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A cana-de-açucar e o Brasil colonial do século 21


Eleri Hamer

O agronegócio brasileiro tem realmente assumido uma posição de destaque em várias cadeias de produção principalmente a partir de meados da década de 90. Dentre estas cadeias sobressaem a soja, o algodão, o açúcar, o leite, as frutas e as carnes, além de outras que sofreram menores alterações mas que têm sido determinantes na sustentação do nosso PIB e também na melhora da balança comercial.

Deste período até hoje, boa parte do agronegócio se profissionalizou efetivamente. Isso vale para os diferentes elos das cadeias, mas é relevante no elo de produção rural que tem demonstrado capacidade de resposta às necessidades impostas pelo mercado.

É importante lembrar que das cadeias de produção citadas anteriormente muitas tem sofrido com ataques de imagem por diferentes organismos nacionais e internacionais, sejam eles públicos ou privados. O principal foco desses ataques ao longo dos anos tem sido a possível devastação de biomas em que essas atividades são desenvolvidas, tendo como alvos principais o cerrado e a floresta amazônica, além da degradação social relacionado principalmente ao trabalho em situação subumana e de semi-escravidão.

Em relação aos biomas e a relevante atenção dada a este aspecto, temos conseguido minimizar a nossa imagem de destruidores da natureza, graças principalmente a bons projetos mitigatórios e de pesquisa e desenvolvimento, além da crescente responsabilidade ambiental que profissionaliza a cadeia toda. Tem-se conseguido isso notadamente pela inserção crescente destes produtos no mercado internacional e a freqüente exigência de certificados sociais e ambientais. Atividades dessa natureza tem sido mais atuantes nas cadeias da soja, do algodão, das frutas e em última análise, também na pecuária bovina.

Porém, quanto às relações e as condições de trabalho, as culturas da soja e do algodão foram as que mais problemas tinham e que tecnicamente mais evoluíram ao longo dos últimos anos. Há bem pouco tempo, principalmente em áreas de fronteira agrícola ou em áreas de agricultura jovem, era freqüente a incidência e o flagrante do uso de mão de obra que remonta as características do Brasil colonial, com fortes distintivos feudais e escravistas.

À medida que estas cadeias foram se constituindo e se cristalizando, conseguindo a definitiva inserção no mercado internacional e a conseqüente profissionalização, as características de atraso e aproveitamento desumano dos nossos semelhantes deu espaço para o desenvolvimento econômico ao invés do específico crescimento a qualquer custo.

Contudo, em relação a cana-de-açúcar, algumas considerações precisam ser feitas. Sabe-se que boa parte dos empreendimentos considerados empresariais, a maioria deles conduzidos pela próprias usinas, encurtando dessa maneira a estrutura da cadeia de produção, são atividades que obedecem a legislação trabalhista e em muitos casos colaboram para o sonoro e controvertido desenvolvimento sócio-econômico das regiões onde atuam. Por outro lado, embora o cultivo da cana-de-açúcar remonta principalmente os séculos 17 e 18 no Brasil, a atividade ainda não conseguiu até hoje se livrar da pecha de exploradora da mão de obra rural. Para confirmar isso, basta abrir um ou dois jornais de circulação nacional ou fazer uma busca no Ministério Público do Trabalho.

Os principais argumentos utilizados por quem se apropria do suor e da vida dos miseráveis tem sido a mais de um século a insensibilidade governamental e a obsoleta legislação trabalhista. Contudo, não há explicação, nem religiosa e muito menos econômico-mercadológica, que justifique a exploração de seres humanos na busca pela sua sobrevivência e dos seus filhos.

Embora tenhamos tido muita encenação e pouco resultado prático, a visita do presidente americano ao Brasil trouxe à tona para o mundo inteiro, não somente para aqueles relacionados ao agronegócio, a discussão do etanol e por conseqüência a cadeia produtiva da cana-de-açúcar brasileira.

Prova disso é que poucas vezes se viu tamanha corrida de investimentos à um determinado setor, como a que está ocorrendo atualmente em direção à cana-de-açúcar. Talvez nem mesmo na época da revolução verde e o advento empresarial da soja no Brasil, que já remonta a década de 70.

Por essas e outras, temos tudo para entrarmos definitivamente no cenário internacional como um importante player, se não o mais importante no contexto do fornecimento de etanol. Contudo, essa distorção no nosso processo de produção precisa ser corrigido. É inadmissível que ainda morram pessoas no meio dos canaviais por fadiga, excesso de trabalho, falta de atendimento médico, ou mesmo trabalhem por comida, ou sejam impedidos de retornarem às suas cidades de origem. Parece que a mini-série Amazônia pegou emprestado alguns figurantes deste setor que combina tecnologia de primeiríssimo mundo e condições sociais do Brasil colonial.

Sabe-se que temos excelentes e responsáveis empresários e está na hora do setor, de fato, assumir para si a responsabilidade de desenvolver e não apenas crescer economicamente.

Está na hora de profissionalizar a produção na prática, não só no papel, eliminando atividades braçais totalmente insalubres e muitas de alta periculosidade.

Não tenho dúvida que devemos caminhar mais firmemente para este cenário promissor e de franco desenvolvimento. Para que isso ocorra é necessária uma forte estrutura empresarial, vontade política e de governo, principalmente no momento em que o mundo está de olho no etanol brasileiro e há um crescente fluxo de capitais para o setor.

Em frente e boa semana para todos nós.

[i]Eleri Hamer é Mestre em Agronegócios, Prof. de Graduação e Pós-Graduação do CESUR, e desenvolve palestras, treinamentos e consultorias em Gestão Empresarial e Agronegócio.

E-mail: [email protected]  home-page: www.elerihamer.com.br

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