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A pífia gestão do patrimônio genético nacional.


Reginaldo Minaré

Atualmente é comum ouvir e ler afirmações de que o Brasil é o país mais rico do mundo em matéria de patrimônio genético. Essa afirmação, decididamente, não pode ser entendida apenas como referência à quantidade imponente do conjunto dos recursos naturais existentes no território brasileiro. Esse conceito de riqueza que envolve o patrimônio genético nacional, embora não tenha sido devidamente avaliada do ponto de vista econômico, e certamente não será possível fazer uma avaliação econômica realista antes de seu pleno conhecimento, deve ser compreendido também como riqueza no sentido de potencial abundância econômica.

Estima-se que 20% do total das espécies encontradas no planeta estão em território brasileiro, incluindo plantas superiores, mamíferos, peixes, principalmente de água doce, e anfíbios. Percentual que certamente será elevado quando for possível identificar os insetos e os microrganismos que vivem no território nacional.

Abrigada em seis biomas espalhados pelo território brasileiro – Cerrado, Mata Atlântica, Floresta Amazônica, Pantanal, Caatinga e Costeiros - a diversidade biológica nacional, com o grande avanço das biociências e das biotecnologias, desperta o interesse da comunidade doméstica e internacional.

Todavia, a este promissor segmento não corresponde uma política bem delineada e uma legislação pátria garantidora de sua utilização sustentável e adequada preservação.

O que temos no Brasil é uma tentativa emergencial de legislação que, embora bem intencionada, não foi bem sucedida em seu propósito de estabelecer um marco regulatóri o dinâmico para as atividades de acesso ao patrimônio genético, para a proteção e acesso ao conhecimento tradicional associado a biodiversidade, bem como garantidor da repartição justa e eqüitativa dos benefícios do seu uso.

De acordo com as definições da Medida Provisória - MP nº 2.186-16, art. 7°, patrimônio genético é a informação de origem genética; o acesso ao patrimônio genético é a obtenção e utilização de amostra do componente do patrimônio genético para fins de pesquisa ou bioprospecção; e o conhecimento tradicional associado é informação ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou de comunidade local.

A MP nº 2.186-16, reeditada pela última vez em 23 de agosto de 2001 e congelada pela Emenda Constitucional nº 32, de 11/09/2001, criou um sistema de regulação burocrático, baseado na emissão de autorização para quase todas as atividades.  A administração desse sistema cabe ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético - CGEN, órgão deliberativo e normativo que foi instituído pela citada MP no âmbito do Ministério do Meio Ambiente.

Antes da realização da atividade exploratória com potencial de uso comercial, a MP estabelece que o interessado deverá assinar com o proprietário da área um contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios. Tendo em vista que um percentual baixo das pesquisas resulta efetivamente em produtos, a obrigatoriedade deste procedimento, que deve passar pelo moroso crivo do CGEN, aumenta significativa e desnecessariamente os custos de transação para os envolvidos.

Para esses e muitos outros problemas relacionados à regulação do patrimônio genético, o Governo tenta dar uma solução por meio de um Projeto de Lei a ser enviado ao Congresso Nacional, quando e se, um dia, os Ministérios afetos a questão entrarem num acordo sobre o texto que vem sendo discutido há mais de 5 anos  sob a coordenação da Casa Civil da Presidência da República.

Enquanto uma nova lei não é proposta, o Governo busca amenizar os entraves e equívocos por meio de normas infralegais, tais como os Decretos nº 3.945 28/09/2001, nº 5.459 de 07/06/2005 e nº 6.159 de 11/07/2007, e as Resoluções do CGEN. Todavia, procurar modificar comando legal ou sanear ilegalidades existentes por meio de decreto é uma prática temerária, visto que a barreira da ilegalidade está assentada no instituto do Estado de Direito, que está no âmago do modelo de Estado adotado pelo Constituinte de 1988, que é o de Estado Democrático de Direito.

Esta matéria, que é de grande relevância para o País, está disciplinada desde junho de 2000 por uma MP que ainda não foi apreciada pelo Parlamento, ou seja, não é uma norma que passou pelo crivo do processo legislativo, que materializa o procedimento de legitimação pela democracia.

Neste caso, não importa quantos remendos sejam produzidos, só uma nova lei poderá construir uma eficaz proteção para a o uso da biodiversidade nacional, reduzindo a biopirataria e trazendo para a legalidade as empresas e pesquisadores sérios. Não adianta pensar em MP novamente, visto que com este instrumento não se pode dispor sobre matéria penal e a construção de tipo penal que seja capaz de motivar as pessoas para o cumprimento da norma é o instrumento que efetivamente falta para se combater com maior eficiência a biopirataria. Outro ponto que a nova legislação deverá abordar com precisão e clareza é a definição da titularidade do recurso genético. 

O encaminhamento de projeto de lei com pedido de urgência constitucional é, sem dúvida, a melhor alternativa para o Governo Federal levar este assunto ao Congresso Nacional.

 

Reginaldo Minaré Advogado

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Fernando Abdala Advogado

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