar bem estas plantas há necessidade de se conhecer mais profundamente tais características, que podem ser identificadas como:
2. As plantas espontâneas podem se desenvolver (germinar suas sementes e crescer) em ambientes pouco propícios. Esta é uma característica que varia em função da espécie, pois todas germinam e desenvolvem melhor em condições mais amenas, porém certas espécies são capazes de se desenvolver onde outras não seriam capazes;
3. As espécies espontâneas têm como característica uma alta capacidade de multiplicação, expressa por extrema facilidade de florescimento. Isto porque, em quaisquer que sejam as condições, a maioria das espécies espontâneas floresce e produz sementes;
4. As plantas espontâneas apresentam alta capacidade de perpetuação e competição, expressa, juntamente com a dormência, pela grande quantidade de sementes produzidas;
5. As sementes das diversas espécies espontâneas apresentam adaptações especiais que facilitam a sua dispersão, que pode ser dar de diferentes formas (pelo vento, por animais, pela água de irrigação, pela contaminação de lotes de sementes de plantas cultivadas, etc);
As espécies espontâneas apresentam variações genéticas dentro de uma mesma população, que facilitam sua adaptação às práticas de manejo das culturas, tornando-as tolerantes as mesmas. Quanto maior a heterogeneidade de uma população, maior será sua capacidade de adaptação às práticas de manejo. 
Mecanismos de resistência
Sabe-se que os herbicidas provocam mudanças no tipo e proporção de espécies de plantas espontâneas que compõem a população da lavoura. Isso se explica pelo fato do herbicida não controlar igualmente as espécies existentes na área, com isso alguns indivíduos acabam beneficiados e se multiplicam. Desta forma, plantas espontâneas que apresentavam baixa ocorrência podem acabar se tornando um grave problema para o produtor. Este é um processo já constatado e relatado para praticamente todos os herbicidas em uso na agricultura.
Já a tolerância é a capacidade inata de algumas espécies em sobreviver e se reproduzir após o tratamento herbicida, mesmo sofrendo injúrias. Estas características relacionam-se com a variabilidade genética natural da espécie. Em dada população de plantas existem aquelas que, naturalmente, toleram mais ou menos um determinado herbicida.

O ciclo de vida curto, a elevada produção de sementes e a baixa dormência destas, a produção de várias gerações reprodutivas por ano e a extrema suscetibilidade a um determinado herbicida são características bioecológicas que favorecem a seleção de indivíduos resistentes dentro de uma população de plantas espontâneas. Além disto, a ampla variabilidade genética permite a adaptação e a sobrevivência dessas espécies em diversas condições ambientais. A resistência de espécies vegetais a ação dos herbicidas está ligada a capacidade natural e herdável de alguns indivíduos dentro de uma determinada população de plantas de sobreviver e se reproduzir, mesmo após a exposição a doses de herbicidas que seriam letais a indivíduos normais (suscetíveis) da mesma espécie. Assim, a ocorrência da resistência aos herbicidas é um fenômeno que ocorre naturalmente nas populações de plantas espontâneas, não sendo o herbicida o causador do fenômeno, mas sim o agente selecionador dos indivíduos resistentes, que apresentavam baixa frequência populacional inicial.
O principal fator desencadeador do surgimento destes indivíduos resistentes está associado ao manejo das plantas espontâneas através do uso exclusivo de herbicidas e/ou da aplicação continuada do mesmo herbicida ou de herbicidas com o mesmo mecanismo de ação para o controle de uma espécie vegetal durante sucessivos períodos agrícolas. Porém não são quaisquer plantas espontâneas que tem potencial para que biótipos resistentes a determinado herbicida sejam selecionados rapidamente. O tempo para seleção de espécies tolerantes e/ou resistentes pode variar de dois anos (caso dos herbicidas inibidores da ALS) a até mais de 20 anos (caso do glyphosate), enquanto algumas espécies raramente teriam seus biótipos resistentes selecionados. Os gêneros com maior número de biótipos resistentes no mundo são Lolium, Avena, Amaranthus, Chenopodium, Setaria, Echinochloa, Eleusine, Kochia e Conyza. Segundo o “International Survey of Herbicide Resistant Weeds” (2013), já foram registrados apontamentos de 400 biótipos resistentes, em 217 espécies diferentes (129 da classe Magnoliopsida e 88 da Classe Liliopsida), em 61 países. O Brasil conta, atualmente, com o registro de 31 biótipos, sendo pelo menos cinco resistentes ao glyphosate.
