Certamente, todos já ouviram falar da chamada “Revolução Verde” que surgiu prometendo acabar com a fome no mundo, pois a população crescia num ritmo maior do que o da produção de alimentos. Um dos resultados desta “Revolução” foi o elevado passivo ambiental deixado pelo intenso uso de fertilizantes químicos, o que entre outros impactos, levou ao desencadeamento de processos de eutrofização nos corpos d água ao redor do mundo. Também deve ser lembrado, que aquele que era seu maior objetivo, acabar com a fome, não foi atingido.
Atualmente, instituições internacionais como o Banco Mundial, a FAO e a Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento, identificam outra revolução, denominada “Revolução da Produção Animal”. Basicamente, ela caracteriza-se pela migração das produções pecuárias dos países desenvolvidos para os em desenvolvimento. Nesta “Revolução”, o Brasil tem papel principal, pois o país é visto como o grande gerador de proteína animal para o planeta, posição a ser atingida em meados de 2020. Mas isso já é uma realidade, pois já somos o maior exportador de carne bovina e de frango e o quarto em exportações de carne suína. Alguns já rotulam o país como o “Frigorífico do Mundo”. Calcula-se que 1/3 da carne consumida no mundo é de origem brasileira.
Não há duvida que este cenário traga benefícios econômicos e sociais para o país. De acordo com avaliações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em 2007, as exportações do agronegócio totalizaram US$ 58,415 bilhões. Com isso, as exportações do agronegócio corresponderam a 36,4% das exportações totais brasileiras no período. Considerando o desempenho por setores, a maior contribuição para a expansão das exportações foi dada pelo setor de carnes, cujas vendas externas cresceram 30,7%, passando de US$ 8,6 bilhões em 2006 para US$ 11,3 bilhões em 2007. O acréscimo das exportações de carnes (US$ 2,7 bilhões) representou cerca de 30% do incremento do valor das exportações do agronegócio em 2007.
O setor público e privado tem várias justificativas para o sucesso pecuário brasileiro. Ambientalmente, estas justificativas compreendem a disponibilidade de recursos hídricos e de solos para o cultivo de grãos e pastagens.
A água é um recurso natural fundamental para produção animal, devendo estar disponível em quantidade e qualidade. Ela é utilizada tanto na dessedentação dos animais como na higienização das instalações e como veículo para retirada dos dejetos.
Não há dúvida que os setores produtivos e governamentais sabem da importância da água para produção animal e que a riqueza hídrica nacional é estratégica para manutenção do país como um grande produtor de carnes, ovos, leite, etc. Mas esses setores e a sociedade conhecem os potenciais impactos que estas produções podem provocar à água? Quais as políticas de desenvolvimento e ações de produtores e agroindústrias para conservar a água em quantidade e qualidade? As propriedades pecuárias estão adequadamente licenciadas? A produção animal no Brasil é hidricamente sustentável?
Somente em regiões de alta concentração produtiva conhecesse o real impacto que estas produções podem causar nos recursos hídricos. Este conhecimento não ocorreu pela via da conscientização, mas por anos de omissão de toda sociedade que hoje vê suas águas comprometidas em quantidade e qualidade.
Um caso emblemático é a região do Meio Oeste e Oeste Catarinense. Certamente, o grande mercado consumidor brasileiro que vive na faixa litorânea do país não sabe que os produtos pecuários que ele consome podem ter deixado um passivo ambiental considerável na região de origem.
Iniciativas pontuais de produtores e agroindústrias existem, mostrando que é possível produzir proteína animal e conservar os recursos hídricos. Estas devem ser tomadas como exemplos pelo restante das cadeias produtivas e serem transformadas em políticas públicas de desenvolvimento. Como são iniciativas pontuais, pode-se afirmar que, no geral, a relação das produções com o recurso natural não é boa.
Um dos pontos fundamentais para reverter esta situação são a existência e exigência de instrumentos legais. A produção animal Européia e Norte-Americana é hidricamente melhor que as nossas devido a existências de leis mais restritivas e melhor estruturação dos órgãos fiscalizadores. No Brasil, a maioria dos Estados não possuem leis específicas para o licenciamento de propriedades produtoras de bovinos, aves e suínos. Nos Estados que as possuem, devido à omissão de produtores e agroindústrias e desestruturação dos órgãos fiscalizadores, muitas propriedades não possuem licença ambiental. Um exemplo disso foi a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta para os suinocultores do Alto Uruguai Catarinense em julho de 2004. De acordo com estudos da Embrapa Suínos e Aves, de um universo de 3.861 suinocultores, 90% não possuíam licença ambiental naquele momento.
A produção animal brasileira não é hidricamente sustentável, mas pode ser! Para que isso aconteça, devem ocorrer mudanças de pensamento em todas as cadeias produtivas, desde produtores até consumidores. Também é fundamental que as agroindústrias assumam a sua co-responsabilidade na mitigação dos passivos ambientais originados na geração das matérias-primas e que os governos estabeleçam políticas de desenvolvimento, através de zoneamentos produtivos e estruturação e constante fortalecimento dos órgãos fiscalizadores.
Como a própria Política Nacional de Recursos Hídricos estabelece, a gestão do recurso deve ser responsabilidade de todos e ser realizada de forma participativa. O Brasil possui diversos conflitos ambientais e hídricos, a relação produção animal/água já um deles. Para que esse não se agrave, devemos intervir agora.
A omissão do passado já mostrou suas conseqüências, por enquanto ambientais. A omissão no presente, certamente, trará conseqüências ambientais ainda maiores, mas também econômicas e sociais. A chamada “Revolução da Produção Animal” já nos deu uma lição, as produções se movem, os passivos ambientais ficam.