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Buscando soluções para a crise do Agronegócio: no guichê do banco ou no banco da escola?


Polan Lacki
Nos países da América Latina tradicionalmente a agricultura foi considerada de forma depreciativa como um setor arcaico que simbolizava o atraso e o subdesenvolvimento; em tais circunstâncias, quanto mais rápido a economia de cada país pudesse diminuir sua dependência do setor agrícola, tanto melhor. Pensava-se que país desenvolvido deveria ser sinônimo de país urbanizado, industrializado, prestador de serviços e exportador de bens manufaturados.
Agora que em vários países tal ilusão se desvaneceu e estão aparecendo as conseqüências deste grave erro, está-se reconhecendo que em muitos casos uma agricultura moderna e eficiente é a melhor e às vezes a única alternativa para começar a solucionar, a partir dela, os principais problemas nacionais, inclusive os de setor urbano-industrial.
No entanto, a agricultura que graças as suas imensas potencialidades, poderia ser a principal "locomotiva" do desenvolvimento não esta cumprindo de forma adequada esta importantíssima função. Isto ocorre porque devido ao histórico abandono do setor rural, os agricultores têm sido vítimas de crônicas ineficiências e distorções , que estão presentes dentro e fora das suas propriedades.
Devido fundamentalmente a estas ineficiências é que a grande maioria dos agricultores, além de gerar um excedente muito pequeno, de má qualidade e de obtê-lo com altos custos unitários de produção, o vende a preços muito baixos.
A acumulação destas sucessivas distorções origina as seguintes conseqüências que incidem de forma negativa no desenvolvimento econômico e social dos países:
- Por falta de rentabilidade, os agricultores são expulsos às periferias urbanas. Nestas, seus filhos e netos desempregados, famintos e estimulados pelo consumismo caem na tentação do vício, da prostituição e da delinqüência. O campo os expulsa, porém a cidade não tem capacidade de absorvê-los. Esses jovens que desejariam, poderiam e deveriam proporcionar riquezas e serviços à sociedade no campo, constituem-se num ônus  para ela nas cidades;
- Em virtude dos altos custos unitários de produção e do excessivo número de elos nas cadeias de intermediação os alimentos chegam a preços que estão acima do baixíssimo poder aquisitivo da grande maioria dos consumidores urbanos;
- Devido aos altos custos unitários de produção e a sua má qualidade, os excedentes agrícolas não contribuem a tornar viáveis e competitivas as agroindústrias nacionais, limitando sua capacidade de gerar empregos;
- Pelas mesmas razões mencionadas no item anterior, estes excedentes não têm competitividade nos mercados internacionais(principalmente quando enfrentam a competição de países que subsidiam fortemente aos seus agricultores) e, consequentemente, não geram as divisas que cada país necessita para equilibrar a sua balança comercial e dar solidez a sua economia.
Em resumo, a agricultura que, graças as suas enormes potencialidades como "geradora" de empregos, renda, alimentos, matérias-primas e divisas poderia e deveria ser a grande solução para os problemas dos desempregados, dos agricultores, dos consumidores, das agroindústrias e da economia global dos países, devido ao seu lamentável abandono constitui-se paradoxalmente em um grande problema para todos eles. É necessário revalorizar e elevar o status da agricultura para que ela recupere o papel, que nunca deveria haver perdido, como eficiente "solucionadora" dos grandes problemas nacionais.
Evitar causas com conhecimentos ou corrigir consequências com subsídios?
Durante muitos anos os governos tentaram compensar as distorções e ineficiências recém analisadas com subsídios; estes permitiam que o "negócio agrícola" fosse rentável, mesmo sendo ineficiente em alguns ou em todos os elos da cadeia agroalimentar (dentro e fora das propriedades). Adicionalmente, os governos tentaram corrigir as conseqüências urbanas do êxodo rural com paliativos de alto custo, porém de pouca eficácia; com tal fim,geraram fontes de trabalho, subsidiaram alimentos, construiram casas e outras obras de infraestrutura social; e infelizmente utilizaram no fortalecimento das estruturas urbanas de repressão policial os recursos públicos que deveriam ter sido destinados à modernização da agricultura.
