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“E agora José...”


Arnaldo Calil Pereira Jardim
“Você que faz versos,
Que ama, protesta?...
... E agora José?
Você marcha José, José para onde?
Marcha José, José para onde?....”
(Carlos Drummond de Andrade)
O transporte público no Brasil é uma calamidade e a partir daí as redes sociais despejaram nas ruas milhares de brasileiros e seus protestos exigindo que não aumentassem as tarifas de ônibus, trens, barcas e metrôs. Mais do que isso, que não mais cobrassem passagem alguma, que dessem conserto na saúde, na educação; um basta à corrupção e parassem de mandar a polícia militar bater em quem mais se manifestar.

Outros mais foram às ruas, a polícia recolheu-se e os governantes de Rio e São Paulo anunciaram àquela massa difusa que contestava seu poder que sim, voltavam atrás e à tarifa anterior. Até segunda ordem, não haverá aumento de passagem... Também em outras capitais e cidades.
Li notícias e análises, ouvi noticiários conversei com meus filhos – que foram à passeata – e com muitas outras pessoas. É grande a minha alegria de ver a cidadania sendo exercida. Eu me formei cidadão em ambiente semelhante, como líder estudantil, participante de manifestações contra a ditadura, pelas eleições diretas. Saúdo como um saudável suspiro democrático. Desejo que o movimento traga à tona uma série de temas, sobre a qualidade dos serviços públicos, sobre a condução da nossa economia e faça também emergir ideias e novas lideranças.
É preciso construir um espaço político para fazer política quando as instituições hoje corroídas e corrompidas, infelizmente não atendem às exigências que os cidadãos já contabilizam pela via da democracia eleitoral. É preciso irrigar e renovar as instituições aproximando-as da realidade que os cidadãos expõem nas ruas.
O que aconteceu – ilustrado pela quantidade de reivindicações postadas no bornal dessa enorme manifestação centopéica – expõe a absoluta falta de diálogo que preside a sociedade brasileira. O exercício político dos últimos tempos evidencia uma prática empobrecida do “nós contra os outros”, que soma inúmeras demandas especificas e não é capaz de colocá-las dentro de um projeto nacional. Isto pode ser profundamente danoso à democracia, cujo fundamento é o respeito às diferentes visões de mundo, à vontade da maioria e o reconhecimento das instituições.
Vejo também a ausência de lideranças e interlocutores – a prova disso é que não havia representantes do movimento ao lado dos governantes quando anunciaram a capitulação diante dos telespectadores. Da mesma forma não tem havido sensibilidade política das lideranças formais do país para se aproximar do cerne democrático do movimento. Os objetivos são dispersos e é lamentável – o que precisa ser coibida sem concessões – a ação de grupos sectários, que depredando o patrimônio público e privado, têm fraudado a índole pacífica de milhares.
A substância da massa que agora confronta políticos e governantes mais se parece com aquela dos caras pintadas que puseram fim ao governo de Fernando Collor. Está muito longe do projeto coletivo de resgate democrático das “Diretas Já”, por exemplo, quando multidões cardeais caminharam para a construção institucional brasileira arrebanhando estudantes, profissionais liberais, sindicalistas, igrejas, operários e suas representações.

As manifestações de agora ainda têm uma textura de “flashmob” – ação combinada pelas redes sociais para provocar impacto coletivo momentâneo, sem compromisso de evoluir para desenvolvimentos mais complexos, como são os da política, por exemplo. Os manifestantes não querem saber de partidos políticos, pedem que abaixem suas bandeiras, mas não os excluem. Será necessário falar de política, não partidária e eleitoral, mas de propostas globais, de prioridades, de “visões de mundo” que viabilizem transformações profundas e duradouras.
As redes sociais contribuíram para que as pessoas se organizassem e chegassem às ruas na proporção que estamos assistindo. E aí considero a importância de identificar os anseios da sociedade por meio dessas ferramentas, estabelecer com ela o diálogo democrático e responder às questões formuladas em conjunto com instituições mais modernas. Se acolherem o contraditório e a discussão plural as redes podem realmente vir a ser no Brasil um saudável berço de democratização política e de exercício da ética.
Espero, e somarei esforços para isto, que os manifestantes pretendam aprofundar e renovar o diálogo democrático, metendo fundo o dedo no conteúdo de suas reivindicações. Além de estabelecer claras lideranças, terão que discutir as contendas dentro do Congresso Nacional, com o Executivo e com o Judiciário, poderes que presidem a República Federativa do Brasil, sustentada por uma Constituição promulgada à custa de muita luta cujos 25 anos se comemoram neste ano.
O alerta é saudável e tem endereço certo. No rastro dos outros, o governo central de hoje optou claramente pelo transporte individual, e cometeu mais uma desnorteada distração ideológica da política econômica que imagina a redenção social do brasileiro pregada na cruz do consumo.
Estar atento a esse puxão de orelhas que vem das ruas, reorganizar sua pauta, refazer seu funcionamento, incorporar definitivamente a ética como valor central, é isto que as instituições e, particularmente, a Câmara dos Deputados e o Congresso Nacional teem obrigação de fazer. Que este ar fresco venha para fixar e oxigenar a nossa democracia e coloque sob condições mais justas e promissoras nosso país e seu povo!

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