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A difícil missão de quem depende do clima para sobreviver


ANDRE MARQUES VALIO
O verão de 1997/98 foi um ano excelente em chuvas para a agricultura na região Centr0-Sul do Brasil. Choveu acima da média, fez calor e teve muito Sol.
Para quem não sabe, o sonho do agricultor que produz biomassa (cana-de-açúcar, eucalyptus e pastagens) é que chova todas as noites e que os dias sejam de "céu de brigadeiro", pois estas culturas precisam de muita luz e muita água no solo.
A cana-de-açúcar colhida em 1998, aproveitou muito bem o verão 97/98 e retribuiu o esforço do produtor com uma super-safra. Mas ter muita cana não foi sinônimo de lucro... a disponibilidade de matéria-prima foi muito maior que a capacidade de processamento das fábricas naquela época e os preços ficaram abaixo do custo.

A cana deixada de colher em 1998 não foi perdida, ficou para ser colhida no início da safra em 1999 e com isso esta safra se tornou a mais precoce naquela década, quando a maioria das usinas antecipou em até 30 dias o início da moagem.
A expectativa de alta produção pelo segundo ano consecutivo gerou ainda mais depressão de preços. Naquela época, o custo de produção de um litro de etanol era de R$0,30 quando os preços do mercado sinalizavam R$0,16.
Em virtude dos prejuízos sofridos em 1998, a indústria também não fez investimentos em expansão de capacidade (além do mais, com o fim do Pró-Álcool, a venda de veículos verdes era cada vez menor e a demanda pelo combustível começava a cair).
Muitos dos congressos e seminários sobre a cana-de-açúcar naquele momento orientavam os produtores na "receita" de quais variedades seriam mais indicadas para "bisar" (termo usado para identificar a cana que foi diferida da colheita de uma safra para outra).
Como as expectativas eram de excedente, muitos agricultores resolveram reduzir a dose de fertilizantes (alguns inclusive contaram totalmente o produto) e deixaram de realizar aplicação de herbicida em pré-emergência, lançando mão somente do controle curativo, quando este atingia altos níveis de dano ao canavial.
Entretanto, São Pedro foi muito duro conosco. Na primeira quinzena de março a chuva cessou por completo e as primeiras águas voltaram novamente 79 dias depois, já na última semana de maio. Em julho, um importante periódico do setor dava o primeiro alerta: "Pode faltar cana na Safra 1999/2000".
A pergunta que todos se faziam naquele momento: Se até 60 dias atrás trabalhávamos com a certeza de que neste ano sobraria cana, como agora estão falando que vai faltar? Estes agrônomos estão loucos? Não sabem realizar estimativas?
Foi nesse momento em que eu percebi que o verdadeiro planejador da agricultura é o divino. Que embora possamos realizar muitas ações para amenizar as adversidades, o senhor do resultado é o Clima.
Quinze anos depois, as primeiras previsões para a Safra 2014/15 elaboradas por consultorias tradicionais do setor informavam ao mercado um volume de cana disponível de 630 milhões de toneladas na Região Centro-Sul, a mais importante produtora de cana no Mundo. Cento e vinte dias após, o cenário muda drasticamente, e se considera otimista uma estimativa de 570 milhões (-10%).
Então quais são as perguntas a se fazer neste momento? Não são as mesmas já feitas? Não aprendemos nada nestes 15 anos?
Não me atrevo a responder, pois qualquer que seja a minha resposta, ela não seria definitiva e nem geraria consenso. Mas gostaria de compartilhar uma passagem com os meus colegas de profissão, engenheiros agrônomos e profissionais correlatos que dependem do clima para sobreviver, e que serve para uma grande reflexão ao longo da safra que se inicia:

Na primeira metade dos anos 40, quando durante o inverno os aviões bombardeiros da Royal Air Force (RAF) levantavam vôo das bases britânicas para atacar alvos alemães nos tempos de guerra, o tempo ruim era um grande inimigo dos pilotos, sendo tão perigoso e traiçoeiro quanto os caças alemães (Focke-Wulf Fw 190) e as baterias anti-aéreas nazistas.
Então as previsões do tempo eram algo estratégico para o sucesso nas batalhas aéreas. Mas as previsões realizadas pelos ingleses com base na tecnologia que naquela época dispunham apresentava índices de acerto muito baixos para serem utilizados como parâmetros de decisão entre realizar ou abortar uma missão aérea.
Foi então que o comandante-chefe da RAF, Arthur Harris, procurou o então Primeiro-Ministro Winston Churchill e explicou que muitas vezes a previsão indicava que o tempo em rota era bom, e entretanto, o piloto era surpreendido por uma tempestade quando em cumprimento da missão e o avião não suportava as condições meteorológicas e com freqüência caía, matando o piloto e gerando grandes prejuízos materiais. Então, por não haver confiabilidade estatística nas previsões, era melhor não utilizá-las como referência para a decisão do piloto em voar ou não.
A resposta de Churchill foi incisiva: "Devemos continuar com as previsões!"
Sir Harris, indignado, pergunta: "Por quê? Isto é uma loucura!"
Churchill: "O piloto precisa estar confiante para realizar bem a sua missão."

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