A desproporção entre a decrescente oferta de subsídios e medidas de assistência social, por um lado e as crescentes demandas dos habitantes urbanos, por outro, está evidenciando que é virtualmente impossível satisfazer suas imensas e urgentes necessidades. Agora que já não existem recursos suficientes para adotar os dois paliativos anteriormente mencionados (subsídios e medidas de assistência social), resta apenas o caminho realista e pragmático de eliminar as causas do êxodo no campo, em vez de tentar, sem êxito, corrigir suas conseqüências nas cidades.
Entretanto, eliminar as causas do êxodo significa, como condição mínima, oferecer oportunidades concretas para que os agricultores possam ter rentabilidade e competitividade.
Isto requer como absolutamente imprescindível que eles possam fazer uma agricultura moderna e muito eficiente que lhes permita atingir simultaneamente os seguintes objetivos:
1. melhorar a qualidade dos produtos colhidos;
2. reduzir ao mínimo os custos unitários de produção (ao diminuir a quantidade e/ou o custo dos insumos e ao incrementar rendimentos por unidade de terra e de animal);
3. incrementar ao máximo as receitas obtidas na venda de seus excedentes (diminuindo as perdas durante e depois da colheita, incorporando-lhes valor e reduzindo alguns elos das longas cadeias de intermediação).
Infelizmente, as novas circunstâncias da agricultura latino-americana (abertura a mercados subsidiados e falta de recursos para subsidiar aos nossos agricultores) estão obrigando a reconhecer que a competitividade somente poderá ser atingida se os agricultores adotarem as medidas mencionados nos itens 1 e 2.(e não como conseqüência de utópicas ações protecionistas). Igualmente, estas circunstâncias nos estão indicando que eles somente terão rentabilidade se adotarem as medidas indicadas nos itens 2 e 3 (e não como fruto de subsídios efêmeros e excludentes).
As boas intenções não produziram os resultados esperados
A imprescindibilidade de modernizar a agricultura, como requisito para que ela cumpra com o seu estratégico papel no desenvolvimento nacional é tão evidente e consensual, que praticamente todos os países da América Latina e o Caribe tentaram levá-la à prática, nos últimos 45 anos. Infelizmente, como regra geral, os resultados foram muito modestos para não dizer decepcionantes: os rendimentos médios da agricultura familiar avançaram muito lentamente; os agricultores continuam sendo expulsos do campo porque recebem preços muito baixos pelos seus excedentes, enquanto os consumidores continuam subalimentados, paradoxicamente porque devem pagar por estes mesmos alimentos preços muito altos; enfim, a agricultura, globalmente está longe de aportar tudo o que potencialmente poderia ao desenvolvimento dos países.
Muitos deles estão exportando cada vez menos produtos agrícolas e sim importando-os cada vez em maiores quantidades; estão desta forma produzindo perigosos déficits em suas balanças comerciais, importando desemprego, mantendo na ociosidade valiosos recursos produtivos e mudando para pior os hábitos alimentares de seus habitantes.
Ao analisar as causas dos referidos fracassos, é fácil constatar que nas iniciativas em favor do desenvolvimento agropecuário vêm se cometendo, durante décadas, os seguintes erros :
Primeiro erro: Superestimar a importância das macro-decisões políticas e econômicas que se esperava que fossem adotadas pelo Congresso Nacional, Ministério da Fazenda ou o Banco Central e subestimar a importância das micro-decisões técnicas, gerenciais e organizativas que deveriam ser adotados dentro das propriedades e comunidades. Ignorou-se o fato de que as desejadas macrodecisões políticas não poderiam garantir a rentabilidade do negócio agrícola se, dentro das propriedades e das comunidades não existisse racionalidade e eficiência: no acesso aos insumos, na produção propriamente dita, na administração das propriedades, na transformação/conservação/armazenagem das colheitas e na comercialização dos excedentes.
