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A caotização do “sistema” de rotulagem de transgênicos no Brasil.


Reginaldo Minaré

A Constituição Federal estabelece – art. 24, incisos V e VIII - que compete à União, Estados e Distrito Federal legislar concorrentemente sobre produção e consumo e responsabilidade por dano ao consumidor. Sobre as matérias objeto de competência concorrente, cabe à União estabelecer normas gerais (art. 24 § 1º), que não exclui a competência legislativa suplementar dos Estados e do Distrito Federal. O comando constitucional é claro e, nesta regra, cabe aos Estados, quando necessário, a atuação no sentido de construir uma legislação que servirá para suprir o que falta.

De fato, não é o que está ocorrendo no campo da legislação aplicável à comercialização de organismos geneticamente modificados – OGM. Tanto a União quanto alguns Estados-membros tem produzido verdadeiras pérolas neste campo normativo.

No que diz respeito à União, o artigo 3º do Decreto nº 4.680/03, que regulamenta a matéria, estabelece que os alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração que contenha ingredientes transgênicos deverão trazer no painel principal, a seguinte expressão: (nome do animal) alimentado com ração contendo ingrediente transgênico ou (nome do ingrediente) produzido a partir de animal alimentado com ração contendo ingrediente transgênico. O objetivo desta exigência é de difícil deslindamento, visto que, pelo fato de ter comido ração que continha ingrediente transgênico, um animal não pode ser classificado como OGM ou derivado de OGM.

Além do Decreto 4.680/03, a Portaria n° 2.658/03 do Ministério da Justiça, que o complementa, estabelece a forma e a dimensão de um símbolo que deve compor a rotulagem de alimento e ingrediente alimentar destinado ao consumo humano ou animal vendido embalado ou a granel, que contenha ou seja produzido a partir de OGM. De acordo com a Portaria o símbolo é um triângulo eqüilátero, contendo uma letra T em seu interior, e deve constar nos rótulos, em destaque e em contraste de cores que assegure a correta visibilidade. A tipologia utilizada para grafia da letra T deve ser baseada na família de tipos Frutiger, bold, em caixa alta, as bordas do triângulo e letra T devem ser na cor preta e o fundo interno do triângulo deve ser amarelo. Exatamente a configuração de cores utilizadas nas placas que indicam advertência na sinalização de trânsito.

No que diz respeito aos Estados-membros, cabe observar a Lei nº 6.957, de 16 de janeiro de 2001, do Estado da Paraíba. A Assembléia Legislativa e o Governador do Estado da Paraíba inovaram com esta lei que determina que produtos alimentícios que contenham substâncias geneticamente modificadas colocados à venda só poderão ser expostos à comercialização desde que acondicionados em prateleiras, estrados ou locais especialmente reservados a tal finalidade. Além desta exigência, a Lei 6.957/01 determina que por toda a extensão da área do estabelecimento reservada à comercialização dos produtos sejam afixados cartazes aéreos com letras ostensivas e luminosas indicando a existência dos referidos produtos com a inscrição da seguinte frase: OS PRODUTOS DESTA SEÇÃO CONTÉM OGM – TRANSGÊNICOS. O texto da Lei 6.957/01 está disponível na página da Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba.

Posteriormente foi a vez do Estado do Paraná ver declarada a inconstitucionalidade da Lei nº 14.861/2005 que versava sobre o direito à informação quanto aos alimentos e ingredientes alimentares que continham ou fossem produzidos a partir de OGM, e do Decreto nº 6.253/06 que regulamentou o citado diploma legislativo. Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, neste caso o Estado-membro pretendeu substituir e não suplementar as regras federais que cuidam da matéria.

Recentemente, a Assembléia Legislativa do Estado do Estado do Rio de Janeiro decretou e o Governador sancionou a Lei nº 5.033/2007 que exige que na comercialização direta de OGM ao consumidor na forma in natura o estabelecimento deve colocar ao lado do produto o seguinte aviso: ATENÇÃO – PRODUTO GENETICAMENTE MODIFICADO – TRANSGÊNICO. Em se tratando de comercialização de transgênicos em bares e restaurantes, o estabelecimento deve colocar em local visível o seguinte aviso: ATENÇÃO – PRODUTO GENETICAMENTE MODIFICADO – TRANSGÊNCIO. Em se tratando de comercialização de produto transgênico no atacado ou varejo, no rótulo do produto deve constar o seguinte aviso: ATENÇÃO – ESTE PRODUTO CONTÉM COMPONENTES GENETICAMENTE MODIFICADOS, CLASSIFICADOS COMO TRANSGÊNICOS.

No que diz respeito à informação ao consumidor, a norma federal, Decreto nº 4.680/03, que regulamenta o direito à informação quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM, embora tenha certos exageros, já disciplina como deve ser disponibilizada a informação.

Assim, analisando o que até aqui foi comentado, a regra constitucionalmente estabelecida e a norma publicada pela União, resta claro que os Governos dos Estados da Paraíba e do Rio de Janeiro atuaram de forma a duplicar as exigências normativas neste campo e não de suplementar a norma federal, caminhando ao encontro da inconstitucionalidade.

No que diz respeito às regras estabelecidas pela União por meio do Decreto nº 4.680/03, o problema não é a existência de afronta à Constituição Federal e sim de falta de visão administrativa em alguns pontos.

Para concluir, cabe ressaltar que a administração pública deve atuar no sentido de evitar que a regulamentação desta matéria se transforme em uma manta de retalhos, que pode prejudicar a atividade comercial e a aplicação das normas, e não em sentido contrário como vem atuando.

Reginaldo Minaré

Advogado e Mestre em Direito.

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