CI

Área de refúgio em algodoal transgênico: Proteção da biotecnologia ou medida de biossegurança?


Reginaldo Minaré

Por meio do Extrato de Parecer nº 0513/2005, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio deu publicidade à liberação comercial de algodão geneticamente modificado resistente às principais pragas da Ordem Lepidóptera, algodão Bollgard evento 531. Após a avaliação do pedido, a CTNBio concluiu pelo deferimento para plantio comercial e consumo humano e animal, estabelecendo algumas condições para o cultivo. Das condicionantes estabelecidas pelo Colegiado, uma chama a atenção e para melhor compreensão sobre como deverá ser implementada, merece ser analisada.

Dispôs a CTNBio que "deverão ser preconizadas áreas de refúgio com cultivares não transgênicas de algodão correspondentes a 20% da área a ser cultivada com o algodão Bollgard evento 531, localizadas a distâncias inferiores a 800 m;". Verifica-se, com a leitura da condicionante, que a CTNBio estabeleceu a necessidade de uma área de refúgio de 20% do total cultivado, localizada a uma distância inferior a 800 metros, e exigiu a preconização do que foi estabelecido. A palavra preconizar, do latim tardio praeconizare, significa proclamar, anunciar, recomendar. Entende-se, assim, que a CTNBio pede a recomendação e a divulgação da exigência que fez sobre a área de refúgio. Todavia, a Comissão não explicou quem deve preconizar e como deve ser preconizada esta condicionante.

Considerando que a exigência da área de refúgio seja uma medida preventiva, destinada à preservação da biotecnologia, com o objetivo de administrar a resistência dos insetos, e não uma condicionante relacionada à biossegurança propriamente dita, pode-se inferir que a preconização da área de refúgio deve ser efetuada pela empresa proprietária da tecnologia e empresas produtoras de sementes e praticada pelos agricultores, visto que são os principais beneficiários da comercialização e do uso da biotecnologia disponibilizada. Inclusive, cabe ressaltar que caso o objetivo da área de refúgio seja somente a preservação da biotecnologia e não uma medida de biossegurança, a Comissão não deveria ter tratado o assunto em seu parecer da forma como tratou.

Não bastasse a pouca clareza contida no comando acima observado, a CTNBio, neste mesmo parecer técnico, prescreveu que ao órgão de fiscalização competente cabe garantir o cumprimento da exigência feita relacionada à área de refúgio. Com dita prescrição, a Comissão dificultou ainda mais a interpretação e aplicação de seu parecer técnico, pois ficaram as perguntas: a área de refúgio é uma medida só para proteção da biotecnologia ou é também uma medida de biossegurança? Caso a área de refúgio seja destinada apenas à proteção da biotecnologia, por que exigir que um órgão fiscalizador garanta a execução da medida? Caso seja também uma medida de biossegurança, por que o parecer da Comissão não apresenta uma fundamentação científica objetiva?

Caso a condicionante em comento se destine apenas à proteção da biotecnologia, falhou a CTNBio ao exigir a fiscalização por parte do órgão fiscalizador, visto que com este comando está indicando um dos Ministérios previstos no artigo 16 da Lei 11.105/05. Sendo este o objetivo da área de refúgio, cabe à empresa interessada e não ao órgão fiscalizador, a criação de mecanismos para motivar o agricultor para esta prática e ao agricultor melhor se informar sobre a biotecnologia que tem à disposição, avaliar a relevância de sua preservação, e formar seu conhecimento e convencimento sobre o voluntarismo que é necessário à prática da condição estabelecida.

Todavia, caso seja esta condicionante também uma medida de biossegurança, falhou a CTNBio ao não explicar, em seu parecer técnico, os fundamentos de sua decisão e o que se pretende proteger com a efetiva prática da medida.

Trata-se, portanto, de um assunto relevante que deve ser esclarecido pela Comissão, que pode agir de ofício ou a pedido de interessado. Sendo uma medida de biossegurança, dever-se-á exigir empenho do órgão de fiscalização ao combate à sua inobservância. Não sendo este o caso, os principais interessados na preservação da biotecnologia precisam ser devidamente informados para que a ausência de fiscalização não se torne um desestímulo à prática da condicionante.

 Para concluir, cabe lembrar que o cultivo deste evento de transformação genética já é fato, outros eventos com esta característica em breve estarão disponíveis, e não é razoável exigir que o Poder Público desempenhe função que não é sua, criando expectativa sobre uma ação fiscalizadora que poderá não ocorrer.

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.