Segundo erro: Promover a modernização da agricultura, através de um modelo excessivamente dependente de fatores externos às propriedades (decisões do governo, serviços do Estado, créditos, equipamentos de alto rendimento, subsídios, etc.); sem perceber que:
- Na média dos países desta Região, mesmo nos melhores tempos, somente 10% dos agricultores teve acesso a estes fatores de forma completa, permanente e eficiente; Foi ignorado o fato concreto de que estes fatores simplesmente não estavam disponíveis e/ou não eram acessíveis para a imensa maioria dos agricultores; e que
- Os problemas tecnológicos e gerenciais da maioria dos agricultores são tão elementares (e também os erros que eles cometem e como conseqüência os baixíssimos rendimentos que obtém em suas colheitas) que a sua solução não sempre nem necessariamente depende do aporte dos fatores escassos recém-mencionados.
Cometeu-se o gravíssimo erro de não priorizar a geração de tecnologias de baixo custo para que fossem adequadas às circunstâncias de escassez de capital e adversidade físico-produtiva, que caracterizam à grande maioria dos produtores agropecuários. Se a geração destas tecnologias tivesse sido priorizada os agricultores poderiam começar a tecnificar suas culturas e criações, mesmo que não tivessem acesso ao crédito. Enquanto no discurso político se falava de crescimento agropecuário com equidade, na prática cotidiana se adotava um modelo convencional de tecnificação que automaticamente excluía a mais de 90% dos produtores rurais de qualquer possibilidade de modernizar-se.
Consequentemente, para esta grande maioria de agricultores a dependência do paternalismo estatal foi apenas retórica. Em outras palavras, pretendeu-se desenvolver o setor agropecuário em base de decisões políticas que não foram adotadas, de serviços do Estado que foram insuficientes e muitas vezes ineficientes e de recursos que simplesmente não existiram na quantidade necessária.
Terceiro erro: Superestimar a importância dos fatores materiais de desenvolvimento e subestimar os fatores intelectuais. Magnificou-se a suposição de que os agricultores não se desenvolviam porque não tinham recursos e se minimizou o fato concreto de que geralmente não o faziam porque não sabiam fazê-lo. Pensou-se que a modernização da agricultura era sinônimo de distribuição de terras, créditos, tratores, insumos de alto rendimento, etc; e que com o simples fato de proporcioná-los aos agricultores eles saberiam:
- Utilizar os recursos racionalmente;
- Escolher as tecnologias mais adequadas;
- Aplicá-las de forma correta.
Subestimou-se a decisiva importância estratégica de proporcionar uma adequada formação e capacitação às famílias rurais para que pudessem emancipar-se da dependência daqueles fatores externos que eram prescindíveis ou inacessíveis. Não se as capacitou para que soubessem adotar de forma correta inovações tecnológicas, gerenciais e organizativas que lhes permitiriam corrigir as distorções existentes nos diferentes elos da cadeia agroalimentar antes mencionados. Preferiu-se compensar estas distorções com subsídios, em vez de eliminar suas causas com conhecimentos.
Arcaísmo na agricultura um problema de recursos ou de conhecimentos?
As seguintes realidades são algumas das conseqüências do equívoco de priorizar os fatores materiais sobre os intelectuais:
- Os animais de alto potencial genético que foram importados (a custos muito elevados) não produziram as crias, a carne, a lã nem o leite esperado; Isto ocorreu fundamentalmente porque o agricultor não foi capacitado (medida de baixo custo) para produzir na sua propriedade alimentos de melhor qualidade (forragens e componentes de rações) nem para melhorar o manejo sanitário e reprodutivo destes animais mais exigentes; preferiu-se importar mais vacas em vez de melhorar o desempenho produtivo e reprodutivo das já existentes.
- A maquinaria cara e geralmente superdimensionada permaneceu ociosa e endividou aos agricultores, muitas vezes excessiva e desnecessariamente; o inadequado preparo do solo contribuiu a compactá-lo e a erodi-lo; a falta de capacitação dos operadores abreviou a vida útil e reduziu a eficiência dos tratores e seus implementos; as colheitadeiras mal reguladas provocaram inaceitáveis perdas na colheita de grãos.
- As obras de irrigação (fator mais caro) em grande parte ficaram subaproveitadas por falta de capacitação dos agricultores (fator mais barato); a irrigação não manifestou as suas enormes potencialidades para incrementar os rendimentos das culturas porque além de ser manejada de forma incorreta (com relação à quantidade de água, freqüência, profundidade, momentos críticos de aplicação, etc), não foi acompanhada de práticas agronômicas elementares que permitiriam obter um proveito compatível com os altos custos das infraestruturas de irrigação; o manejo inadequado desperdiçou parte da água e em muitos casos produziu a salinização dos solos.
