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Agora, a poupança



Argemiro Luís Brum
Faz algum tempo que alertávamos, na sequência de discursos oficiais, de que o governo brasileiro teria que mexer no sistema das cadernetas de poupança caso desejasse continuar com sua política de aquecimento da economia. A partir deste dia 04 de maio a regra mudou efetivamente. Mas antes de analisarmos a decisão, vamos aos fatos.


Acuado pelo baixo crescimento da economia nacional em 2011 (um PIB de apenas 2,7%) e pelo recrudescimento da crise mundial em 2012 (os problemas na Europa continuam, a China anuncia desaceleração importante na economia, os EUA e Japão não decolam), que afeta nossa balança comercial por um lado e atrai dólares em demasia para o país, por outro lado, o governo se viu obrigado a adotar novas medidas de aquecimento da economia interna.

Sem entrar no mérito do aumento do endividamento e da inadimplência, que preocupam e já abordados nesse espaço, o fato é que os ministros da área econômica decidiram usar dois mecanismos. O primeiro, já conhecido e usado, leva a aumentar a disponibilidade de crédito, porém, com mais controle e para alguns setores da economia, acompanhado pela desoneração parcial de impostos, especialmente na chamada “linha branca”. O segundo, realmente novo, porém, pouco ortodoxo, se encontra dividido em duas frentes: forçar a baixa de juros no país e, por extensão, provocar uma desvalorização do Real perante o dólar.

Agora, a poupança (II)

Os juros muito elevados no Brasil, que permitem lucros abusivos por parte dos bancos, estão centrados em dois principais motivos: a importante inadimplência nacional e, principalmente, à dívida pública em constante elevação. Ou seja, eles existem em função de um problema estrutural de nossa economia.

Particularmente em relação à dívida pública, em função de o Estado brasileiro não ser reformado, continuar inchando e gastando mais do que pode e arrecada, sua dívida aumenta. Esta dívida é gerada via a venda de títulos públicos, muitos deles indexados na taxa básica, a Selic. Boa parte do recurso para a compra de tais títulos vem dos Fundos e aplicações de renda fixa, que dependem de juros atrativos para se manterem.


Assim, ao pressionar para uma baixa de juros, o governo tenta forçar o mercado a fazer algo que, pela estrutura atual da economia e do funcionamento do Estado, não o faria. Para tanto, usa os bancos públicos (Banco do Brasil e Caixa Federal), esperando que o efeito se espalhe pelo sistema financeiro privado. Ora, os bancos resistem a adotar plenamente a política de juros mais baixos, embora necessária. Simplesmente porque as condições estruturais da economia não estão reunidas para tal. E, por “decreto”, ações desse tipo não duram muito tempo.

Não é por nada que a presidente Dilma tenta, a cada discurso, convencer o setor privado bancário a entrar na dança. Na verdade, o que se nota, é uma baixa pontual, para algumas faixas de empréstimos, porém, acompanhada de enormes exigências na maioria dos casos. Ou seja, continua difícil obter empréstimos bancários. Paralelamente, o governo trabalha na redução da Selic. Todavia, a partir de 8,5% (hoje ela está em 9% ao ano e nova reunião do Copom está prevista para o final de maio), a Selic torna desinteressante a grande maioria das aplicações em Fundos os mais diversos.

Isso levaria a uma migração maciça para a poupança, que ficaria muito mais atrativa. Sem os Fundos, a dívida pública não é rolada (já que não é resolvida), e isso compromete a saúde da economia nacional e leva o Estado a “quebrar”, no estilo grego. O que fazer?

Agora, a poupança (III)

Na falta de capacidade e interesse em resolver o problema central, que é o inchaço do Estado e a geração constante de uma enorme dívida pública, o governo opta por mais uma medida de curto prazo. A mesma não deixa de ser engenhosa, para os objetivos desejados: como a Selic precisa continuar baixando para manter um mínimo de aquecimento na economia e auxiliar na redução dos juros gerais, além de atrair menos dólares para o país, logo ela estará em 8,5% ao ano, desde que a inflação não retorne (esse é outro capítulo da história, que está prestes a ressurgir).


Para evitar que as aplicações nos Fundos disparem em direção à poupança e sequem a torneira do crédito ao próprio governo, cria-se agora um mecanismo que pode ser assim resumido: as poupanças existentes até o dia 03/05/2012 ficam como estão e, momentaneamente, com um excelente rendimento. Porém, a partir do dia 04/05/2012, toda e qualquer aplicação nova, incluindo novos depósitos nas antigas contas, terão um reajuste anual de 70% da Selic a partir do momento em que esta passe a 8,5% ao ano ou menos que isso. Em a Selic subindo novamente para além dos 8,5%, o que é provável no médio prazo, volta a vigorar o sistema anterior para todos (reajuste de 0,5% ao mês, o que iguala a 6,17% ao ano, mais a TR). Ou seja, o rendimento das novas poupanças passa a ser variável, conforme a oscilação da Selic.

Nesse momento, isso significa que se a taxa básica recuar para 8,5% no final de maio, a poupança passará a ter um rendimento de 5,95% ao ano mais a TR, o que levaria o rendimento final a pouco menos do que os ganhos atuais. Como o governo não pode prescindir igualmente da poupança, pois ela financia os projetos públicos de habitação, dentre outras coisas, tudo indica que a Selic deverá estacionar mesmo em 8,5% ao ano, sob pena de tornar as novas poupanças desinteressantes, atingindo em cheio negativamente a todos os poupadores, especialmente os pequenos. Todavia, isso ainda é uma questão a ser verificada no andar dessa conturbada carruagem oficial.

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