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Produtos biológicos e o seu potencial de mitigação das mudanças climáticas

Como bioinsumos podem transformar o futuro da agricultura de forma sustentável


Para alimentar uma população mundial em crescimento, a produção agrícola deve aumentar em 50%, já que as projeções da ONU apontam para uma população de mais de 10 bilhões em 2100. No entanto, à medida que a intensificação da produção de alimentos aumenta, a aplicação irracional de insumos químicos e a exploração inadequada de terras agricultáveis contribuem ainda mais para as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e consequentemente, as mudanças climáticas. Além de reduzir a produtividade das culturas, as mudanças climáticas também elevam os preços de produtos agrícolas, aumentando o risco de insegurança alimentar para parte da população vulnerável. Nesse sentido, adotar estratégias de manejo conservacionistas podem reduzir os impactos da agricultura, produzindo alimentos e insumos com o menor impacto possível.

Apesar da maioria das plantas apresentarem uma certa plasticidade quanto a adaptações ambientais, a maioria das plantas de interesse agrícola terá reduções na produtividade em eventos climáticos extremos, já que em determinadas situações excedem a sua capacidade de responder ao estresse. Muito dessa capacidade de se adaptar a condições extremas nas plantas, tem influência dos organismos do solo, principalmente os próximos à raiz, em uma pequena zona chamada rizosfera. Esses organismos são recrutados pelas plantas via sinalizações bioquímicas e excreção de moléculas, carboidratos e ácidos orgânicos, e estabelecem uma relação mutualística com a planta, onde ambos se beneficiam. A microbiota rizosférica quando em boas condições, influencia direta e indiretamente o crescimento das plantas, além de ser agente de uma ciclagem de carbono eficiente, reduzindo as emissões de gases do efeito estufa (GEE).

É a partir dessa microbiota que são selecionados a maioria dos organismos utilizados nos produtos biológicos, tanto os promotores de crescimento, quanto os utilizados para biocontrole. Devido ao sucesso do uso dos biológicos na agricultura, esse movimento tem sido chamado por pesquisadores de todo o mundo como a “Nova Revolução Verde”. Essa abordagem está inserida na Agenda 2030 da ONU, que é um plano baseado em 17 objetivos globais de desenvolvimento sustentável. Também está presente no Plano ABC+ do MAPA, que tem objetivo de promover a adaptação à mudança do clima, e o controle das emissões de GEE, na agropecuária brasileira, com aumento da eficiência e resiliência dos sistemas produtivos.

 

Como adotar o uso de bioinsumos pode ajudar nas mudanças climáticas?

Redução do uso de fertilizantes químicos

Existem diversos mecanismos utilizados pelos microrganismos do solo que podem disponibilizar ou facilitar a aquisição de nutrientes para as plantas. O mais conhecido, aplicado e bem-sucedido deles é a fixação biológica de Nitrogênio (FBN). No cultivo de soja, por exemplo, é possível atingir altas produtividades sem a necessidade do uso de fertilizantes nitrogenados. Para a produção de fertilizantes químicos nitrogenados, há um grande consumo de energia, além de serem originários do petróleo. Um estudo recente quantificou os serviços econômicos e ecossistêmicos gerados pela FBN na soja brasileira na safra 2019/2020. Os resultados mostraram que a substituição de Ureia por inoculação com rizóbios gerou uma economia de mais de 15 bilhões de dólares, sendo que o lucro gerado diretamente pela inoculação foi de quase 1 bilhão de dólares. Além disso, o FBN na cultura da soja possibilitou a mitigação da emissão de 183 milhões de Mg de CO2 na atmosfera, o equivalente a mais de 5 bilhões de euros em créditos de carbono.

Apesar do sucesso da soja, a maioria das grandes culturas ainda é dependente de adubação química nitrogenada. Boa parte do Nitrogênio proveniente dessa adubação é perdido a partir de reações que ocorrem no solo. Cerca de 60% do Nitrogênio proveniente dos adubos é perdido e contamina corpos d’água e a atmosfera. Por exemplo, em algumas condições (solos alagados), há a liberação de óxido nitroso (N2O), que é um GEE com potencial de aquecimento 310 vezes maior do que o CO2. Por esse motivo, estudos para o desenvolvimento de produtos biológicos que reduzam pelo menos em parte a dependência dos fertilizantes nitrogenados nas principais culturas ainda estão sendo conduzidos. Diversos estudos já apontam um cenário promissor em algumas culturas, onde já se comprovou que a partir da inoculação de bactérias fixadoras de Nitrogênio em vida livre, é possível reduzir a adubação nitrogenada em até 40% no arroz irrigado e 50% no trigo.

Maior tolerância a condições estressantes nas plantas

Com o avanço das mudanças climáticas, situações extremas de temperaturas, estresse hídrico (seja excesso ou falta d’água), salinidade, toxidez por metais pesados e uma série de condições indesejáveis causam impactos nas culturas agrícolas ao redor de todo o mundo. O uso de bioinsumos também é conhecido por auxiliar a planta condições ambientais estressantes. São diversos os mecanismos envolvidos nessa relação entre planta e organismo. Um resumo com os principais mecanismos utilizados na promoção de tolerância a condições estressantes pode ser visualizado na tabela abaixo:

Um ponto chave para o sucesso do uso dos bioinsumos para tal fim, é que seja realizada a seleção de organismos diretamente nos ambientes ao qual se destinam. Isso porque para que consiga expressar o seu potencial como agente de promoção de crescimento em condições estressantes, o organismo precisa estar adaptado à condição ao qual é exposto e ter capacidade de exercer a função ao qual é designado.

Menor dependência de pesticidas na lavoura

O uso indiscriminado de pesticidas é uma das principais causas de resistência de patógenos e pragas. Além disso, quando utilizado em doses acima do recomendado gera acúmulo de resíduos em alimentos, e contaminação ambiental no solo e nos corpos d’água.

Com a intensificação dos eventos climáticos extremos, ocorre também o aumento da incidência e gravidade de doenças e pragas na agricultura. O controle biológico tem potencial para a redução de quase 50% no uso de pesticidas químicos. Logo, realizar o manejo integrado de pragas e de doenças, integrando métodos como rotação de culturas, uso racional de pesticidas químicos, métodos físicos de controle, uso de cultivares resistentes, juntamente com os biopesticidas são estratégias que podem impactar positivamente para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável, atendendo a demanda que as mudanças climáticas vêm exigindo.

Mais de 600 produtos estão registrados para utilização em controle biológico de doenças e pragas no Brasil, entre agentes biológicos de controle, bactericidas, Fungicidas, Inseticidas e nematicidas microbiológicos. A maioria deles tem múltipla ação, apresentando capacidade de controle para mais de uma doença ou praga.

 

Franquiéle Bonilha da Silva

Dra. em Ciência do Solo

Consultora Agronômica em PDI

 

Fontes:

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