- Os agroquímicos (que requereram divisas para ser importados e crédito oficial para ser financiados aos agricultores) muitas vezes eliminaram os inimigos naturais das pragas e contaminaram o meio ambiente, porque os agricultores não foram capacitados para prescindir de alguns deles ou para utilizá-los correta e parcimoniosamente quando eram imprescindíveis.
- O crédito, muitas vezes oriundo de empréstimos internacionais, em vez de liberar aos agricultores de dependências externas, serviu para endividá-los às vezes desnecessariamente, os aprisionou aos banqueiros e em  muitos casos os fez perder a sua própria terra, porque os produtores não foram capacitados para aplicá-lo racionalmente. Com demasiada frequência o crédito ajudou muito mais a solucionar os problemas do setor financeiro e dos fabricantes de insumos e equipamentos, que propriamente os dos agricultores.
Foram proporcionados aos agricultores fatores que devido ao seu maior custo somente puderam ser oferecidos a alguns produtores e se deixou de proporcionar fatores que devido ao seu menor custo poderiam e deveriam haver sido oferecidos a todos os agricultores. Foram proporcionados aos agricultores fatores perpetuadores de dependências em vez de oferecer-lhes fatores emancipadores de dependências. Tentou-se fazer o que dependia de recursos escassos (capital) e se deixou de fazer o que dependia de recursos abundantes (mão-de-obra, conhecimentos e tecnologias apropriadas).
Em resumo, todos os exemplos recém descritos demonstram que:
a) Fez-se o mais difícil e complexo, o de maior dependência externa e o de mais alto custo;
b) em contra-partida se deixou de fazer o mais elementar, óbvio e indispensável, que era capacitar as famílias rurais;
c) os vendedores de insumos e equipamentos foram mais convincentes que os difusores de conhecimentos(extensionistas).
Exemplos similares a estes se repetem em todos os países da América Latina e confirmam as seguintes lições adquiridas nestas últimas décadas:
a) os aportes de recursos materiais e financeiros exógenos às propriedades que são sempre desejados pelos agricultores e muitas vezes tecnicamente desejáveis, não são suficientes se previa ou paralelamente não se capacita aos agricultores para que saibam usá-los racionalmente;
b) em grande parte estes aportes exógenos seriam prescindíveis, se os produtores recebessem uma adequada capacitação para diminuir sua dependência dos mesmos, priorizando (não necessariamente substituindo) as tecnologias de processo (de conhecimentos) sobre as tecnologias de produto (de insumos).
Tudo o que foi anteriormente mencionado permite concluir que, ao contrário de que costuma afirmar-se, a principal causa do subdesenvolvimento rural não foi tanto à insuficiência de recursos, mas sim a falta de conhecimentos adequados para que os agricultores pudessem tornar-se:
a) menos dependentes de recursos aos quais não possam aceder;
b) mais eficientes em sua utilização quando estejam disponíveis. Vários estudos da FAO avalizam esta afirmação.
Através do atual modelo de modernização será impossível atingir a equidade
Os mais recentes indicadores de tendências indicam que:
1. Não se vislumbra, em um horizonte previsível, nenhuma possibilidade de que os governos possam proporcionar à totalidade dos agricultores todos os fatores clássicos de modernização da agricultura. Nas atuais circunstâncias dos países da Região (neoliberalismo, redução das estruturas dos órgãos do Estado, endividamento interno e externo), o referido modelo convencional é absolutamente incompatível com o desafio da equidade. Se for mantido este modelo como única alternativa de tecnificação, o postulado da equidade seguirá sendo exatamente o que tem sido até agora; isto é, um simples postulado, às vezes de boas intenções e outras de lamentável demagogia.
Não temos o direito de continuar ignorando a não viabilidade e a incompatibilidade recém-mencionadas; não podemos continuar iludindo-nos (e mesmo que não seja nossa intenção, iludindo aos agricultores) de que existe tal possibilidade, porque isto é absolutamente falso; esta compatibilização não é possível. Seguir insistindo exclusivamente neste modelo convencional significaria expulsar do campo 90% dos agricultores por falta de competitividade e de rentabilidade; e para complicar ainda mais a situação, expulsá-los em circunstâncias como as que estão descritas no próximo item.