Métodos de manejo de resistência
Uma das formas de evitar o surgimento de resistência é uso de um manejo racional dos herbicidas, além do uso de herbicidas com diferentes mecanismos de ação, visando diminuir consideravelmente a possibilidade de aparecimento de indivíduos tolerantes e/ou resistentes. Porém, ao ser verificada a ocorrência de plantas espontâneas resistentes em uma área, com densidade populacional suficiente para limitar a produção das culturas agrícolas, deve-se proceder à mudança das práticas de manejo utilizadas, com a elaboração de um programa de longo prazo para manejo da resistência (ou Manejo Integrado de Plantas Invasoras Resistentes – MIPIR), através de um sistema integrado de controle de plantas invasoras que envolva métodos culturais, físicos, mecânicos, químicos, etc.
Um plano de integração de práticas de manejo de plantas espontâneas que vise prevenir e/ou controlar a resistência deve, necessariamente, prever práticas que envolvam:
1. Estratégias químicas:
a) Realização do manejo apropriado dos herbicidas, utilizando-se herbicidas com pouca atividade residual no solo;
b) Otimização da dose, época e número de aplicações, além da minimização da aplicação de herbicidas específicos, evitando o uso contínuo de herbicidas com mesmo mecanismo de ação;
c) Rotação de herbicidas com mecanismos de ação diferenciados;
2. Estratégias não químicas
a) Rotação de culturas;
b) Monitoramento após aplicação dos herbicidas, com monitoramento das manchas de plantas daninhas com padrão diferente e eliminação dos focos iniciais de resistência, evitando a produção de sementes;
c) Utilizar práticas não químicas que objetivem o fortalecimento da capacidade competitiva da cultura, representada pelo seu rápido estabelecimento e desenvolvimento;
d) Prevenção da disseminação de sementes através do uso de equipamentos limpos e sementes certificadas. 
Desta forma, as principais formas de manejo e prevenção da resistência estão todas relacionadas ao manejo integrado de plantas espontâneas, envolvendo técnicas químicas e não químicas de prevenção e controle da resistência. Isto porque as estratégias não químicas provocam a mortalidade de ambos os biótipos (susceptível e resistente), enquanto as estratégias químicas promovem a morte dos indivíduos susceptíveis.
Desta forma, a utilização dos herbicidas deve ser baseada em um planejamento criterioso, observando a utilização dos herbicidas de diferentes mecanismos de ação, visando diminuir os riscos de resistência e manter a diversidade de biótipos no banco de sementes do solo.
Considerações Finais
A resistência de plantas espontâneas a herbicidas assume grande importância, principalmente em razão do limitado número de herbicidas alternativos para serem usados no controle dos biótipos resistentes. O número de ingredientes ativos disponíveis para controle de algumas espécies espontâneas é restrito, e o desenvolvimento de novas moléculas é cada vez mais difícil e oneroso. A ocorrência de resistência múltipla agrava ainda mais o problema, já que, neste caso, são dois ou mais os mecanismos que precisam ser substituídos. Assim, o controle dos biótipos resistentes com o uso de herbicidas é comprometido, o que restringe esta prática a outros métodos menos eficientes e mais caros, como os métodos culturais.
Desta forma, a prática de manejo integrado mais adequado a ser adotada é aquela em a possibilidade de seleção de biótipos resistentes aos herbicidas seja reduzida. Portanto, é fundamental a alternância constante de técnicas normalmente empregadas, utilizando-as em conjunto (estratégias químicas e não químicas), visando evitar ou retardar o aparecimento de biótipos de plantas espontâneas resistentes.

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