2. Não existe a mais remota possibilidade de que, nas cidades, o setor urbano-industrial possa oferecer-lhes os empregos, as casas, os alimentos, a água limpa, a eletricidade, os transportes, os serviços de saúde, etc; especialmente se consideramos que:
a) gerar um emprego urbano custa seis vezes mais caro que fazê-lo no meio rural ;
b) manter uma família na cidade custa ao poder público 22 vezes mais caro que fazê-lo no campo.
Nestas condições, se o desemprego urbano (e as gravíssimas conseqüências de marginalidade econômica e social que provoca) é um dos problemas mais angustiantes do mundo moderno e se a geração de empregos urbanos depende de investimentos para os quais não existem recursos em quantidade suficiente, o mais elementar bom senso sugere que se priorize estratégias para a fixação dos agricultores no campo (a custos muitíssimo mais baixos) e não a correção das conseqüências do êxodo depois que os migrantes já chegaram às cidades.
Entretanto, esta fixação somente ocorrerá se forem oferecidas aos agricultores oportunidades concretas para: aumentar a quantidade  dos excedentes que produzem, melhorar a qualidade, reduzir seus custos e incrementar os preços de venda; porque estas são as quatro condições mínimas para que eles possam aumentar sua renda, sem o que não poderão viver dignamente no campo.  O grande desafio consiste em que o anteriormente mencionado somente poderá ser atingido se a agricultura modernizar-se tecnológica e administrativamente, com o agravante de que esta modernização já não poderá ser obtida pela via paternalista dos créditos abundantes e subsidiados. Isto por sua vez significa que a modernização da agricultura terá que ser efetuada através de uma maior eficiência, racionalidade e parcimônia na realização dos investimentos, na aquisição e no uso da maquinaria e na aplicação dos insumos externos. A insuficiência destes três fatores deverá ser compensada aumentando seus rendimentos.
Em virtude do evidente esgotamento do modelo convencional de desenvolvimento agropecuário já não existe nenhum motivo nem justificativa para continuar, seja ingênua ou demagogicamente, afirmando aos agricultores que os seus problemas serão resolvidos principalmente através de decisões políticas, serviços do Estado, subsídios e créditos; porque não se vislumbra qualquer possibilidade de que os governos possam fazê-lo, em favor de todos os agricultores. Continuar afirmando-o, somente contribuiria a mantê-los em uma postura de passividade e dependência, em circunstâncias nas quais os nossos países necessitam de forma urgente que os agricultores assumam atitudes de maior protagonismo e autodependência na solução de seus próprios problemas.
Não se pode seguir ignorando ou subestimando o seguinte problema básico: Os governos mesmo que quisessem não disporiam de recursos em quantidade suficiente para proporcionar à totalidade dos agricultores, todos os componentes do modelo convencional de modernização da agricultura; porque este problema básico é uma importantíssima causa do fracasso das múltiplas tentativas para promover o desenvolvimento agrícola. Enquanto não se reconheça esta gravíssima restrição os problemas não serão resolvidos porque este indiscutível obstáculo simplesmente não permitirá que sejam solucionados.
Todos estes antecedentes requerem uma radical e urgente mudança de atitudes dos profissionais agrários e dos líderes rurais no sentido de entender o seguinte: de pouco serve seguir tentando (e não conseguindo) proporcionar-lhes mais créditos, mais insumos e mais equipamentos se os agricultores não possuem os conhecimentos, as habilidades, as destrezas e as atitudes para que eles mesmos possam, saibam e queiram  solucionar seus problemas, com menor dependência de decisões e recursos externos às suas propriedades.
Ainda que existissem, os recursos externos de pouco serviriam e seguiriam sendo desperdiçados, se previamente ao seu outorgamento não se capacitasse e estimulasse aos agricultores para que tivessem:
a) a autoconfiança anímica para assumir como sua a responsabilidade de solucionar os seus próprios problemas;
b) a auto-suficiência técnica para começar a modernização tecnológica e gerencial, a partir do uso racional dos recursos que realmente possuem e da correta adoção de tecnologias que sejam compatíveis com estes recursos.
Realismo em substituição a perfeccionismos utópicos
O impasse entre a urgência de satisfazer as crescentes necessidades de um grande número de agricultores e a não disponibilidade de recursos para fazê-lo pela via convencional, é evidente e indiscutível. Isto exige que, em muitos casos, os profissionais agrários deverão ter a humildade para adiar as soluções espetaculares (não para renunciar a elas), começando a modernização da agricultura através de medidas mais modestas e de menor custo, para que sejam realmente viáveis de ser adotadas por todos os agricultores.
Depois que todos o façam, é evidente que deverão continuar adotando de forma gradual tecnologias de maior custo e sofisticação para atingir os mais altos níveis de eficiência e produtividade, sem os quais não poderão inserir-se com êxito nos mercados nacionais e especialmente nos internacionais; isto significa que estas soluções de baixo custo deverão ser o ponto de partida e não necessariamente a meta de chegada. Para que possam ter rentabilidade e competitividade, os agricultores não podem renunciar às tecnologias de ponta e aos insumos modernos, porque eles são importantes complementos que lhes permitirão atingir altos rendimentos, melhor qualidade e menores custos unitários de produção. Nas atuais e muito difíceis circunstâncias da agricultura regional recobra atualidade e vigência a afirmação de que "somente partindo do possível se poderá chegar ao desejável".
O impasse entre as crescentes necessidades dos agricultores e as decrescentes possibilidades dos governos em satisfazê-las, recomenda que se faça a seguinte e pragmática reflexão:
- Se o único caminho para desenvolver aos agricultores é através da introdução de inovações tecnológicas, gerenciais e organizacionais que lhes permitam corrigir as distorções existentes em todos os elos da cadeia agroalimentar;
- Se por imperativos de ordem econômica, social, política e ética é necessário que se o faça sem exclusões (equidade) nem postergações (urgência);
- Se não existem recursos para alcançar tal universalização através do modelo convencional;
Conclui-se que a única alternativa realista consiste em proporcionar aos agricultores os conhecimentos (capacitação e tecnologias compatíveis com os recursos que realmente possuem) para que eles mesmos possam solucionar os seus problemas:
a) Com menor dependência daqueles fatores escassos e inacessíveis  antes mencionados;
b) Com máxima eficiência na utilização dos  referidos fatores quando estes estejam disponíveis e/ou sejam accessíveis.
Todos estes antecedentes indicam que a equidade somente poderá ser atingida através de um modelo que seja:
- Mais endógeno, no sentido de, que o desenvolvimento esteja baseado principalmente no uso racional e no incremento da produtividade dos recursos que os agricultores realmente dispõem, mesmo que estes sejam escassos;
- Mais autogestionário de modo que os próprios agricultores tenham os conhecimentos, habilidades e atitudes que são necessários para que se profissionalizem e assim possam assumir como sua a responsabilidade de transformar seus problemas em soluções, emancipando-se daquelas dependências externas que são reconhecidamente prescindíveis;
- Mais autogerado  no sentido de que parte dos recursos que os agricultores necessitam para adquirir os fatores externos utilizáveis nas etapas mais avançadas de modernização (sementes híbridas, animais de alto potencial genético, equipamentos de alto rendimento, instalações, etc.) possam ser gerados na propriedade;  esta autogeração de recursos deverá ser uma conseqüência natural da progressiva introdução de inovações que permitam ao agricultor melhorar de forma gradual sua eficiência produtiva, gerencial e comercial. Neste modelo é a eficiência a que gera recursos adicionais em vez de esperar que ocorra o contrário; este é o caminho, talvez mais difícil e menos espetacular porém, seguramente mais realista para que o crescimento com equidade não siga sendo simples retórica.
Ao adotar um modelo de tecnificação no qual os agricultores sejam menos dependentes de fatores escassos, automaticamente um maior número deles poderá introduzir inovações em suas propriedades. Adicionalmente ao potencializar insumos materiais que custam muito com insumos intelectuais que custam pouco, se reduzirá o custo dos programas oficiais de desenvolvimento e assim os governos poderão beneficiar a um maior número de pessoas, dando passos concretos (não retóricos) para chegar à equidade.

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